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Estado de Minas SAÚDE

COVID-19: Alerta para o kit perigo; entenda os riscos

Na ânsia de evitar o coronavírus ou se curar da doença, muitos insistem no tratamento precoce


04/04/2021 06:00 - atualizado 04/04/2021 07:51

A pandemia exige respostas rápidas. Entender os mecanismos de ação do coronavírus impulsiona pesquisas no mundo inteiro, em diferentes frentes de atuação. O kit Covid é uma das alternativas que vêm sendo defendidas, inclusive pelo presidente Bolsonaro, mas a ciência já decretou o perigo. Nenhum dos fármacos preconizados para o tratamento precoce da infecção pelo coronavírus interfere positivamente no controle da infecção pelo coronavírus – ao contrário, representa riscos graves de efeitos adversos.

Entre as fórmulas do kit Covid, ivermectina, azitromicina, hidroxicloroquina, cloroquina, corticoides, fármacos usados contra o HIV, antibióticos, anticoagulantes, anti-inflamatórios, vitamínicos e outros. Segundo o Conselho Federal de Farmácia, as vendas de hidroxicloroquina subiram 173% em fevereiro deste ano em relação ao ano passado, e as de ivermectina, 769%.
 
O infectologista Gerson Salvador alerta sobre o risco de preconizar o uso. "Do ponto de vista individual, o kit Covid é uma ameaça ao indivíduo que toma. E, sob a ótica populacional, a situação é ainda mais grave. Induz as pessoas a acharem que existe uma solução, a se sentirem seguras e a continuar circulando nas ruas. É uma estratégia de mentiras que está fazendo com que a pandemia fique ainda mais descontrolada", observa.

Muito além dos debates científicos comprometidos com a verdade, para Gerson Salvador existe um dado ainda mais grave. Em sua visão, muita coisa está relacionada a interesses econômicos e políticos. "Existem médicos vendendo teleconsultas para prescrever o kit Covid de forma indiscriminada, também por motivos políticos. Médicos acabam aderindo a uma agenda equivocada, antiética, imoral, e estão provocando mortes", opina o infectologista.
 
(foto: Arquivo pessoal)
(foto: Arquivo pessoal)

"Me recusei a tomar, dizendo que não havia comprovação científica sobre os benefícios dos remédios. A médica logo disse que, então, a responsabilidade para o que pudesse acontecer seria minha, e falou que eu estava desafiando sua autoridade.”
 
Jilnete Silva Santos, de 50 anos, professora, pedagoga e historiadora 
 
As manifestações antivacina são mais um ponto a considerar. Nesse caso, o exemplo dado pelo presidente da República (o governo disse até que quem tomasse virava jacaré), que muitas vezes veio a público criticar os imunizantes, reverbera entre quem o tem como referência, gerando desconfiança e hesitação sobre o ato de se vacinar. Além disso, Gerson Salvador destaca a atitude do governo federal em não comprar vacinas quando foram oferecidas, em data oportuna.

TRANSPLANTE DE FÍGADO 


Sobre a ivermectina, em específico, é um remédio associado muitas vezes a ocorrências severas. O médico pneumologista Frederico Fernandes, presidente da Sociedade Paulista de Pneumologia e Tisiologia (SPPT), foi um dos profissionais que denunciaram problemas graves gerados pela aplicação equivocada do fármaco.

Ele foi ao Twitter contar sobre o caso de uma paciente que desenvolveu hepatite medicamentosa depois de ser internada com COVID-19. Trata-se de uma pessoa jovem, que manifestou sintomas leves da infecção e, depois de passar uma semana recebendo a ivermectina, a uma dosagem de 18 miligramas por dia (prescrição considerada equivocada na opinião de Frederico Fernandes), acabou apresentando piora em seu quadro de saúde.

A hipótese entre a equipe médica que atendeu ao caso é que a reação estaria relacionada ao uso da ivermectina. Houve até indicação para transplante de fígado. "Muito triste ver uma pessoa jovem a ponto de precisar de transplante por usar uma medicação que não funciona em uma situação que não precisa de remédio algum", postou o pneumologista.

Recentemente, em São Paulo, o uso do kit Covid pode ter provocado a morte de três pessoas. Quatro pessoas estão na fila pelo transplante e uma está em recuperação após passar pelo procedimento, conforme informações da última semana.

Muitas substâncias podem provocar alterações no fígado. A lesão hepática induzida por medicamentos é uma complicação hepática do uso de medicamentos, ervas e fitoterápicos de espectro variável, de alterações leves a hepatite aguda grave, que se manifesta algum período após a administração de um medicamento.

O Conselho Federal de Medicina autoriza médicos a receitarem o kit Covid, mas, segundo a entidade, isso não significa apoio a teses sem fundamento científico – o conselho divulga que é uma decisão que compete ao médico, dentro de sua autonomia, e no caso concreto junto ao paciente. A Associação Médica Brasileira (AMB), no entanto, se posiciona dizendo que autonomia médica não passa pela liberdade do médico em prescrever aquilo que é ineficaz, que não funciona e representa riscos.

