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Estado de Minas entrevista/ Joel Ayres da Motta Filho - 53 anos, engenheiro mecânico

Empresário pé no chão

Sozinho, o jovem engenheiro começou a vida do zero, trabalhou duro e hoje, apesar da crise, comemora vencer mais um desafio sem dívidas e completa 30 anos de empresa sólida


25/10/2020 04:00

(foto: Túlio Santos/EM/D.A Press)
(foto: Túlio Santos/EM/D.A Press)


Joel Motta começou a vida literalmente com uma mão na frente e outra atrás. De casamento marcado para janeiro, foi demitido do seu primeiro emprego depois de apenas três meses de contratado, em consequência da crise econômica do país. Ele e o colega Américo André Júnior decidiram abrir uma empresa de manutenção de ar-condicionado, sem ter ne- nhum centavo no bolso. Conseguiram. Em janeiro, a JAM Engenharia de Ar Condicionado completa 30 anos de fundação. O que era uma pequena empresa de manutenção cresceu e, além deste nicho, também vendem e instalam maquinário – seu principal negócio –, e alugam equipamentos de grande porte. De quebra, têm sociedade em empreendimentos imobiliários. A empresa nasceu no dia do seu casamento, que também continua firme até hoje. A dupla já teve empresa nos Emirados Árabes, experiência que não rendeu lucro, mas teve o seu status. Estão conseguindo passar sólidos pela pandemia, apesar do alto prejuízo, graças à política administrativa financeira que têm.
 

"Estamos conseguindo passar pela pandemia porque não temos dívida nenhuma. E não fazemos nenhum compromisso que a empresa ou o sócio não aguentem pagar"

 
 
Fale um pouco da sua família.
Nasci em Belo Horizonte, meu pai era funcionário público federal e minha mãe dona de casa. Tenho duas irmãs mais velhas do que eu. Uma se casou em 1977 com um paraibano e foi para a Paraíba, e a outra foi morar com ela, para estudar medicina, e hoje mora em Brasília. Fiquei sozinho aqui em Belo Horizonte com meus pais. Sempre fui um garoto bem-agitado e muito gordo, infelizmente. Venho de uma família de obesos. Meu pai pesava 150 quilos. Eu comia muito, minha mãe era de origem libanesa e cozinha muito bem, lá em casa era uma orgia gastronômica.

Passou a infância e  a adolescência obeso? Sofreu muito bullying?
Muito e isso me deu uma inteligência emocional maravilhosa. Estudava no Colégio São Tomás de Aquino. Tinham dois gordos lá, eu e o Otacílio (Tatá), hoje ele está na XP. A vida toda era: “Bolão 70, cai no chão e arrebenta”, era década de 1970. A vida inteira eu trilhei com este tipo de gozação.

O que você sentia? Porque hoje isso é bullying, mas na época era gozação. Feria você?
Me deu uma casca. Hoje tem tanto nome para isso. Certos rótulos. Eu sou contra bullying, mas antigamente você falava várias coisas sobre a pessoa como brincadeira, tinha uma maldade também, mas antigamente era mais dosado. Hoje, qualquer coisa que você fale, mesmo branda, já o encaixam em uma característica de fazer bullying ou praticar algum tipo de preconceito ou perseguição. Então, hoje não podemos falar mais nada, mas acho que isso me ajudou bastante.


O que fez você mudar, porque está magro, pratica esporte?
O bullying.

Com que idade você teve esta 
mudança de postura?
Com 16 para 17 anos. Foi na hora em que você para e diz que tem que mudar a fisionomia. Tanto que meus colegas do São Tomás, quando me encontram, não me reconhecem. Impressionante. Tenho uma amiga, a Eliane Vasconcelos, que reencontrei depois de casado, ela foi minha colega de sala e não me reconheceu quando me viu.

Algum dos seus filhos é obeso?
Não, todos estão bem, e são saudáveis. Tenho três filhos: Marcela, de 29 anos, advogada, casada; Joel, de 27, engenheiro civil; e Isadora, de 17, que talvez resolva fazer medicina, como a mãe.

Quando criança, o que você queria ser quando crescesse?
Motorista de caminhão.

Como assim?
Eu não sabia o que queria fazer. Meu pai trabalhava no DNER e eu ia às vezes com ele vistoriar obras. Menino pequeno, perto de caminhão, fica encantado.

