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Estado de Minas CARLOS STARLING

Dia das Crianças e a vitória do amor

O antídoto para esta frenética forma de viver passa pela sensibilidade, sutileza para perceber os detalhes e degustar momentos passados e presentes


(foto: Pixabay)
(foto: Pixabay)

Certa vez participei de uma homenagem a personalidades que marcaram o ano de mil novecentos e já não me lembro quando. O certo é que um dos homenageados foi o brilhantíssimo Ziraldo. Ao receber a homenagem, ele começou com a seguinte frase:
– Pai, Mãe, olha o que eu ganhei!

Segundo ele, tudo o que conquistamos na vida, as primeiras pessoas com as quais gostaríamos de compartilhar o feito é com o pai e mãe, assim ele o fazia sempre ao receber toda e qualquer homenagem. Afinal, eles deveriam saber em primeira mão que o espermatozoide e o óvulo deles deram certo e vingou.
Chamou isto, da vitória do amor.

Esta semana, a mensagem do colega Estevão Portela comunicando o falecimento do seu pai, Dr. Portela, comoveu a todos em nosso grupo da SBI, Sociedade Brasileira de Infectologia.

A mensagem continha em cada palavra a lucidez de quem amou e foi amado ao longo de uma vida inteira, assim como a serenidade de saber se despedir e aceitar a finitude.

Nesta mesma semana, fui comunicado pela presidente do Conselho Regional de Medicina que as entidades médicas mineiras me fariam uma homenagem no Dia do Médico.

Fiquei extremamente honrado e feliz com a homenagem. Afinal, ter o trabalho reconhecido por todas as entidades médicas, no quesito Saúde Pública, durante a maior pandemia que já vivemos, é motivo de muita satisfação.

Como meu pai e minha mãe já se foram, compartilhei o fato com minha esposa e os colegas da SBI em nosso grupo de WhatsApp. Afinal, entendi como uma homenagem a todos os infectologistas pelo enfrentamento da epidemia, particularmente os colegas Estevão Urbano, Unaí Tupinambá e Jackson Machado, com os quais venho trabalhando voluntariamente no comitê de assessoramento à Prefeitura de Belo Horizonte para gestão da epidemia de COVID-19.

Como acontece sempre nestes grandes grupos, as mensagens se misturam. Enquanto uns davam os parabéns para mim, outros davam os pêsames para o Estevão e vice-versa. Teve gente que deu os pêsames e parabéns na mesma mensagem.
Na sequência, já vinha um artigo cientifico e a vida segue...

Tudo muito dinâmico e rápido como o próprio tempo das nossas vidas. Mundo liquido, como denominou Zygmunt Bauman. Segundo este brilhante sociólogo e pensador, “houveram muitas crises na história da humanidade, muitos períodos de interregno, nos quais as pessoas não sabiam o que fazer, mas elas sempre acharam um caminho.

A minha única preocupação é o tempo que levarão para achar o caminho agora. Quantas pessoas se tornarão vítimas até que a solução seja encontrada?

Houve um tempo em que conceitos eram sólidos. Ideias, ideologias, relações, blocos de pensamento moldando a realidade e a interação entre as pessoas. O século 20, com suas conquistas tecnológicas, embates políticos e guerras viu o apogeu e o declínio desse mundo sólido. A pós-modernidade trouxe com ela a fluidez do líquido, ignorando divisões e barreiras, assumindo formas, ocupando espaços diluindo certezas, crenças e práticas”.

Neste momento, estamos chegando no Brasil a 5 milhões de pessoas infectadas e 150 mil mortos pela COVID-19. A solução para esta tragédia humanitária ainda nos parece distante e ocupa todos os momentos de nossas vidas, entorpecendo nossa capacidade de viver conquistas e perdas. 

O antídoto para esta frenética forma de viver certamente passa pela sensibilidade, sutileza para perceber os detalhes e degustar momentos passados e presentes. O futuro somente acontecerá se for filho da sensibilidade e do amor.

Nessa mesma semana recebi, da sra. Maria Olivia de Ibiá, uma belíssima carta postada pelo correio, com letra impecável, português corretíssimo e remetente no verso do envelope.
A carta começava com “Prezado Carlos Ernesto”. Esse é um jeito que somente pessoas que me conhecem desde a infância me chamam. É como meus pais me chamavam.

Junto com a carta, veio também uma foto do meu pai proferindo um discurso, no dia da inauguração da rede elétrica de Ibiá. Conquista política suada, com esforço hercúleo em parceria com o seu pai, Bartolomeu Ribeiro de Paiva, então prefeito da cidade. Ambos pertencentes ao antigo PSD.

