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Estado de Minas DIA INTERNACIONAL DA MULHER

'Meninas, venham ser cientistas', diz médica brasileira que sequenciou o genoma do coronavírus

A pesquisadora Ester Sabino encoraja mulheres a fazer ciência e critica a banalização do feminicídio


postado em 08/03/2020 04:00 / atualizado em 08/03/2020 07:41

Oito mulheres fazem parte da equipe da doutora Ester Sabino, que preside o Instituto de Medicina Tropical da USP(foto: Marcos Santos/USP Imagens/Divulgação)
Oito mulheres fazem parte da equipe da doutora Ester Sabino, que preside o Instituto de Medicina Tropical da USP (foto: Marcos Santos/USP Imagens/Divulgação)

No mês dedicado às mulheres, pesquisadoras do Instituto de Medicina Tropical da USP ganharam visibilidade nacional ao realizar um feito no campo da ciência fundamental para barrar o avanço do coronavírus, o Covid-19, o maior desafio da saúde mundial no momento. Coordenada pela médica Ester Sabino e formada majoritariamente por mulheres, a equipe conseguiu sequenciar o genoma do coronavírus apenas 48 horas depois da detecção do primeiro caso da doença no Brasil.

De imediato, currículos e fotos da doutora Ester, de 60 anos, e da pesquisadora Jaqueline Goes de Jesus, de 30, viralizaram nas redes sociais. O compartilhamento se deu pelo ineditismo do feito, por ter mulheres à frente e por ter sido uma realização da universidade pública, que, no último ano, foi duramente atacada pelo ministro da Educação, Abraham Weintraub. Surpreendida com o sucesso repentino, Ester Sabino pensa que o reconhecimento da equipe de cientistas tem um papel importante: encorajar as mulheres a entrar no universo das ciências. “Meninas, venham ser cientistas”, diz.

Se no campo das ciências exatas a maioria dos pesquisadores é do sexo masculino, na área de biológicas as mulheres conquistam cada vez mais terreno. “Na medicina, é meio a meio. Nas áreas biomédicas temos mais mulheres. Temos mais mulheres na graduação, o que acaba levando à pós-graduação e à pesquisa. Uma busca maior de mulheres na graduação influencia a pós”, avalia. Ao todo, são oito mulheres na equipe da doutora Ester, que preside o Instituto de Medicina Tropical da USP.

Multidisciplinar, o grupo conta com pesquisadores das áreas de biomedicina e engenharias, entre outros campos do conhecimento. “São pensamentos diferentes para lidar com uma mesma questão. É sempre difícil trabalhar com pessoas, ouvir o outro, respeitando as pessoas nas suas diferenças. E temos que manter o grupo no foco.”



Formada em medicina e especialista em pediatria, quando tinha 28 anos Ester iniciou a carreira como cientista. Três décadas depois, mesmo ocupando uma posição de destaque na mais importante universidade do país, ela reconhece que é um desafio ser uma cientista mulher. “Os obstáculos para as mulheres não são poucos. Muitas vezes, são invisíveis, velados”, afirma.

Ela exemplifica com uma frase que ouviu depois de alguma descoberta: “‘Foi mesmo no seu laboratório que foi desenvolvido isso?’ Fico imaginando por que não poderia ser feito”, argumenta.

Para ela, essa pergunta revela algo que não está no plano da cons- ciência. “A pessoa nem pensou que pudesse ter outro significado e brigar por pequenas palavras não é o caso.” Ela acredita que, no meio acadêmico, o machismo se apresenta de forma sutil. “Podem dizer: ‘Só apareceram porque são mulheres’. Mas é aquela história do copo cheio e copo vazio. Prefiro pensar: meninas, façam ciência.”

Busca pelo detalhe

A pesquisadora acredita que o fato de terem realizado o sequenciamento tão rápido tem relação com o jeito de as mulheres organizarem as coisas. “Parece que foi rápido, mas há um lado longo da ciência. Tem uma coisa feminina de buscar o detalhe, ver tudo que está faltando. Algo como pegar a criança na escola, fazer supermercado, pensar cada detalhe para dar conta de tudo”, diz.

O sequenciamento foi feito quando a equipe da doutora Ester estava no Instituto Adolfo Lutz realizando o sequenciamento do vírus da dengue. “Estamos com uma epidemia de dengue e o coronavírus nos atropelou.” Elas usaram a mesma tecnologia para sequenciar o Covid-19.

"É absurdo o número de feminicídios no Brasil. Entristece-me a banalização do que está acontecendo. Tem que mudar. Não tem como não ser feminista com esses números no Brasil"

Ester Sabino, presidente do Instituto de Medicina Tropical da USP



Com os filhos adultos, Ester pode agora se dedicar de forma integral à pesquisa, mas nem sempre foi assim. “Meu mais novo já tem 25 anos. Já não estou nessa vibe de tripla jornada. Voltei a focar no trabalho. Todo cientista tem que ter os dois lados: ter a família perto e é importante saber o que está acontecendo no mundo.” A rotina é mais tranquila, o que a permite inclusive fazer exercícios físicos para envelhecer de forma melhor.

O coronavírus não estava entre os objetos das pesquisas de Ester, que se dedicava a pesquisar a anemia falciforme, em parceria como quatro hemocentros no Brasil, inclusive o Hemominas, e a doença de Chagas, com pesquisa feita em conjunto com a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e a Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes).

Ester Sabino se considera feminista e, no Dia Internacional da Mulher, considera inaceitável o número de feminicídios no Brasil. “É absurdo o número de feminicídios no Brasil. Entristece-me a banalização do que está acontecendo. Tem que mudar. Não tem como não ser feminista com esses números no Brasil”, argumenta. A fama repentina não muda os propósitos de Ester, que é seguir realizando pesquisas e formando os estudantes.


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