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Estado de Minas ELEONORA CRUZ

Oppenheimer, Tchernóbil, Safatle e nossos custos sociais

A liberdade está na expansão, não no medo. Mas é do medo que partem, cada vez mais, as relações sociais, os domínios e até mesmo os afetos


01/08/2023 09:05 - atualizado 01/08/2023 10:26
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'Oppenheimer', filme de Christopher Nolan
"Oppenheimer", filme de Christopher Nolan, estreou em julho nos cinemas (foto: Divulgação)
O filme Oppenheimer toca naquilo que eu chamaria da ausência do humano entre nós, da discussão ética, da reflexão transcendental, da percepção da natureza como sujeito, da integralidade ou não da vida  humana com esse cosmos ainda indecifrável. Em intervalo de uma semana, assisti a "Oppenheimer" e à palestra "Mutações", de Vladimir Safatle, na Biblioteca Pública Estadual de Minas Gerais. Entre o filme e a palestra, ganhei fôlego lendo o "A Nova Economia da Amazônia" (NEA), pois a vida magicamente nos recobre de esperança.

Embora a liderança de Oppenheimer tenha proporcionado o desenvolvimento da primeira bomba atômica (de urânio), sua atribuição mais adequada deve-se a Einstein que, ao enviar carta ao Presidente norte-americano Franklin Roosevelt, provocou a origem do projeto (Manhattan) que desenvolveu sua fabricação. Conhecido como pacifista, Einstein não se envolveu no projeto, mas cometeu o que, na psicanálise, chamamos de "ato falho" ao enviar a carta ao presidente.

A bomba atômica de urânio foi lançada em Hiroshima e ainda tinha nome: "Little boy". Não satisfeitos, os Estados Unidos, três dias depois, lançam a bomba nuclear de plutônio, denominada "Fat man", na cidade de Nagasaki. Da carta de Einstein aos nomes das bombas, uma sucessão de atos simbólicos remetem à distopia humana. Afinal, requintes de crueldade humana aparecem na fala, seja ela escrita ou dita, ou nos nossos "escapes", muito embora, como dito por Safatle, "nos falta uma língua para falarmos de um mundo que queremos".

Mas Svetlana Aleksiévitch sabe bem dessa ausência de espaço para a linguagem e tem por dom e objetivo extrair a fala sobre o mundo que vemos e desejamos. Seus livros são, via de regra, jornalismo literário da alma. Em "Vozes de Tchernóbil", há relatos de homens recrutados para trabalharem na usina, de famílias obrigadas a abandonarem, às pressas, casas, lavouras, formas diversas de sustento, pertences etc. para reviverem situação de guerra quarenta anos após a Segunda Guerra Mundial.

Pior ainda, "Vozes de Tchernóbil" contém número expressivo de relatos de soldados recém-retornados do Afeganistão e submetidos a trabalhos na remoção radioativa da usina. Saíram de uma guerra para assinar suas sentenças de morte em seu país natal. Como dito por Safatle, "a guerra é um campo de aperfeiçoamento técnico", e a bomba atômica é arma de amedrontamento e expropriação, verdadeira aberração da necessidade de onipotência humana sobre o domínio da natureza e da vida.

Cada vez mais, a integralização da natureza ao horizonte do que reconhecemos como sujeito faz-se necessária para que a vida deixe de ser tratada como um sistema de coisas. Safatle, ainda em "Mutações", nos diz que o bioma natural, tratado como entrave ao progresso, precisa ser visto como parte integrante e
determinante da vida em expansão.

A liberdade está na expansão, não no medo. Mas é do medo que partem, cada vez mais, as relações sociais, os domínios e até mesmo os afetos. "Vozes de Tchernóbil" perguntam "onde está o meu país?". Aquelas vítimas querem se reconhecer, terem suas identidades, em seu tempo e espaço, integradas com o ecossistema. Muito se fala da natureza pelas vozes das vítimas de Tchernóbil, da pátria como noção de acolhimento e proteção, de identidade e expansão.

Mas, em tempos de alienação e filmes de Barbie emancipada, ainda nos resta muito simbolismo arcaico para nos iludirmos e acreditarmos que as sociedades podem avançar, que os ecossistemas podem se recompor e que a natureza será também sujeito do misterioso macrocosmos.

"Oppenheimer" é, na minha opinião, o filme da vez! Não à toa, em um mundo tão alienado, em que a fuga da vida real é o caminho mais rápido e perfeito, Barbie é lançado na mesma época e bate recordes de bilheteria. Muito mais do que atos falhos movidos de violência, o mundo tem se recusado a ver novos caminhos e novas possibilidades.

No entanto, nossos escapes também sinalizam que sempre há pulsão de vida. Leitura técnica difícil e quase que exclusivamente para economistas, o relatório recém-lançado do "World Resources Institute" (WIR Brasil), intitulado "A Nova Economia da Amazônia", mostra caminhos alternativos para geração de uma economia de baixo carbono e que deve impulsionar a região da Amazônia e sua cadeia produtiva nacional e internacional.

"A Nova Economia da Amazônia" (NEA) combina diferentes técnicas e pesquisadores e traz luz ao crescimento sustentável. Indica necessidade adicional, em relação à atual, de se investir R$ 2,56 trilhões, até 2050, para se alcançar uma economia realmente sustentável e alto impacto na cadeia produtiva para além da área da Amazônia. Desse total, R$ 659 bilhões devem ser empregados no uso estratégico do solo, R$ 410 bilhões nas mudanças na matriz energética e outros R$ 1,49 trilhão em infraestruturas induzidas.

As cifras parecem, à primeira vista, altas. Quando comparadas aos desastres que as sociedades terão que custear para sobreviverem em um planeta em extinção, tornam-se baratas. Caro mesmo é nos sustentarmos no medo, em meio à propagação de "little boys e fat men" e embalados ao som de trilhas de "Barbie girls".

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