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Estado de Minas

Mão de obra do bem: trabalho voluntário também é benéfico para quem o pratica

Empatia, amor ao próximo, troca de afetos. O trabalho voluntário é fundamental para ajudar pessoas e comunidades em situações críticas, e a transformar vidas


26/01/2020 06:00 - atualizado 26/01/2020 15:15

(foto: Tim Mashall/Unsplash)
(foto: Tim Mashall/Unsplash)
 
A tragédia de Brumadinho, que completou um ano ontem, mostrou ao mundo o despertar de um dos sentimentos humanos mais nobres, a solidariedade. A empatia mobilizou milhares de pessoas que se uniram em várias frentes, oferecendo apoio não só aos sobreviventes e parentes dos mortos e desaparecidos como também ao incansável trabalho dos profissionais de resgate (bombeiros, equipes de saúde, de logística, policiais civis e militares, entre outros).
De acordo com dados de 2018 da Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílios Contínua (Pnad), do IBGE, 7,2 milhões de pessoas no Brasil fizeram algum trabalho voluntário. A cada ano, milhares de pessoas de todo o planeta atuam como voluntários da Organização das Nações Unidas (ONU). Segundo definição da entidade, “voluntário é o jovem, adulto ou idoso que, devido ao seu interesse pessoal e seu espírito cívico, dedicam parte do seu tempo, sem remuneração, a diversas formas de atividades de bem-estar social ou outros campos”.
 
Criado em 1971 a pedido dos países-membros, o Programa de Voluntários das Nações Unidas (UNV) tem como propósito ser fonte estratégica de conhecimento e assistência sobre o papel e a contribuição do voluntariado para os programas de desenvolvimento. Desde aquele ano, mais de 30 mil pessoas participaram do programa. O UNV está localizado em Bonn (Alemanha) e atua em mais de 140 países, sendo representado no mundo através dos escritórios do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud).
 
“As pessoas que se propõem a doar parte de seu tempo ao outro têm como recompensa o sentimento de preenchimento das necessidades do próximo, sejam elas afetiva, emocional ou material. Em grande parte, esse trabalho supre a ausência de políticas públicas de acolhimento ou de supressão de necessidades básicas”, explica a socióloga e professora universitária Conceição Luciano, que já compôs equipe de apoio a famílias atingidas por barragens no Vale do Jequiti- nhonha.
 
No ano passado, o governo federal criou o Programa Nacional de Incentivo ao Voluntariado – Pátria Voluntária, coordenado pelo Ministério da Cidadania, comunicando que “a ação busca incentivar a participação dos cidadãos na promoção de práticas sustentáveis, culturais e educacionais voltadas à população brasileira mais vulnerável”.
 
Para a socióloga, trata-se de uma iniciativa que contradiz o próprio propósito da ação “enquanto corta cargos de servidores, encerra programas importantes de fomento à igualdade social e restringe e contingencia verbas nas áreas sociais. E conclama a população a ocupar o papel que cabe ao Estado”. Ao mesmo tempo, Conceição chama a atenção para a importância de várias frentes de voluntariados como única oportunidade de pessoas e comunidades terem acesso a serviços básicos ou atenção negada pelo poder público.
 
Muitas das iniciativas são anônimas e começam de forma simples, como o grupo Girassol, fundado e presidido pela fisioterapeuta Luara de Moraes Saraiva Baêta Neves, de 33 anos. Desde criança, ela acompanhava os pais na prática de distribuir presentes em creches no período natalino. “Herdei deles um conjunto de valores. Todos os anos, no Natal, eles levavam eu e meu irmão, junto com seus amigos, para visitar creches, fazendo brincadeiras e distribuindo presentes. Depois de um tempo, comecei a praticar as ações sozinha, até que em uma delas percebi que o maior presente que elas poderiam receber era amor e carinho. Os presentes são ótimos, muitas crianças não têm acesso a eles, mas através dos olhos elas suplicavam por atenção. Foi então que tive a ideia de que não daria conta de fazer isso sozinha; elas não queriam o brinquedo, queriam o brincar.”

