Quando foi lançada, em 2021, pela Netflix, “Cidade invisível” alcançou um patamar de sucesso que surpreendeu seus produtores. A série entrou no Top 10 da plataforma em mais de 40 países e rapidamente teve sua continuidade garantida. 

A segunda temporada, no entanto, que estreou no último dia 22/3, não parece seguir a mesma trajetória bem-sucedida da primeira. O roteiro, confuso e raso, é o principal motivo. 

Se na primeira temporada figuras do folclore brasileiro típicas das regiões Norte e Nordeste circulavam pelo centro do Rio de Janeiro como se fossem moradores da cidade, agora elas foram “devolvidas” ao seu ambiente original. Sem nenhuma explicação ou contextualização, os personagens já começam a nova temporada muito bem ambientados em Belém (PA).

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Até mesmo o corpo de Eric (Marco Pigossi) - o protagonista terminou a primeira temporada sacrificando a própria vida para salvar as entidades folclóricas do extermínio iniciado por um espírito amaldiçoado - está desaparecido no fundo do lago de um santuário indígena chamado Marangatu, na floresta amazônica.

Ator de terno diante de mula com cabeça incendiada em cena de 'Cidade invisível'

Segunda temporada da série que tematiza personagens do folclore brasileiro tem roteiro desconexo e excesso de "mensagens"

Netflix/Divulgação

Matinta Perera 

Nos novos episódios, Luna (Manu Dieguez), filha de Eric, parte com a Cuca (Alessandra Negrini) para o Pará, no intuito de encontrar o pai. Eles se reencontram depois que a garota faz um pacto com Matinta Perera (Letícia Spiller), nova personagem do folclore contemplada pela série. Matinta não só indica a Luna onde Eric está, como o ressuscita.

Mexer na ordem natural do mundo, contudo, é algo temerário. Eric volta à vida com a capacidade de absorver os poderes de qualquer entidade folclórica que ele quiser. E, ao longo da trama, vai perdendo o escrúpulo de “roubar” as habilidades das entidades, à medida em que pretende alcançar seu objetivo de levar a filha de volta para o Rio de Janeiro.



Os papéis de vilões ficam a cargo dos membros da família Castro. O grupo mantém um garimpo ilegal e sonha em invadir Marangatu atrás de ouro. À frente deles está Débora (Zahy Tentehar), uma indígena adotada pelo falecido patriarca da família e que, devido à sua criação, não tem escrúpulo algum em atacar os povos originários.

Para cometer os crimes impunemente, ela conta com a colaboração da cunhada Clarice, juíza da região. A magistrada, contudo, só aceita fazer vista grossa porque Débora conhece sua condição de Mula Sem Cabeça.

Enquanto Eric tenta voltar com Luna para o Rio de Janeiro, Débora prevê que a menina é a chave para entrar em Marangatu. Não se sabe o que a fez acreditar nisso, afinal, ela e a menina sequer se encontraram. Mesmo assim, decide encabeçar uma campanha para sequestrar a garota e tentar invadir Marangatu.

Folclore brasileiro

Se o roteiro já se mostra confuso no início da nova temporada, ele piora ao longo da trama. Luna conta com ajuda de um Menino Lobo, um Zaori (figura mitológica que, segundo a lenda, consegue enxergar ouro onde estiver escondido) e indígenas locais para derrotar Débora e o garimpo ilegal. Todos esses personagens, no entanto, entram de maneira aleatória na série.

Por fim, Luna precisa se afastar do próprio pai, que, de tanto “roubar” os poderes das entidades, perdeu o controle de si mesmo e virou um misto de Lobisomem, Boitatá, Zaori e Cuca.

Os novos episódios de “Cidade invisível” tentam passar de uma só vez várias mensagens, como respeito à natureza e aos povos originários, valorização da cultura nacional e até a recuperação da crença no judiciário brasileiro. Contudo, o recado mais eficaz que a série consegue passar é que, de fato, mexer na ordem natural das coisas é algo temerário. 

O folclore brasileiro sobrevive há séculos passando de geração para geração sem nenhuma confusão. Bastou misturar tudo indiscriminadamente para transformar lendas instigantes em fantasia ingênua e juvenil.

“CIDADE INVISÍVEL”
•Segunda temporada, com cinco episódios, 
disponível na Netflix.