O que o fez mudar de ideia?
Minha mãe morreu quando eu tinha 16 anos e meu pai, quando estava com 20. Fiquei sozinho, porque minhas irmãs moravam fora e não tinha parente nem por parte de mãe e nem por parte de pai. Morei sozinho. Quando fiz um teste vocacional deu desinteresse em todas as áreas. Como eu gostava muito de carro, decidi fazer engenharia mecânica. O que me levou foi a paixão por carros. Estudava na PUC e durante o curso pretendia fazer com ênfase em aeronáutica, e comecei a fazer a especialização na UFMG. Estava buscando um estágio, e consegui na área térmica, aí abandonei a especialização de aeronáutica e fui para a área térmica. Foi quando comecei a mexer com ar-condicionado.

Gostou e continuou no ramo?
Não foi bem assim, foi mais do tipo a vida me levou e eu me deixei levar. Eu gosto de arrumar soluções, ter o relacionamento, fazer uma boa obra, entrar no cliente e sair vendo que ele ficou satisfeito. Eu falo o seguinte: “Não faça do amigo um cliente, mas faça do cliente um amigo”. A melhor coisa é arrumar um cliente e quando terminar a obra ele estar seu amigo, porque você prestou um bom serviço e vai perdurar no contrato dando manutenção.

Quando e por que abriu a empresa?
Entrei no estágio quando o Collor assumiu, em março de 1990. Segurou o dinheiro de todo mundo, foi uma época dificílima. Em julho eu me formei, e fui contratado como engenheiro na empresa onde estagiava, e em outubro fui mandado embora. Estava de casamento marcado. Namorava a Emília desde 23 de agosto de 1986, e nos casamos em 17 de janeiro de 1991, o mesmo dia em que assinei o contrato abrindo a empresa. O registro saiu em 22 de janeiro. Eu era amigo do meu fiscal de obras, o Américo André Júnior, e decidimos fazer sociedade e abrir uma empresa de manutenção de equipamentos.

Tudo começou ao mesmo tempo na sua vida, família e empresa?
Eu falava assim, estou casando com uma menina, desempregado, qualquer coisa vou ser garçom de noite. Ela foi muito corajosa em se casar com um desempregado, acho que me amava muito. Estava despejado do apartamento onde morava de aluguel, mas conseguimos ficar seis meses lá, até julho. Aí fomos morar na casa da avó da Emília, e moramos com ela por sete anos. Nossos dois filhos mais velhos, Marcela e Joel, nasceram lá, até eu conseguir comprar meu apartamento, em 1998. Eu trabalhava igual um louco, dava manutenção em autoclave, eu que ia nos hospitais todos fazer manutenção. Tinha uma serralheria para fazer móveis também. Eu fazia qualquer coisa.

Precisou ser garçom de noite?
Não precisei, graças a Deus.

Qual era o escopo de trabalho da JAM quando vocês começaram?
Abrimos a empresa com capital zero, tínhamos capital emocional. Éramos Américo e eu e nossa força de trabalho, fazíamos tudo e por isso mesmo, por não ter recursos para investir, nossa empresa era de manutenção. O Luiz Antônio, que era diretor da Caparaó, nos arrumou a primeira obra, pela amizade e confiança.

Foi um grande desafio? E quantas obras vocês têm hoje?
E como. Quando saímos da outra empresa, era a Caparaó que estava fazendo a obra. Ele nos conheceu lá e nos confiou a primeira obra, o prédio da Vivo, na Rua Levindo Lopes, quando alugaram para a Telemig Celular. Hoje, temos mais de duas mil obras de instalação e mais mil de manutenção. Atuamos mais em instalação de equipamentos. Mantemos a empresa de manutenção, mas vendemos parte dela em dezembro de 2018.

