Com exceção da proposta que previa a tarifa zero nos ônibus, os Projetos de Lei que mais mobilizaram debates no plenário da Câmara Municipal de Belo Horizonte, em 2025, estiveram ligados à chamada pauta moral e de costumes. Em meio a discursos inflamados e bate-boca entre vereadores, as proposições de cunho ideológico, como a emenda que quer proibir a presença de crianças em eventos com nudez ou “conteúdo inapropriado para menores”, mirando, sobretudo, paradas LGBTQIAPN+, foram tão numerosas quanto as iniciativas relacionadas à educação.
Levantamento feito pelo Estado de Minas mostra que, ao longo do ano, os vereadores apresentaram 29 projetos classificados como de cunho ideológico, número idêntico ao de proposições voltadas à educação. Embora representem apenas 4,1% do total de textos protocolados na Casa em 2025, as iniciativas de teor moral, ao contrário das pautas de educação, se destacam pela visibilidade e pela prontidão com que avançaram nas comissões e no plenário.
A chamada pauta moral reúne propostas ancoradas em valores, crenças e normas sobre o que seria considerado adequado ou inadequado, certo ou errado, especialmente em temas ligados à família, sexualidade, religião, gênero e tradições culturais. É um campo recorrente de mobilização eleitoral em debates sobre aborto, direitos da população LGBTQIAPN+, ensino religioso e o papel da Bíblia no espaço público, temas que atravessaram boa parte das sessões legislativas nesse primeiro ano de mandato da Câmara de BH.
Tramitação
Ao todo, 11 projetos de cunho moral aguardam votação em plenário. Entre eles está o 42/2025, do vereador Uner Augusto (PL), que já está pronto para ser votado em primeiro turno. A matéria obriga unidades hospitalares e de saúde do município a afixar cartazes “antiaborto”, com informações sobre os riscos físicos e mentais do procedimento.
A iniciativa ignora que, no Brasil, o aborto é permitido apenas em três situações específicas: quando há risco à vida da gestante; em casos de gravidez resultante de estupro; e quando o feto apresenta anencefalia. Críticos apontam que o texto pode constranger mulheres e profissionais de saúde, além de extrapolar a competência do município.
Duas outras pautas de viés ideológico já passaram pelo primeiro turno e retornaram às comissões para análise antes da votação definitiva. Na área da educação, para efeito de comparação, apenas três projetos já foram liberados para apreciação em plenário, todos em primeiro turno.
Muitos desses projetos de cunho moral ainda avançam sobre a esfera de competência do ensino. É o caso do PL 268/2025, da vereadora Flávia Borja (DC), que propõe instituir o “intervalo bíblico” em escolas públicas e privadas, reservando momentos para oração, reflexão e leitura do livro durante os recreios. A autora é a mesma que apresentou, no ano passado, o texto que instituiu a Bíblia como material paradidático, aprovado e sancionado em 2025, mas posteriormente derrubado pela Justiça.
Também de autoria de Flávia Borja, o projeto 89/2025 torna obrigatória a execução do hino nacional nas escolas, enquanto o 439/2025 assegura aos pais o direito de vetar a participação dos filhos em atividades pedagógicas relacionadas a gênero. As propostas reacendem o debate sobre laicidade do Estado, autonomia pedagógica e o papel da escola na formação cidadã.
Simbolismo
Há ainda os chamados projetos simbólicos, que, embora tenham baixo impacto prático, sequestram o debate. O EM contabilizou 11 pautas de cunho moral nessa esfera de proposições de caráter eminentemente simbólico.
Foi o caso da proposta que deu origem à Lei nº 11.863/2025, que institui 7 de julho como o Dia Municipal dos Métodos Naturais. A legislação prevê eventos e palestras para divulgar métodos contraceptivos sem uso de medicamentos ou preservativos, como o Método Billings e a tabelinha.
Parlamentares de esquerda criticaram o texto por entenderem que ele desestimula o uso de contraceptivos e pode contribuir para o aumento de infecções sexualmente transmissíveis (ISTs). Em contraste, a Casa rejeitou a sugestão para criação do “Dia Municipal de Promoção da Educação Sexual”.
Nesse mesmo campo simbólico, o prefeito de Belo Horizonte, Álvaro Damião (União), sancionou a Lei nº 11.912/2025, que institui o Dia Municipal da Fidelidade Conjugal e do Casamento Monogâmico Cristão, além de outra norma que criou o Dia Municipal dos Legendários.
Essa última iniciativa está vinculada a um movimento cristão masculino de origem evangélica, que se apresenta como um espaço de formação espiritual e de fortalecimento de valores como liderança, disciplina, masculinidade e compromisso com a família.
Outras iniciativas seguem a mesma linha, como projetos que tentam consolidar slogans identitários para a capital, a exemplo de “Capital da Tradicional Família Mineira” e “Capital da Cultura Evangélica”, além da inclusão do evento religioso “Vira Brasil: a Virada da Família Mineira” no calendário oficial do município.
Adicionalmente, outras pautas, embora enquadradas sob o guarda-chuva da assistência social, recebem críticas por dialogarem com agendas conservadoras e da extrema direita. É o caso do PL 227/2025, do vereador Vile Augusto (PL), que prevê a “devolução” de pessoas em situação de rua para suas cidades de origem.
O mesmo vale para o PL 173/2025, do vereador Braulio Lara (Novo), que trata da desobstrução de vias públicas, cujo alvo é principalmente os pertences da população de rua. Ambos são apontados por críticos como iniciativas de viés higienista. Soma-se a eles o 174/2025, que propõe a internação compulsória de usuários e dependentes de drogas.
Questionado sobre o avanço dessas pautas, o presidente da Câmara, Juliano Lopes (Podemos), descartou problemas. Para ele, a Casa reflete a pluralidade da sociedade belo-horizontina. “A Câmara é um espaço plural e democrático. Esses temas decorrem da autonomia dos vereadores para apresentar e debater propostas. O mais importante é que todas as matérias sejam discutidas com respeito, dentro da legalidade e do processo democrático, sempre priorizando o interesse público”, disse.
Especialista
O pesquisador Thiago Silame, professor da Universidade Federal de Alfenas (Unifal) e integrante do Centro de Estudos Legislativos da UFMG, acredita que há um objetivo eleitoral da Câmara ao destinar tanto tempo para projetos com forte viés ideológico.
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“Mesmo quando são flagrantemente inconstitucionais, como foi o caso da (instituição da) Bíblia como material paradidático, essas propostas sinalizam para a base eleitoral que o parlamentar está defendendo os ‘valores da família’. É uma forma de engajamento, mais do que de mudança legislativa”, afirma.
