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Estado de Minas ANTÔNIO ROBERTO

O sentido da vida, em tempos de coronavírus

Enquanto nossa cabeça tenta explicar o mundo, de onde viemos e para onde vamos, perdemos o sol, as cores, o afeto, o gosto, o tato, os sons oferecidos ao nosso corpo


21/06/2020 04:00 - atualizado 21/06/2020 08:38


“Há algum tempo, estive em uma palestra sua sobre o sentido da vida. Você poderia me enviar um resumo dela? Estou precisando muito nesta pandemia.”

Marilene, de Betim
 
Inúmeras pessoas se queixam da falta de sentido na vida. E essa reclamação só ocorre em momentos de sofrimento, desilusão, depressão e estresse, como agora, em que vivemos dias muito perturbados com a catástrofe da COVID-19.

Nunca nos perguntamos pelo sentido da vida quando estamos felizes, usufruindo algum prazer, em estado de graça. A vida, no entanto, não tem em si mesma nenhum sentido. É nascer, viver e morrer. Essa afirmação, no entanto, não guarda nenhum pessimismo ou frustração. Ao mesmo tempo, é justamente pelo fato de a vida não ter nenhum sentido, que podemos criar um sentido para as nossas vidas: escrever os próprios sonhos, criar os nossos caminhos, construir uma existência própria.

Duas condições são base para um sentido à nossa vida. Primeiramente, não aceitar a pressão social para um sentido padronizado da vida. Cada um de nós é um indivíduo e por isso singular. Cada um tem sua particularidade, seus gostos, suas opções e a construção vital deve obedecer a essa singularidade. A sociedade tende a padronização e estabelece regras que nos farão felizes. A autonomia humana, ao contrário, estabelece que a felicidade é pessoal, intransferível e inalienável. A felicidade ou o sentido da vida é persona- lizado. Quando muito, posso apenas partilhar esse sentido com o sentido da vida de outras pessoas.

A segunda condição é saber que não adianta procurar fora de nós o rumo da existência. Não podemos pegar carona na vida de outras pessoas. Os pais, cujo sentido existencial está nos filhos, o marido ou a mulher, cuja graça de viver depende totalmente do outro, as pessoas que depositam todo o valor da vida no sucesso social, no dinheiro, no poder, no domínio e controle de outrem, estão fadados, mais cedo ou mais tarde, a um vazio e à perda do sentido da vida.

O contrato consigo mesmo, o amar a si próprio e a aceitação de si mesmo nos fazem ter sintonia com nosso coração, intuição e desejos, que determinarão o nosso rumo na vida. Como a vida só existe no momento presente, o seu sentido é também sempre agora. O contrato presentificado com nossos sentimentos, com nosso corpo é o alicerce seguro para que nossa cabeça planeje a entrada. Na mesma proporção do autoamor, deve ser considerado o amor às outras pessoas. É impossível aprender, significativamente, o amor sem o partilhamento, sem soltar as amarras do coração e deixar que nossa luz envolva quem se aproximar.

A inteireza, a totalidade, o envolvimento com o outro são sinais de rumo, de significado. Dizia o Pequeno Príncipe: “Só se vê bem com o coração”. A lógica, a racionalidade, o pensar desvinculados da emoção nos conduzem a um sentido da vida superficial, periférico, sem sustentação a longo prazo.

A vida é emocional. Nós somos aquilo que sentimos. As emoções, por outro lado, são uma bússola. Elas nos dizem se estamos no rumo errado. As emoções dolorosas, chamadas de negativas, nos convidam a uma mudança de rota. As positivas nos mostram o caminho certo. Um outro aspecto relevante do sentido da vida é sua relação com a aceitação ou não da realidade.

Certa vez, fui procurado por um jovem deprimido, de 24 anos, que apresentava a seguinte questão: “Que sentido tem a vida humana tão cheia de atribulações e sofrimentos? Para que estudar se um dia vou morrer?”.

Nós não escolhemos nascer, não escolhemos morrer. A única escolha que nos sobrou foi “como viver”. Se aceitarmos a realidade tal qual ela é, com seus altos e baixos, seus verões e seus invernos, nossa vida terá a totalidade dos opostos e sentiremos um imenso prazer no fato de estar vivos. Se, ao contrário, de maneira onipotente, queremos uma vida idealizada e perfeita, sem erros, sem perdas, sem dor, nossa existência se torna um recuo, uma fuga, um medo de viver.

O grande problema humano não é a perda, a doença e a morte, mas o medo dessas coisas. Aceitar a fragilidade humana, não resistir à realidade nos fazem participantes da melhoria do mundo e protagonistas ativos dessa brincadeira que é viver. Há coisas que estão sob nosso controle e outras que não estão.

A felicidade, o sentido dado à nossa vida, vem da nossa disponibilidade. Viver, como diz Guimarães Rosa, é muito perigoso. Um sim aos riscos, ao desconhecido, ao inesperado nos faz participantes esperançosos do mistério da rea- lidade. A vida é mistério para ser vivido, e não um enigma a ser decifrado. Enquanto nossa cabeça tenta explicar o mundo, de onde viemos e para onde vamos, perdemos o sol, as cores, o afeto, o gosto, o tato, os sons oferecidos ao nosso corpo.

A vida é, apenas, para ser saboreada.

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