Vocês deram um passo a mais e mudaram a atuação?
Essa foi a minha estratégia negocial: tenho que focar onde o ar-condicionado é emergência, e não urgência. Mas qual a diferença entre urgência e emergência? Podemos tomar como exemplo um hospital. Se chega alguém com um braço quebrado, é urgência. Precisa ser atendido rapidamente para tratar e parar a dor. Se chega alguém infartando, é emergência, porque aquela pessoa corre o risco de perder a vida. Sempre foquei na emergência, foco onde o ar-condicionado é vital. Em um shopping, se o ar-condicionado parar ele fecha; se o ar-condicionado de um hospital parar, o hospital para. Esse cliente vai dar valor ao meu trabalho, à minha engenharia e à segurança dele. Se o cliente de coloca um split ou um aparelho no quarto  e esse aparelho estraga, ele pode abrir a janela, e pode chamar o cara quando o tempo esquentar de novo. Ele não vai dar valor e nem pagar o valor agregado da engenharia que nós temos. Quando fizemos as arenas olímpicas para as Olimpíadas, a exigência era que a empresa desse 100% de segurança de funcionamento, inclusive com peças de backup no local. Aí temos a certeza de que eles vão contratar a empresa que tem um corpo de engenharia e uma mobilidade e uma atenção naquilo para não parar, do que contratar um bombeiro eletricista e refrigerista de fim de semana, que a maioria do pessoal contrata. É isso que vendemos. Desde o início focamos nesse cliente, que precisa do ar-condicionado para seu negócio ficar de pé.

Você tem empresa nos Emirados Árabes?
Tivemos, não temos mais. Fomos lá em 2008, na época em que estava um “boom”, e fizemos uma parceria com o sheik Mohamed bin Sultan Sorour Al Dhaheri, de Abu Dhabi. Fizemos sociedade com ele na época, desenvolvemos alguns negócios, mas depois os chineses entraram e acabaram com todo mundo. Eles fazem tudo pela metade do preço. Atuamos lá por cinco anos.

Valeu a pena?
Se arrependimento matasse... Lá não tem lei, a lei é deles. São eles que mandam em tudo, não adianta nada, não ganhei um tostão. Todos os brasileiros que eu conheço que foram para lá saíram sem ganhar nada. Foi uma experiência. Bacana, show. Fica só no show. Mais nada. Não compensa, é fria.

A JAM vai completar 30 anos em janeiro. O trabalho já flui sem problemas?
Pelo contrário, a maioria dos trabalhos que fazemos, enfrentamos problemas de todas as naturezas. Antigamente, as pessoas deixavam de cumprir a palavra, hoje elas deixam de cumprir o que está escrito e assinado. E não estão nem aí. E hoje, para você entrar na Justiça contra um cliente e receber, é melhor esquecer. Então, além dos problemas técnicos, inerentes ao negócio, temos este tipo de problema, que, a princípio, não precisaríamos ter. É um negócio que a gente pesa muito.

E como está o avanço tecnológico na área térmica?
O ar-condicionado é responsável, em média, por 50% da sua conta de energia. É um recurso que pesa para a empresa. Os investimentos do setor são para oferecer uma máquina que gere menos consumo de energia, oferecendo maior eficiência térmica. Trata-se de uma obra cara, porque os custos são altos. Existe uma grande diversidade de máquinas no mercado. O projetista propõe as melhores soluções para o cliente, sempre pensando no custo/benefício. O quanto vai encarecer a obra, mas o quanto ele vai economizar, mensalmente, na conta de energia. O problema é que muitas vezes o construtor vai vender o prédio, então opta por uma máquina mais em conta, para baratear a obra, porque depois, quem vai pagar a conta mensal não é ele, e sim quem comprar o prédio. Quando o construtor vai ocupar o prédio, o pensamento já é bem diferente, prefere investir em um maquinário mais caro, porque economizará depois, no consumo. Em termos de desempenho de conforto térmico tem máquinas similares, com consumos e preços diferentes.

E como está a tecnologia com relação à preservação do meio ambiente?
A Carrier, que é a fábrica com a qual nós trabalhamos, só usa gases que não afetam o meio ambiente. Essa vem sendo uma preocupação deles desde 1990. Há 10 anos, instalou a primeira tecnologia de refrigeração natural do mundo em seus equipamentos, a NaturalLine, independentemente do modelo e do custo do equipamento. Todas são com o gás ecológico. Essa conscientização já existe há muitos anos. Da mesma forma que a corrente tem o gás ecológico, mas pode ser letal, ou seja, ele não agride o meio ambiente, mas dependendo do nível de concentração pode matar.

