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Estado de Minas COLUNA

Orai, mães

Enquanto houver uma mãe de joelhos e de mãos postas, os filhos estarão de pé. Joelhos dobrados pela fé, mãos postas de esperança


17/01/2021 04:00 - atualizado 26/02/2021 11:27




Assentado ao pé da secular oliveira situada sobre uma colina que domina toda a cidade de Tagaste, no Norte da África, como de costume, ali estava mais uma vez Agostinho horas a meditar, desde o amanhecer até o entardecer. Quando uma suave brisa balança as folhas e uma doce – e conhecida – voz se faz ouvir:

– Agostinho, filho querido, tu te santificaste?

– Mãe amada! Estou tentando. Desde que partiste, venho humildemente procurando os caminhos do Pai.

– Largaste mesmo a boemia, a devassidão, a vida desordenada. Rezei tanto por ti. E aqui continuo a orar sem cessar. Filho do meu coração.

– Mãezinha. Que visita encantadora! Estás mais linda ainda. Não imagina como parte meu coração saber que te causei tantas lágrimas, tanto sofrimento. Nunca pude te agradecer pelos anos que oraste por mim, três vezes por dia no sacrário, pedindo que eu me tornasse cristão. Tu aceitas meu tardio agradecimento?

– Mais 19 anos eu ficaria de joelhos diante do Senhor se preciso fosse. Que mãe poderia receber graça maior do que ver o filho ordenado e agora bispo?

– Conviveste tão pouco com o filho cristão! Após aquela cansativa viagem, cortou-me o coração tua morte em Óstia. Não voltaste comigo para a nossa África. Fechei-te os olhos e uma tristeza imensa se desfazia em torrentes de lágrimas, tu, que tantos anos chorara para que eu vivesse aos olhos do Senhor. Agora sarado já o meu coração desta ferida, derramo diante do meu Deus por ti uma outra espécie de lágrimas. Sempre peço a todos que se lembrem de ti junto ao altar.

– Continua tua missão, filho. Estás no caminho certo. Deus está contigo.

Mas foi tudo um sonho, Agostinho acordou. O sol já tinha ido, deixando apenas o calor. A cidade de Tagaste lá na frente se preparava para as primeiras estrelas. Estava na hora do bispo de Hipona voltar às atividades. Estar com seus patrícios e os escravos, os pobres e ricos, pessoas com baixa escolaridade e os muito cultos, os hereges, indiferentes e bons cristãos, desamparados e afortunados, toda aquela gente encantada com a clareza e a simplicidade com que ele anunciava a palavra divina.

E, no entanto, santa Mônica só pedira a Deus um “filho cristão”. Podia parecer um pedido simples, mas era um grande pedido. O primogênito de Patrício, pequeno proprietário de terras pagão, e de Mônica, devota cristã, ao se tornar adolescente era dado a paixões e atitudes pecaminosas, envolveu-se com heresia e teve um filho fora do casamento ao mesmo tempo em que sua brilhante inteligência aflorava e ele ganhava torneios de poesia.

Era “um caso perdido”, como se diz hoje. Mas Mônica via luz nas trevas. E perseverou, e não desistiu, e orou, dia e noite, três vezes por dia indo ao Sacrário pedir ao Deus vivo piedade, misericórdia, “um filho cristão”. Faz tanto tempo! Mônica viveu nos anos 300, mas coração de mãe não tem idade, nem tempo, nem país. Coração de mãe é coração de mãe – ninguém tem igual.

Piedosa e devota, Mônica enfrentou um marido violento e mulherengo e um adolescente rebelde. Converteu os dois, na graça e permanência da oração. Para convencer o filho, tinha atitudes pequenas, como se recusar a tomar as refeições com ele para mostrar seu desgosto, e grandes atitudes, como orar sem cessar e procurar autoridades religiosas com melhores argumentos que os dela. Tanto que ouviu de um bispo que “ele ainda é demasiadamente indócil e demasiadamente imbuído desta heresia que lhe é nova” para ajudá-la a ter paciência. De outro, “continue a rezar, pois é impossível que se perca um filho de tantas lágrimas”, para exortá-la a persistir na oração.