ESPERANÇA O sentimento de contribuir para reacender no próximo a esperança de viver levou Carmen Maria Ferrari ao voluntariado no Centro de Valorização da Vida (CVV). Há 18 anos, ela dedica algumas horas de seu dia para ouvir e “conversar” com pessoas que buscam na entidade um alento para enfrentar os desafios da vida. O que antes era um contato pelo telefone, hoje alcança outros meios, como redes sociais e atendimento presencial. “Em tempos de crise econômica, ou desemprego, a fila de espera via internet para uma conversa chega a ter até 600 pessoas”, conta a voluntária, que se soma a outros 4 mil espalhados por todo o país.
 
Em iniciativa que começou em 2010 com palestras gratuitas para comunidades estudantis, o Tio Flávio Cultural reúne mais de mil voluntários em 30 áreas. O idealizador, que prefere ser chamado de Tio Flávio, explica que o movimento tem o propósito de “transformar a vida das pessoas através do afeto, conhecimento, empatia, proximidade, respeito, sensibilidade. Não somos constituídos juridicamente, não temos vínculos religiosos nem partidários. O projeto nasceu com uma única ação: palestras gratuitas abertas à comunidade estudantil e profissional, com temas atuais, às vezes acessível somente por inscrições pagas em outras instituições, mas que visava democratizar o conhecimento e melhorar a performance pessoal e profissional de quem participasse, além de promover o networking”.
 


"Ao atender a pessoa ao vivo ou pelo chat na internet, o voluntário não deve sugerir recursos religiosos e ter ciência de que sua função é apenas ouvir" Carmen Ferrari, que atua no CVV como voluntária há 18 anos (foto: Túlio Santos/EM/D.A Press)

Apoio emocional

O número crescente de pessoas que atentam contra a própria vida chamou a atenção da Organização Mundial de Saúde (OMS), que acendeu o sinal de alerta para que a prática fosse considerada uma questão de saúde pública. Em 2015, o Ministério da Saúde, atendendo ao chamado do órgão internacional, criou o movimento Setembro Amarelo, mês mundial de prevenção ao suicídio, visando sensibilizar e conscientizar a população sobre essa questão. De acordo com o próprio ministério, o suicídio mata pelo menos um brasileiro a cada 45 minutos, mais do que a Aids e muitos tipos de câncer, porém pode ser prevenido em nove de cada 10 casos.

Os conflitos inerentes ao ser humano, internos ou externos, de solidão, rejeição, abandono, frustração, não aceitação da orientação sexual constituem pesos que podem arrastar o indivíduo à depressão e levar ao suicídio. Com o propósito de acolher e oferecer apoio emocional e prevenir a efetiva tentativa de se tirar a própria vida, chegou ao Brasil, há 60 anos, o Centro de Valorização da Vida (CVV), formado por pessoas que se alternam voluntariamente em aconselhamentos. Esse grupo, que hoje ultrapassa os 4 mil voluntários em todo o país, realizou 3 milhões de atendimentos em 2018.
“No início, o atendimento era pessoal, por carta ou telefone, a máxima tecnologia na época”, comenta Carlos Correia, voluntário e porta-voz do CVV. “Hoje, além desses modelos, nosso serviço é acessível por chat e e-mail, além de aperfeiçoarmos o telefone, possibilitando que o voluntário esteja em qualquer município do Brasil, ou até em outro país.”
 
Carlos explica que há várias maneiras de se tornar voluntário, “uma vez que não é necessário ter uma formação específica. Há diferentes maneiras de atuação, inclusive sem sair de casa, e o voluntário pode determinar o melhor horário e dia da semana para seu plantão”.

