Sérgio Pererê canta junto de integrantes da Guarda Os Ciriacos

O disco conta com diversas participações, como a da Guarda Os Ciriacos. Apresentações serão nesta quinta, no Teatro Raul Belém Machado, e no sábado, no Centro Cultural Vila Marçola

Pablo Bernardo / divulgação

Foi com o intuito de pedir a bênção para o solo que nutre a raiz de sua inspiração artística que Sérgio Pererê se lançou na aventura de “Velhos de coroa”, seu novo álbum, cujos shows de lançamento ocorrem nesta quinta-feira (9/2), no Teatro Raul Belém Machado, e no sábado (11/2), no Centro Cultural Vila Marçola.

Disponível nas plataformas de streaming desde o último dia 3, o trabalho celebra a cultura tradicional do reinado em Minas Gerais. Várias guardas de congado e moçambique participam como convidadas ao longo das faixas. Pererê destaca que o disco se dirige, principalmente, às pessoas que compõem esse universo. 
“Velhos de coroa” une músicas tradicionais do reinado e canções inéditas, compostas pelo artista sob inspiração dos reis e rainhas que compõem essa cultura afro-mineira no estado. Pererê diz que alguns dos temas autorais surgiram durante o processo de feitura do álbum, fruto de sua vivência com os membros das irmandades participantes.

“Algumas canções vieram ocupando um espaço à medida que fui entendendo o caminho que estava trilhando com cada convidado, cada convidada. Às vezes uma cantiga surge de acordo com uma situação, uma visita, um agradecimento”, afirma.



Há mais de 300 anos, os reinados ou congados cumprem um ciclo anual de festejos, quando as guardas repetem nas ruas o mito fundador da retirada de Nossa Senhora do Rosário do mar. Por meio de danças, cantos e batuques, prestam homenagens aos santos do panteão congadeiro, aos antepassados e aos reinos africanos.

Pererê conta que sua relação com o reinado remonta à infância, quando, por volta dos 10 anos, foi pela primeira vez a uma festa na Irmandade dos Ciriacos, em Contagem (MG) – que marca presença em “Velhos de coroa”. 

“Quando encontrei Os Ciriacos, por volta de 1986, senti que me conectei com essa musicalidade”, diz. Com o passar do tempo, o envolvimento com a tradição congadeira foi ficando cada vez maior, a ponto de receber o convite para ser rei no Moçambique do Divino, outro grupo que participa do álbum.

Conexão

“A grande conexão que tenho é por causa do lugar de devoção, e isso vem da minha mãe, que é benzedeira, sempre foi devota de Nossa Senhora e, ao mesmo tempo, carrega a ancestralidade africana. Isso está presente no reinado e acaba vazando para a minha poesia e para a minha música”, diz.

Ele observa que o disco não tem a pretensão de ser didático. “As pessoas não precisam escutar esse disco pensando que com isso vão aprender sobre os ritmos do congado, porque ele não se presta a essa função, não quer ensinar nada.”

Com relação a essa poética dirigida aos representantes do reinado, Pererê explica que eles são naturalmente imbuídos de algumas motivações e sentimentos – de saudade, de busca, de encontro – que ficam muito aflorados nas manifestações e nos festejos. Ele diz tratar-se da herança africana da religiosidade banto atravessada pela devoção a uma divindade feminina, que é Nossa Senhora.

“Não é um catolicismo negro; é mais amplo do que isso. O sentimento de saudade aparece em várias letras, e o mar também aparece o tempo todo, pode-se até dizer que o álbum é uma grande homenagem ao mar. Ele tem um simbolismo muito grande em função da diáspora e porque, dentro do universo banto, está muito ligado ao plano espiritual, ao mistério, aonde não se vai”, aponta.

Participações

O álbum conta com participações da Guarda de Moçambique do Divino Espírito Santo do Reino de São Benedito, da Irmandade Os Carolinos, da Guarda de São Jorge de Nossa Senhora do Rosário, da Guarda de Moçambique e Congo Treze de Maio de Nossa Senhora do Rosário, do Coral Vozes de Campanha e do Quilombo Nossa Senhora do Rosário de Justinópolis, entre outros grupos, além dos músicos Richard Neves e Acauã Rane.

