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Estado de Minas ANNA MARINA

Neste Natal, volto às memórias de um tempo de muita felicidade

'Nataleiro', o jornalista Cyro Siqueira revelou, em 24 de dezembro de 1994, sua emoção ao visitar Jerusalém, berço do cristianismo


24/12/2020 04:00 - atualizado 24/12/2020 07:36

Natividade, quadro de Petrus Christus, datado do século 15(foto: National Gallery of Art/reprodução)
Natividade, quadro de Petrus Christus, datado do século 15 (foto: National Gallery of Art/reprodução)

 
Como o dia é especial para mim, e para todos, passo aos leitores um texto escrito por meu marido, Cyro Siqueira, em 24 de dezembro de 1994, sobre o Natal. Data que comemoramos sempre com a família, e da qual ele gostava tanto quanto eu. Junto com o texto, desejo aos leitores desta coluna tudo de bom que se pode desejar aos amigos nesta data. Vamos ao texto:
 
“O Natal. Não custa repetir que talvez seja por causa da minha formação protestante-calvinista. Quero esclarecer que, para o protestantismo, toda interpretação teológica da história é cristocêntrica. Cristo como a justificação não só como homem como da história. Por isso mesmo, o cristianismo é marcado por quatro acontecimentos fundamentais. Primeiro, o nascimento, o Natal, ele, filho do homem, o filho de Deus, nasceu. Segundo, a morte, Cristo na cruz. Ambos acontecimentos inarre- dáveis. Faziam parte do plano de Deus para a redenção do homem. Sem o nascimento e sem a morte o plano não teria sentido, não haveria plano. Depois, a ressurreição, Cristo destruindo a morte, ele mais forte do que a morte. Volta a conviver – o termo é importante – com seus discípulos, os apóstolos. Depois sobe para o céu. Na simbologia que se criou em torno do assunto, existe até em Jerusalém – fui lá ver – o local de onde Cristo teria iniciado sua ascensão aos céus.
Para quem acredita em tudo isso, Jerusalém é emocionante. A Via Dolorosa, por onde Jesus subiu carregando sua cruz até o calvário, aqui ele parou para beber água, ali alguém enxugou o suor do seu rosto enquanto prosseguia em sua caminhada para ser crucificado, para tirar dos homens o pecado do mundo. Olhando para aquelas ruelas estreitas, eu sabia que não tinha sido ali. Cidade encravada em uma das regiões mais conturbadas do mundo, invadida e reinvadida várias vezes, Jerusalém deve ter sido destruída e reconstruída sistematicamente.
 
O Muro das Lamentações, por exemplo, onde hoje os judeus fazem suas orações, é apenas uma das paredes do Templo de Salomão, que continua quase todo soterrado, mesmo porque em cima dele existe uma mesquita árabe, onde todos os dias se reza para Alah.
Olhando para aquelas ruelas estreitas eu sabia, ou achava que sabia, que a Via Sacra não tinha sido ali. Tudo bem: não foi ali, mas foi por ali. Foi ali que uma religião nascente começou a encontrar seu caminho para entrar em termos definitivos para a história do homem – mesmo que o povo judeu continue à espera de seu Messias.
 
Dos quatro acontecimentos fundamentais na história do cristianismo, falei em três – o nascimento, a morte, a ressurreição. O último, 40 dias depois, foi a descida do Espírito Santo, o pentecostes. Ao levar seu filho, Deus legou aos homens o Espírito Santo. Sei que meus irmãos, que são muito enfronhados em teologia, vão achar que estou escrevendo uma série de barbaridades. Mas é com essas barbaridades que eu procuro simplificar uma história por sua própria natureza muito complicada, que é que vou fazer?
 
O Natal tem para o brasileiro um sentido místico – e nisso eu me incluo, sou nataleiro, explico depois. Mas a grande festa da cristandade devia ser mesmo a Páscoa, que é a comemoração da ressurreição de Cristo. Nisso, o europeu bate em cheio: a Páscoa europeia dura uma semana. Foi difícil eu encontrar hotel no interior da França, quando resolvi passar a Páscoa por lá, tudo lotado. Natal é a surpresa, o nascimento, a anunciação. A morte é a tristeza, a semana santa, o jejum, a abstinência, aquilo que a religião católica, em seu esplendor, levou ao exagero, o cilício a que todos nos devemos submeter, pecadores que somos.
 
Já a Páscoa é a alegria. Ele ressuscitou. Essa Páscoa de que falei acima passei-a no Vale do Loire, uma das regiões mais bonitas da França, a tal, como sabem as pessoas, dos castelos do Vale do Loire, inclusive o castelo da Branca de Neve. A Páscoa é o rosto alegre do cristianismo, uma religião não necessariamente sombria.
 
Quando o cristianismo, que se tinha enriquecido com a beleza da liturgia católica, ameaçou entristecer-se, enclausurando-se, as coisas dialeticamente tiveram que começar a mudar. Veio a Reforma, que mostrou que a solidão, o isolamento, o voto de silêncio às vezes é bom para temperar o caráter humano – mas como opção, não como obrigação. Os anacoretas se recolheram e a vida continuou a fluir naturalmente, como mandam os escritos sagrados.”
 
 

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