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O nascimento de Duda: jovem trans narra sua luta pelo direito de existir

Em um mundo cheio de preconceitos, os pais da garota de 13 anos são minoria entre famílias de jovens transexuais. Especialista ressalta a importância do suporte a essas crianças e adolescentes


postado em 08/03/2020 04:00 / atualizado em 08/03/2020 11:40

Maria Eduarda com uma foto da época em que ainda era chamada de João Victor(foto: Carlos Vieira/CB/DA Press)
Maria Eduarda com uma foto da época em que ainda era chamada de João Victor (foto: Carlos Vieira/CB/DA Press)
Na época em que Maria Eduarda Maia Gomes Pereira, de 13 anos, a Duda, que nasceu João Victor, percebeu que era trans, a família buscou o Amtigos, em São Paulo, e entrou em uma longa fila de espera. Desde então, as roupas de Duda mudaram, ela deixou o cabelo crescer e escolheu o novo nome, no qual já pensava desde os 8. “Perguntei para a minha mãe qual seria meu nome se eu tivesse nascido menina, e gostei muito de Maria Eduarda. Ali, decidi que queria que esse fosse meu nome”, lembra.

Entre os 11 e os 12 anos, começaram as mudanças na escola – como o nome social na chamada e o uso do banheiro feminino. A família lembra que enfrentou algumas dificuldades com uma das funcionárias, mas, ao entrar em contato com os responsáveis pela escola, tudo foi resolvido, os direitos de Maria Eduarda respeitados. Apesar de usar o nome social, a família ainda não iniciou o processo de retificação dos documentos.

Aos 12 anos, com acompanhamento de uma equipe multidisciplinar, Duda começou o bloqueio hormonal para impedir o avanço da puberdade masculina. Ela toma injeções com os bloqueadores uma vez por mês e realiza uma bateria de exames a cada 90 dias, além de fazer acompanhamento psicológico e psiquiátrico.

O plano de Duda é iniciar a hormonização aos 16, por meio do projeto de pesquisa do Amtigos, coordenado por Alexandre Saadeh. “Está dando certo, vai chegar o grande dia, que vai ser depois da cirurgia de ressignificação sexual”, conta Duda. A mãe, a professora Patrícia Maia Gomes Pereira, de 50, completa que, até chegar lá, ela tomará a decisão com mais maturidade – no Brasil, a cirurgia só é feita após os 18 anos.

Duda afirma que, tirando algumas ondas de calor e oscilações de humor que teve no início do tratamento de bloqueio hormonal, sente-se calma e estabilizada. “Eu me olho no espelho e já estou feliz, finalmente me sinto satisfeita com a minha aparência e me vejo no reflexo”, revela a adolescente.


Luta contra o preconceito

Patrícia conta que a maioria da família apoiou, e o marido nem sequer dá espaço para os que discordam se manifestarem. “Ele apresenta a Duda como filha dele. E acabou. Quando alguém pergunta se não era um menino, ele diz que nós achávamos que sim, mas, na verdade, era uma menina, a Duda. E acaba aí.”

Apesar da rede de apoio, Patrícia revela ter medo dos perigos aos quais a filha está sujeita e se sente mais segura ao saber que, com a transição desde cedo, ela terá aparência totalmente feminina e ficará menos exposta. “Quem é pai e mãe sabe o que sinto quando pergunto: até onde você vai pela felicidade dos seus filhos?”

Em um mundo cheio de preconceitos, os pais de Duda são minoria entre famílias de jovens transexuais. Médico de família e comunidade no Adolescentro de Brasília, Luiz Fernando Marques, um dos fundadores do Ambulatório Trans no Hospital Dia, ressalta a importância do suporte familiar a essas crianças e jovens. “Os pais e mães são o exemplo dos filhos, são os heróis. Queremos ser amados e aceitos pelos nossos heróis, e é um grande reforço quando os pais estão junto nesse processo de aceitação, que não é fácil.”

No Adolescentro, além de atendimentos individuais e em grupo, a equipe multidisciplinar faz mediações de conflito e conversa com as famílias e os jovens. “Aceitamos a dificuldade deles e fazemos um trabalho para que compreendam melhor seus filhos.” O médico explica o quanto o suporte é benéfico aos jovens, que, muitas vezes, enfrentam sofrimentos intensos e problemas de saúde mental devido à não aceitação, à ignorância e à violência que existem na sociedade.

Luiz alerta que o número de jovens e crianças trans que lutam contra depressão, ansiedade e pensamento em atos suicidas é muito alto, mas ressalta a importância de não relacionar as patologias à transgeneridade. “Isso não está relacionado ao fato de serem trans, mas, sim, por saberem que vão sofrer violências, preconceitos e ter grandes barreiras sociais por ser quem são. Muitas vezes, eles não se aceitam porque acham que não serão aceitos.” 
 

Saúde sexual

Em 2018, após 28 anos da última revisão, a OMS retificou a Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde (CID), deixando de considerar a transexualidade como um transtorno mental. Agora, a condição é especificada em uma seção nova, que trata de condições relacionadas à saúde sexual.
 

Jovens famosos

(foto: Reprodução Instagram)
(foto: Reprodução Instagram)


As pessoas trans têm buscado ocupar seu lugar de direito na sociedade e isso inclui a visibilidade e a representatividade. No caso das crianças e dos jovens, reconhecer-se em outro é extremamente importante para a reafirmação e a aceitação da própria identidade, como explicam os especialistas.

Ativismo

Jazz Jennings é a estrela do reality show A vida de Jazz, transmitido pelo canal TLC. A jovem norte-americana se identificou e foi diagnosticada com incongruência de gênero (na época chamado de transtorno de identidade de gênero infantil) aos 4 anos, em 2000. Ela foi uma das primeiras pessoas do mundo a ser registrada como trans no início da infância. No programa, é possível acompanhar todo o seu processo de transição, desde o bloqueio hormonal, no início da adolescência, até a hormonização e, por fim, a cirurgia. Todo o processo é documentado pelas câmeras e oferece um olhar real da vida de uma pessoa trans que convive com a aceitação da família. A jovem transgênero é escritora, ativista dos direitos LGBTQ e youtuber, além de ter fundado a Purple Rainbow Tails, instituição que faz e vende caudas de sereia de borracha e reverte os lucros para ajudar crianças trans. 
 

Super-heroína

Rebekah Bruesehoff, assim como Jazz, é uma jovem ativista trans. Aos 12 anos, tem aparições em diversas publicações ao redor do mundo, como Huffington Post, Teen Vogue, The Advocate Magazine, LGBTQ Nation, British Vogue, entre outras, além de fazer participações em programas de televisão nos Estados Unidos. Ela já recebeu prêmios pelo seu ativismo e é um fenômeno nas redes sociais. Sua última conquista foi se tornar parte de um projeto da Marvel, chamado Marvel’s Hero Project, na qual ela será uma super-heroína trans.


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