E Deus foi abrindo os caminhos para enxugar as lágrimas de Mônica, colocando na vida de Agostinho o santo bispo Ambrósio, em Milão, que o encantou primeiro pelo conteúdo literário de sua pregação, e, depois, pela doutrina dos sermões, convertendo-se aos 33 anos. Agostinho realmente dera um basta à vida antiga. A mãe viaja então para Milão para viver esses momentos com o filho. Finalmente, são uma boa companhia um para o outro.

No domingo de Páscoa de 387, Santo Agostinho é batizado e planeja servir a Deus em Tagaste. Volta para a pátria com a mãe, o filho, o irmão e um amigo e fazem uma parada em Óstia, perto de Roma. É ali que Agostinho e Mônica têm talvez o encontro mais significativo de suas vidas. Apartados da multidão, após o cansaço de uma longa viagem, mãe e filho se apoiam a uma janela, cuja vista dá para o jardim da casa onde estão morando. Esquecem o passado e se tratam com docilidade.

Mãe e filho comungando a mesma fé, sonhando os mesmos sonhos. Falam de santos “que nunca viram”, bebem “na fonte da vida”, divagam até “o céu, donde o sol, a lua e as estrelas iluminam a terra”. Admiram as obras do Pai. “Imaginam”, “supõem”, “dizem” coisas que lhes habitam a alma. Um encontro de ambos com Deus.

Dentro de cinco dias, ou mais um pouco, Mônica se recolhe ao leito, com febre alta. Morre no nono dia da enfermidade, aos 56 anos, e no trigésimo terceiro de Agostinho, no mesmo ano de seu batismo, 387. No brilhante livro Confissões, Santo Agostinho encerra o capítulo sobre a mãe pedindo a todos que se lembrem “com piedoso afeto, dos que foram meus pais nesta vida transitória e meus irmãos em Vós, nosso Pai, e na Igreja Católica, nossa mãe, e meus concidadãos na eterna Jerusalém”.

Santa Mônica viveu quase toda a sua vida orando pelo filho. No livro, é o filho quem ora pela mãe, que conseguiu muito mais do que apenas um “cristão”, mas um filósofo, teólogo, místico, poeta, orador, escritor, pastor, bispo, doutor, pensador que falava para todos os corações. Um dos maiores e mais admirados santos da Igreja.

A história de Santa Mônica e Santo Agostinho comove o mundo há anos. As lágrimas, as orações, e os joelhos dobrados da mãe. A adolescência turbulenta, a devassidão, a conversão, a fé e a santidade do filho. Se pedirmos para Santa Mônica um grão de mostarda da dispensa de sua casa, já poderemos iniciar um novo ciclo. Se aprendermos com Santo Agostinho que “todo dia é dia de salvação” já estaremos traçando um novo destino.

Todo dia é dia de orar pelos filhos. Sempre há um senão, uma dificuldade, uma curva, um desvio. A vida é assim. Os sonhos dos filhos não são os que a mãe sonhou enquanto comprava roupinhas e o berço do enxoval. Os filhos têm os próprios sonhos, nem sempre bons sonhos. Nos dias de pesadelo, orai. Nas noites de tormenta, orai. Nas manhãs cheias de sol, orai. No vício ou na bebida, na saúde ou na doença, na formatura ou na cirurgia, no casamento ou na solidão, no desemprego e na aflição, na conquista e na vitória, orai.

Orai, mães que oram. Enquanto houver uma mãe de joelhos e de mãos postas, os filhos estarão de pé. Joelhos dobrados pela fé, mãos postas de espe- rança. Orai, mães. Um dia vossos filhos rezarão por vós.

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