Pererê diz que sua intenção era trazer para “Pretos de coroa” o maior número possível de irmandades, e que, na verdade, não foi possível a participação de nem um terço daquelas com as quais ele mantém relação. O músico ressalta que tem trânsito com praticamente todas, não só em Belo Horizonte, mas também em cidades próximas, como Brumadinho e Lagoa Santa, e outras mais distantes, como Uberlândia.

É com propriedade que Pererê pode avaliar a atual situação dos reinados em Minas Gerais, dada a sua proximidade. Ele considera necessário que o poder público, em âmbitos municipal, estadual e federal, abrace essas irmandades. “Elas praticamente pagam para que o reinado exista”, observa.

“É preciso um envolvimento real do estado, da prefeitura, do país no sentido de fomentar isso, para que elas possam fazer as festas e se manter sem que seja tão difícil, porque a vida dessas pessoas que mantêm a cultura popular – não só o reinado, mas, pensando no Brasil, o maracatu, em Pernambuco, ou as escolas de samba, nos morros cariocas – é muito difícil. Elas estão numa situação de subalternidade, e isso me incomoda um pouco”, diz.

Ele ressalva que, por outro lado, se impressiona com o fato de que o cenário das guardas de congo e moçambique é mais potente hoje do que há 30 ou 40 anos. “Nos anos 80, a gente assistia a um enfraquecimento dessas tradições, com a juventude se afastando, com muitas dificuldades para que elas pudessem se manter”, conta. 

Segundo Pererê, “Velhos de coroa” é sua forma de retribuir um pouco de tudo o que já recebeu dessas matrizes. “Fico muito contente de estar nesse lugar, de poder somar alguma força”, afirma. O artista observa que o álbum celebra seus 25 anos de carreira – um marco simbólico, conforme diz, já que está na estrada há mais tempo do que isso.

“É um símbolo bonito, uma razão bonita para comemorar, as bodas de prata.” O cantor e compositor adianta que seu público pode esperar muitas surpresas e novidades para 2023. “Este é um ano de muito movimento, muitas coisas estão acontecendo, tenho trabalhos muito distintos para lançar, coisas que estão em andamento e coisas que estão praticamente prontas.”

Esses trabalhos “muito distintos” vão mostrar um Pererê ocupando lugares bem diferentes daquele a que seu público está acostumado. Ele diz que começar o ano com “Velhos de coroa” é uma forma de “fincar o pé na raiz” e poder partir em outras direções sem perder a base.

“No decorrer da carreira, fui entendendo que o artista tem vários lugares, e acho que essa é a chave da longevidade artística. Saber disso me mantém com a mesma vontade de criar. Lançar ‘Velhos de coroa’ é como pedir a bênção para esse solo que nutre minha inspiração, minha musicalidade, para poder transitar o tanto que tenho transitado e o tanto que ainda pretendo transitar. Este será um ano de grandes surpresas”, diz.

Nos shows de hoje e de sábado, Pererê estará acompanhado apenas de Richard Neves (teclados) e de Daniel Guedes (percussão), tocando, ele próprio, vários outros instrumentos. O músico explica que levar para o palco as irmandades que participaram do disco implicaria uma logística muito complicada. “O show é uma releitura do álbum, em que também incluo coisas que já fazem parte do meu repertório há mais tempo”, adianta.

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“VELHOS DE COROA”

Shows de lançamento do álbum de Sérgio Pererê, nesta quinta-feira (9/2), às 20h, no Espaço Cênico Yagi - Teatro Raul Belém Machado (Rua Leonil Prata, s/nº, Alípio de Melo). Ingressos gratuitos com retirada antecipada pelo site. No sábado (11/2), às 17h, no Centro Cultural Vila Marçola (Rua Mangabeira da Serra, 320, Vila Marçola – Aglomerado da Serra). Gratuito, sujeito à lotação do espaço