Sem preconceito É preciso ter idade mínima de 18 anos, tempo para os plantões semanais e vontade de acolher pessoas desconhecidas sem julgamentos ou preconceitos. O interessado pode se candidatar diretamente no site do CVV e participar dos cursos de seleção e preparação. “Não somos super-heróis ou diferentes de ninguém, somos pessoas que, por diferentes motivações, resolvemos utilizar parte de nosso tempo a serviço de pessoas que precisam conversar”, explica. “E muitos de nós fazemos esses atendimentos há mais de 20 ou 30 anos, ou seja, é recompensador.”
 
Ao voluntário não compete mensurar nem julgar quão verdadeira é a dor do outro. Não importa o fator desencadeante do problema, importa o sentimento. Aquilo que a pessoa não tem coragem de falar para o terapeuta, mãe, pai, amigo ou marido estará protegido pelo anonimato. “Ao atender a pessoa ao vivo ou pelo chat na internet, o voluntário não deve sugerir recursos religiosos e ter ciência de que sua função é apenas ouvir”, explica Carmen Ferrari, que atua no movimento há 18 anos.
 
O CVV presta serviço voluntário e gratuito de prevenção do suicídio e apoio emocional para pessoas que querem e precisam conversar, sob total sigilo. Os atendimentos são feitos em mais de 120 postos pelo telefone 188 (sem custo de ligação), ou pelo site www.cvv.org.br via chat, e-mail ou carta.



Ação Solidária na Casa Bola de Gude, pelo grupo Tio Flávio Cultural, promove atividades com crianças(foto: Jair Amaral/EM/D.A Press)
Ação Solidária na Casa Bola de Gude, pelo grupo Tio Flávio Cultural, promove atividades com crianças (foto: Jair Amaral/EM/D.A Press)

Solidariedade rompe fronteiras

Em 2010, o professor universitário, hoje com 46 anos, Flávio (pede para não citar sobrenome) criou o Tio Flávio Cultural, um movimento de voluntariado que a princípio ministrava palestras gratuitas às comunidades estudantis e profissionais que não tinham condições financeiras. “Uma iniciativa com objetivo de democratizar o conhecimento e melhorar a performance pessoal e profissional de quem participasse, além de promover o networking”, explica Tio Flávio.
 
“Depois, foram surgindo outras demandas, até que chegamos no atual contexto com atuação em mais de 70 grupos, 30 áreas diferentes e mais de 1.000 voluntários”, destaca.
 
No Tio Flávio Cultural não há doação ou recebimento de recursos financeiros e a metodologia requer apenas tempo e talento das pessoas. Além do atendimento a diferentes áreas, há uma modalidade de ação pontual, quando se trata de uma palestra numa instituição específica.
 
Cada grupo tem dois a três gestores voluntários que planejam as ações e coordenam o grupo de maneira ordenada no WhatsApp, cada qual com a sua finalidade definida, nas instituições parceiras que os recebem.
 
Não são aceitos voluntários eventuais. “Quando alguém pede para entrar em algum grupo, ele conhece todas as áreas que atuamos e é perguntado se o voluntariado já cabe em seu dia a dia, pois a criação de vínculos com os assistidos é de fundamental importância para a proximidade e a confiança.”
 
As atividades são contínuas. Vão desde palestras em escolas públicas, a visitas com bingo e maquiagem em hemodiálises, oficinas de artesanato em abrigos públicos nos municípios, projetos de estímulo à leitura e brincadeiras em casas de acolhimento, orientação pessoal, profissional e educação financeira para jovens, oficinas de esportes, gastronomia e música, entre outros.
 
Para fazer parte do grupo de voluntários não é necessário ter um conhecimento específico. A pessoa faz contato pelo Instagram ou Fanpage (tioflaviocultural) e recebe uma mensagem com um link de todos os projetos e diretrizes. “Depois alinhamos localização geográfica e disponibilidade de agenda do vo- luntário.” São 112 gestores voluntários e cerca de mil voluntários fixos distribuídos nos mais de 70 projetos


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