Qual a durabilidade de um equipamento?
Se estiver com a manutenção em dia, pode durar 25 a 30 anos. Temos equipamentos de 35, 40 anos rodando bem, porque são bem cuidados, recebem boa manutenção, com trocas de peças, retíficas de motor, etc. Máquinas de grande porte. Não quer dizer que eles não quebrem.

Como foi com a pandemia, porque as obras não pararam.
As obras residenciais não pararam, mas não é o nosso nicho, atuamos nas obras comerciais, esse mercado acabou. Escritório, todo mundo em home office. Neste prédio inteiro, só tem cinco andares funcionando, assim mesmo com capacidade mínima. Não tem um prédio comercial fazendo com ar-condicionado central, a não ser em São Paulo, lá é outra coisa, uma ilha da fantasia. Estou alugando a parte que era da empresa de manutenção, e não consigo. Qual o nosso segredo: empresa rica, sócio pobre. Se tirar mais da empresa para ter um padrão de vida que a empresa não dá a você, não tem jeito. Tem dois tipos de pessoas: a rica e a pobre. A rica é aquela que gasta menos do que ganha, e a pobre a que gasta mais do que ganha. Não interessa o quanto ela ganha, um dia ela estará pobre ou um dia ela estará rica. Nosso lema é a empresa em primeiro lugar. Estamos conseguindo passar pela pandemia porque não temos dívida nenhuma. E não fazemos nenhum compromisso que a empresa ou o sócio não aguentem pagar. Não temos. Tivemos um prejuízo brutal com a pandemia. Nossa única vantagem é que não devíamos nada. Hoje, podemos demitir todo mundo e fechar a porta. Pagar todos os direitos trabalhistas e ir embora  para casa. Mas não estou pensando nisso.  Uma vez, fui dar uma palestra no IFL e perguntaram qual era o segredo do meu sucesso, eu disse que eles iriam me bater, mas falei que era porque nunca acreditei no Brasil, porque o país sempre tem uma pegadinha para nós. “Vai aqui que está bom, chega ali, muda. Vai lá, muda”. Não acredito. Acredito no fazer com muito pé no chão e sempre tentar fazer o que ninguém está fazendo. Porque tudo no Brasil vira efeito manada. Todo mundo vai e o investimento cai.

Todas as percepções e aprendizado foram com a vida?
Autodidata mesmo, aprendo, aplico e levo comigo. Experiência vivida nesses 30 anos. Porque as coisas no Brasil não são nem republicanas e nem lógicas. Que segurança jurídica, econômica e política você tem neste país para fazer um negócio? Você quer se enganar? Ou você fica na defensiva, ou o arrojado vai se dar muito bem ou muito mal. Eu prefiro ser cabeça de formiga do que rabo de elefante.

Como se sente vendo a empresa completar 30 anos?
Sou muito realista, me considero como se tivesse 20 funcionários até hoje. Quando olho para este escritório e vejo todos trabalhando até arrepio. Hoje temos 40% da empresa de manutenção, temos a empresa de venda e instalação de equipamentos e a JAM Rental, a empresa de aluguel de ar-condicionado. Só equipamentos de grande porte.

Compensa alugar?
Vários já fizeram a conta e compensa. A pessoa está com um equipamento muito antigo, eu alugo e ela paga o aluguel com a economia de energia que tem. Ela não investe nada, o investimento é meu. Ou o equipamento de um shopping ou de um hospital quebra. Precisa de um com urgência, não dá tempo de arrumar ou trocar, eles alugam um até resolver o problema.

E a parte imobiliária?
Isso surgiu por causa do meu relacionamento com os donos das construtoras. Ficamos sócios em vários negócios da Caparaó, da Castor, Masb, enfim, vários do fruto do meu relacionamento como vendedor de ar-condicionado. 

Como você fez? 
Não sei, deve ser a veia libanesa dos meus avós maternos. Ninguém nunca me ensinou, fiz um curso de engenharia mecânica. Vai mudando o patamar. São 30 anos.

Começaria tudo de novo?
Não, de jeito nenhum, cansei. Não saio porque não tenho mais o que fazer. Se começasse de novo seria médico. Adoro medicina. Gostava de medicina, mas não gostava de estudar. Minha irmã me levou em Vassouras para fazer medicina lá. Fiz inscrição e não fui fazer o vestibular. Virei engenheiro mecânico. 


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