(none) || (none)
Publicidade

Estado de Minas ECONOMÊS EM BOM PORTUGUÊS

Do medo à expropriação social: realidade da maioria dos jovens brasileiros

Nada tendo sido feito, o medo ainda reside no eixo central e a política segue na desfaçatez da recuperação da democracia, da alegria e do diálogo


18/07/2023 06:00 - atualizado 18/07/2023 07:14
1143

Jovens com mochila a caminho de uma escola
Em 2021, segundo dados do Inep, 88% dos jovens matriculados no ensino médio estavam em escolas públicas (foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)
É do líder tibetano e Prêmio Nobel da Paz, Dalai-Lama Tenzin Gyatso, a seguinte reflexão: "Devemos ter alguma forma de política. Política é uma forma de resolver conflitos. A política que vem de uma motivação sincera é construtiva". O filósofo e professor titular da Universidade de São Paulo Vladimir Safatle, em capítulo recém-publicado no livro “Junho de 2013: a rebelião fantasma”, escreveu que "nosso afeto central é o medo". Na esteira de motivações desprovidas de sinceridade e falta de conexão com questões universais, a sociedade brasileira tem construído cenário desalentador para seus jovens.
 
Medo e sincera motivação política não dialogam no século XXI, apesar de terem se mostrado estreitos após a Segunda Guerra Mundial. Faço coro à reflexão de Safatle ao escrever que "o discurso contra 'pautas identitárias', que se consolidou em 2013, é apenas uma maneira de não entender o verdadeiro problema. (...) Elas são as verdadeiras pautas "universalistas", pois nos lembram de que a naturalização de marcadores de violência contra raça, gênero, religião, orientação sexual, colonialidade impedem qualquer advento de um universalismo real".

É no ambiente explosivo de 2013 e, posteriormente, contido, cada vez mais, por meio de pautas moralistas em meio a noções "brutas" de segurança, que a maioria dos jovens brasileiros, sem escuta e sem conexão, segue no vazio da falta de políticas educacionais, laborais e sociais que os considerem sujeitos de uma construção social. 

Portanto, é imprescindível inserir o jovem brasileiro no contexto político deflagrado a partir de 2013, em meio a greves espontâneas que, em certa medida, já aludiam à precarização das relações de trabalho, à relativização da pobreza – sim, a população brasileira havia saído da miséria absoluta – e se sobrepunham à mobilização do medo. Nada tendo sido feito, o medo ainda reside no eixo central, e a política segue na desfaçatez da recuperação da democracia, da alegria e do diálogo. 
 
Pura ilusão! O medo tomou conta, a insegurança é nutrida pela queda de braço entre as forças de segurança e o Estado em ambiente democrático fragilizado, e o Brasil segue longe de ser uma "pátria educadora" – lema do segundo e interrompido mandato de Dilma Rousseff. Não por acaso, o lema do segundo mandato foi definido após os movimentos iniciados em julho de 2013, indicando que a precariedade das condições do mercado de trabalho para jovens brasileiros tinha raízes na base de sua formação educacional.

Em 2021, segundo dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), 88% dos jovens matriculados no ensino médio estavam em escolas públicas – percentual esse praticamente inalterado em toda década anterior. Para os primeiros anos de vida escolar, esses percentuais são menores: 72% das crianças estavam matriculadas na rede pública de ensino infantil, enquanto 82% e 85% nos ensinos fundamentais I e II. 

Os dados do Inep indicam também que, mesmo antes do julho de 2013, a rede pública de ensino é a grande formadora da mão de obra jovem que chega ao mercado de trabalho ou, em sua minoria, ao ensino superior – não entrarei na discussão das políticas dos primeiros mandatos do governo Lula, voltadas para a inserção dos jovens mais pobres nas universidades públicas e privadas. Portanto, continua sendo a rede pública a grande educadora do povo brasileiro. 

"Combate à evasão no Ensino Médio", estudo publicado em maio corrente pela Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan), em parceria com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), discute possíveis razões e evidências sobre a evasão no ensino médio brasileiro, além de trazer sugestões de experiências diversas acerca de aspectos e ações motivacionais e situacionais que podem manter o jovem na escola e assegurar ganhos sociais e laborais futuros. 

Destaco três pontos levantados pelo estudo que dialogam com a explosão das greves e manifestações de dez anos atrás. O primeiro diz respeito ao resultado do Suplemento de Educação, de 2019, da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Para 38% dos jovens entre 15 e 19 anos de idade que evadiram da escola, o principal motivo foi a falta de interesse em estudar; em seguida, 23% alegaram necessidade de trabalhar e 11%, gravidez. 
 
O segundo aspecto é uma estimativa do economista e coautor do estudo, Ricardo Paes de Barros, sobre o custo da evasão para a sociedade brasileira. Segundo Paes de Barros, os alunos que evadem passam 10% a menos de sua vida produtiva ocupados e ganham 25% a menos que aqueles que concluem o ensino médio. Em termos monetários, a evasão gera uma perda de R$ 220 bilhões por ano para a sociedade, o que equivale a 81% do gasto total das esferas municipal, estadual e federal com educação básica. Em suma, somos uma máquina de rasgar dinheiro e gerar custos sociais impagáveis ao não educarmos nossas crianças e jovens.

Para além das perdas socioeconômicas e toda sorte de externalidades dali decorrentes, os dados de 2019 ainda indicam que, dentre aqueles jovens situados nos estratos de renda mais elevados (os 25% mais ricos), 92,6% concluíram o ensino médio, ao passo que somente 58,8% daqueles situados nos estratos mais baixos (os 25% mais pobres) o concluíram. Adicionalmente, na perspectiva de cor/raça, a conclusão prevaleceu entre jovens brancos, com 79,1%, ante 61,4% representados pelos pretos.

Complementando o relatório Firjan-Pnud, em maio corrente, o World Economic Forum (WEF) lançou sua pesquisa bienal sobre o futuro do emprego, traçando cenário para os anos de 2023 a 2027, com base em enquetes com 803 empresas de 27 grupos de indústrias que, conjuntamente, empregam 11,3 milhões de trabalhadores em 45 economias de todas as regiões do mundo. Os resultados indicam que as maiores perdas devem se situar em funções administrativas e naquelas tradicionais de segurança, fábricas e comércio – ambientes em que a tecnologia destrói cada vez mais postos de trabalho. 

O compilado estatístico da pesquisa do WEF prevê redução líquida de 14 milhões de postos de trabalho, entre 2023 e 2027, como consequência do impulsionamento de investimentos voltados para transição ecológica das empresas, normas ambientais, sociais e de governança (famosa ESG) e pelas cadeias de abastecimento. Como os jovens brasileiros se tornarão atores nesse cenário de mudanças tecnológicas e desafios de inserção se apenas 41,4% dos que concluem o ensino fundamental têm aprendizagem adequada em português, e 24,4% em matemática? 

As perspectivas para a grande maioria dos jovens são de desalento em uma sociedade que, em julho de 2013, já dava sinais de desintegração, e, nas palavras de Safatle, configurava-se como "uma sociedade que não era capaz de assegurar nada mais que o aprofundamento de dinâmicas de espoliação e sofrimento social".

*Para comentar, faça seu login ou assine

Publicidade

(none) || (none)