Anexo à carta, veio uma cópia do discurso proferido pelo meu pai naquele dia, guardado durante quase 70 anos, como uma relíquia de família pela sra. Maria Olívia. No texto, meu pai agradecia ao seu colega de turma e então governador do Estado Juscelino Kubistchek e o deputado Adolpho Portela, certamente um parente do pai do Estevão. Mundo pequeno este...

Lembro-me bem das visitas que meu pai fazia ao Sr. Bartolomeu. Ele morava numa casa com varanda e jardim com belas roseiras na entrada. Não me esqueço do delicioso suco de uva que a jovem Maria Olivia me servia. Exatamente com o mesmo carinho da carta que me enviou.

Amarrar as linhas do passado e liga-lo ao presente, sem perder o fio da meada, é um desafio enorme.

Ainda nessa semana, recebi da minha prima querida Heloisa Starling uma cópia do seu novo livro em parceria com a professora de antropologia da USP Lilia M. Schwarcz. Trata-se de uma obra maravilhosa, feita durante a quarentena, batizada de A bailarina da morte, a qual descreve com detalhes impressionantes, a trajetória e o impacto da Gripe Espanhola em diversos estados brasileiros.
 
Nesse livro as duas historiadoras e cientistas sociais amarram, com extrema sensibilidade, a pandemia do passado à que estamos vivendo hoje. Na conclusão citam a frase de Albert Camus: “Tudo o que o homem podia ganhar no jogo da peste e da vida era o conhecimento e a memória”.

Citam também Fernando Pessoa definindo a canção como uma espécie de “poesia ajudada”, “reflete o que a alma não tem...por isso, a canção dos povos tristes é alegre e a canção dos povos alegres é triste”.

Estas citações, levam à conclusão com um maxixe “Gripe Espanhola”, feito pelo Caninha, Oscar José de Morais, um dos precursores do samba carioca. Ele alertava que o melhor era ficar bem longe dela. “De quem?”... “Da espanhola”... Imperdível!

Mas, esta semana foi realmente fantástica e recheada de fatos históricos marcantes. Vimos o Trump dispneico subindo as escadas da Casa Branca, arrancando a máscara e caminhando para o interior do recinto para infectar mais assessores, funcionários e seus fanáticos correligionários.

Como dono do mundo, deu as costas para a ciência dizendo ter aprendido muito durante a passagem pelo hospital. Se a moda pega, o curso de medicina, num futuro breve, será feito por correspondência e a residência médica por telepatia.

Negativismo em perfeita harmonia com seu irmão siamês do planalto central. Ambos, coroados como campeões mundiais de casos e mortes por COVID-19.

Como a semana ainda não acabou, ainda veremos mais bizarrices dos fiéis escudeiros negativistas midiáticos criticando o lockdow e propondo cloroquina, exposição coletiva ao vírus de crianças e jovens. Mas, a história sempre foi implacável com genocidas....

Comprovando que o tempo é rei e contrastando com os negativistas científicos, tivemos ainda nessa semana, o anúncio do Nobel de medicina, física e química. Todos trabalhos científicos do mais alto nível e impacto na vida de todos nós.

O Nobel de medicina fez justiça à Michael Houghton, Charles M. Rice e Harvey J. Alter, virologistas que descobriram o vírus da Hepatite C, doença que até pouco tempo era intratável e para a qual temos hoje o tratamento curativo para mais de 98 % dos casos.

O Nobel de química foi para duas brilhantes cientistas, Emmanuelle Charpentier e Jennifer A. Doudna, que desenvolveram um método de edição genômica, o que certamente revolucionará nossa maneira de tratar as infecções nas próximas décadas.

Por fim, o Nobel de física, para os cientistas Andrea Ghez, Roger Penrose e Reinhard, Genzel, os quais descobriram o coração dos buracos negros, onde todas as leis da natureza são quebradas.

Mas, o que une todos esses fatos e histórias se não o magma amoroso?! A beleza da despedida do Estevão do seu pai, a delicadeza da Maria Olivia, o discurso de luz do meu pai, o espetáculo da Bailarina da Lilia e Heloisa, os laureados pelo Nobel 2020 e o gesto carinhoso e incentivador das entidades médicas para comigo e todos os infectologistas e sanitaristas.

Quanto aos negativistas, tenho fé que um dia o buraco negro os sugará para um lugar de onde nunca deveriam ter saído...

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