"Ao prescrever um medicamento, deve ser sempre discutido com o paciente risco X benefício. Se o benefício não foi comprovado, não vale a pena correr o risco, por menor que ele seja", afirma a médica hepatologista Maíra Fernandes Almeida Penna, do Orizonti, Instituto Oncomed de Saúde e Longevidade.

Ela explica que são raros os casos de desenvolvimento de hepatite aguda relacionada à ivermectina, por exemplo. Não se trata de um medicamento de alto risco de toxicidade hepática, como se denominam danos no fígado causados por substâncias químicas. A questão passa mais pela necessidade de uso do remédio. E isso não tem a ver com quantidade de doses, tempo de uso ou predisposições de saúde. São reações que não podem ser controladas.
 
 
 
 

DOSES ELEVADAS 


O veterinário Marcelo Beltrão Molento, professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR), estuda a ivermectina há 25 anos. Para o uso recomendado na bula, para tratamento de parasitas, ele conta que se trata de uma droga extremamente segura para seres humanos.

"Como medicamento antiparasitário é recomendado", diz. O problema é a aplicação em situações para as quais não está prevista a eficácia terapêutica. É recorrente o risco de surgir intoxicação quando em doses elevadas, como o que vem acontecendo no caso do coronavírus.

Em situações mais severas, segundo o veterinário, mesmo a morte. "Tenho reservas quanto a médicos que prescrevem a ivermectina. Não têm conhecimento sobre o mecanismo e a ação real da ivermectina como antiviral", diz o veterinário. A droga sempre foi recomendada, por exemplo, para tratamento de parasitas em animais, de uso veterinário.

Outra questão é que, em animais, em alguns casos o uso constante acarreta uma resistência desses parasitas ao remédio. Em analogia, se ministrado em humanos, uma possibilidade seria, do mesmo modo, o desenvolvimento de vírus ainda mais resistentes, ou até implicar mutações do vírus, como forma de "fazer frente" ao fármaco.

Sobre pacientes com COVID-19 que relatam melhoras com a ivermectina, Marcelo também tem ressalvas. "Em muitos casos, a doença se manifesta de forma leve. São pessoas que naturalmente iriam se curar, mas, usando ocasionalmente a ivermectina, acabam atribuindo a melhora ao remédio", pondera.

RESPONSABILIDADE 


A professora, pedagoga e historiadora Jilnete Silva Santos, de 50 anos, teve suspeita de COVID-19 em abril do ano passado. Apresentou sintomas importantes, como febre alta, perda de olfato e do paladar, dor intestinal, dor abdominal, dor de cabeça, diarreia, náusea. Conta que a saúde ficou bem comprometida. Procurou um hospital e, mesmo que a doença ainda fosse uma suspeita, logo foi transferida para a ala de COVID. Hoje, já entende que teve mesmo a infecção.

À época, lembra que a médica que a atendeu no hospital receitou ivermectina, cloroquina e azitromicina. "Me recusei a tomar, dizendo que não havia comprovação científica sobre os benefícios dos remédios. A médica logo disse que, então, a responsabilidade para o que pudesse acontecer seria minha, e falou que eu estava desafiando sua autoridade", lembra.

Acabou melhorando sem usar o kit Covid, mas algumas dores persistiram. Depois de três meses, voltou a ter manifestações da doença, procurou um clínico geral, que prescreveu azitromicina e, desta vez, Jilnete tomou o remédio. Ela continua com dor abdominal, dor intestinal, dor na perna, no braço e no pescoço, e a saturação caiu. "Estou investigando para ver o que está acontecendo. Um médico já me disse que pode ser sequela da COVID", diz.

O irmão de Jilnete, o autônomo José Silva Santos, de 58, também teve sérias complicações com a COVID-19. Teve o diagnóstico no início de março, apresentou febre alta, tosse e falta de ar em um primeiro momento. José já vinha tomando ivermectina por conta própria – a cada 30 dias, dois comprimidos. Quando chegou ao hospital, primeiro em um centro de saúde pública, a médica que o atendeu disse que não era nada, mas, diante de sua piora, a família recorreu a uma consulta particular com um pneumologista.

José chegou a ter 81% do pulmão comprometido e, entre alguns medicamentos, recebeu injeções de anticoagulante, cada uma com o valor de R$ 4 mil, como medida para evitar trombose. Ele ficou sete dias internado, com uma condição de saúde complicada. Teve também dor no fígado e dor nos rins, e a família associa essas manifestações à ivermectina, que vinha de uso contínuo. Agora, José está praticamente recuperado, continua com indicação de repouso, fisioterapia, mas a falta de ar continua.


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