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Estado de Minas LITERATURA

Clarice Lispector abriu o coração para Fernando Sabino

Cartas trocadas pela dupla revelam angústias dos dois escritores, inquietações relativas à literatura e a falta que ela sentia da bagunça brasileira


10/12/2020 04:00 - atualizado 10/12/2020 09:46

Clarice Lispector trocou cartas por 23 anos com o escritor mineiro Fernando Sabino(foto: Badaró Braga/A CIGARRA/ ARQUIVO EM - 1955)
Clarice Lispector trocou cartas por 23 anos com o escritor mineiro Fernando Sabino (foto: Badaró Braga/A CIGARRA/ ARQUIVO EM - 1955)
Discreta e pouco afeita a entrevistas, Clarice Lispector (1920-1977) não era do tipo que baixava a guarda facilmente. Na busca por não revelar completamente a complexa persona por trás dos livros, a escritora preferia que as obras falassem por si.

Ainda assim, foi por meio da escrita que ela se mostrou mais vulnerável, como revelam as cartas trocadas com o mineiro Fernando Sabino (1923-2004) entre 1946 e 1969. A amizade dos dois, registrada no livro Cartas perto do coração (Record, 2001), revela uma longa e profunda ligação entre dois importantes escritores brasileiros.

DEDICATÓRIA

O primeiro contato de Fernando Sabino com Clarice Lispector ocorreu em 1944. Na ocasião, ele recebeu o primeiro livro dela, Perto do coração selvagem (1943), com dedicatória da autora. Entusiasmado, publicou uma resenha. Sabino tinha 20 anos, morava em Belo Horizonte e não conhecia Clarice pessoalmente.

À época, ela morava em Nápoles, na Itália. Quando retornou ao Brasil, foi apresentada ao escritor mineiro por intermédio de Rubem Braga (1913-1990). A partir daí, se estabeleceu uma amizade intensa que resistiu até mesmo à distância. As cartas dela foram enviadas de Berna, na Suíça, e Washington, nos Estados Unidos, onde morou junto do marido diplomata, Maury Gurgel Valente. As de Fernando saíram do Rio de Janeiro e de Nova York.

Quando se conheceram, os dois eram autores iniciantes. Clarice tinha 23 anos e havia acabado de lançar seu romance de estreia. Já Fernando Sabino havia publicado em 1941, aos 17 anos, o primeiro livro, a coletânea de contos Os grilos não cantam mais.

Nas cartas, Clarice revela uma série de frustrações por estar longe de casa, o que a leva a sentir falta da bagunça e da efervescência do Rio de Janeiro.

“Berna é linda e calma, a vida cara e a gente feia; com a falta de carne, com o peixe, queijo, leite, gente neutra, termino mesmo dando um grito. Falta um demônio na cidade. Não trabalho mais, Fernando. Passo os dias procurando enganar a minha angústia e procurando não fazer honrar a mim mesma”, desabafa Clarice ao amigo. Em outro trecho, revela: “A solidão que sempre precisei me é, ao mesmo tempo, insuportável.”

No entanto, um dos principais motivos da aflição da escritora era o silêncio em torno de seu segundo romance, O lustre (1946), qualificado por Oswald de Andrade (1890-1954) como “aterrorizante”. Para Fernando Sabino, amigo afetuoso, solidário e pragmático, o referido “silêncio” era “exagerado”.

As cartas estabelecem um diálogo livre. Clarice fala, por exemplo, da visita que fez às pirâmides do Egito, reclamando do comportamento dos turistas: “O problema é sentir alguma coisa que não esteja prevista em um guia”, escreve ela.

A mudança para Washington foi positiva para a escritora, pois a cidade oferecia opções culturais e contava com uma comunidade significativa de brasileiros. Apesar disso, a percepção é bastante semelhante à que ela tinha sobre Berna: “É bonita segundo as várias leis da beleza que não são as minhas. Falta bagunça aqui, e não compreendo cidade sem esta certa confusão. Mas enfim, a cidade não é minha”.
Fernando Sabino editou o romance A paixão segundo G.H.(foto: ARQUIVO O CRUZEIRO/EM - 1973)
Fernando Sabino editou o romance A paixão segundo G.H. (foto: ARQUIVO O CRUZEIRO/EM - 1973)

EVOLUÇÃO

A produção epistolar revela uma linha de evolução. No primeiro momento, dominam inquietações e angústias vagas. Mas, no decorrer da troca de correspondências, cresce a preocupação dos dois escritores em relação às suas próprias obras. As cartas revelam, portanto, uma amizade forjada na palavra.

Prova disso é a presença do mineiro na vida de Clarice Lispector, o que não se limitou à troca de cartas. Fernando Sabino foi editor do romance A paixão segundo G.H., obra-prima de Clarice publicada em 1968.

DE: CLARICE
PARA: FERNANDO

“Falta um demônio na cidade. Não trabalho mais, Fernando. Passo os dias procurando enganar a minhaangústia

“Falta bagunça aqui, e não compreendo cidade sem esta certa confusão. Mas enfim, a cidade não é minha”

(foto: Record/reprodução)
(foto: Record/reprodução)

CARTAS PERTO DO CORAÇÃO
• De Fernando Sabino e Clarice Lispector
• Record
• 208 páginas
• Preço médio: R$ 60


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