A prisão

Especialistas explicam o que está em jogo na prisão de Bolsonaro

Detenção preventiva e iminência do início do cumprimento da pena suscitam questionamentos sobre o processo legal

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A manutenção da prisão preventiva do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) pela Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal abriu uma série de dúvidas sobre o funcionamento das prisões cautelares, seus efeitos sobre o cumprimento de pena e o que acontece a partir de agora. O Estado de Minas ouviu advogados criminalistas e professores de Direito Penal para esclarecer, de forma técnica e objetiva, os principais pontos do caso.

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O que diferencia a preventiva dentro do conjunto de prisões cautelares?

O criminalista Rafael Paiva explica que a prisão preventiva é apenas uma das medidas que podem ser adotadas antes do fim do processo. Segundo ele, “a prisão preventiva é uma modalidade de prisão cautelar, tal qual a prisão temporária. Em resumo, prisão cautelar é toda prisão decretada antes do trânsito em julgado de uma sentença penal condenatória.

”Ele pontua que a lógica desse tipo de prisão é preservar a investigação. “É a prisão daquele que ainda é inocente aos olhos da Constituição, pois o processo a qual responde ainda não acabou. E por isso essa prisão tem algumas características diferenciadas, normalmente relacionadas à cautelaridade, que é demonstrada pela necessidade do réu ser preso antes do final do processo, porque pode continuar a praticar crimes, fugir ou atrapalhar as investigações”.

Paulinho Miranda

Da cautelar mais branda à medida extrema

A advogada criminalista Luísa Rodrigues Cruz diz que o caminho até a prisão preventiva seguiu a lógica de escalonamento prevista na legislação. Ela afirma que “durante o curso de uma investigação ou de um processo criminal, há diversas medidas cautelares que podem ser aplicadas quando, além dos indícios de cometimento de crime(s), a liberdade do indivíduo acarreta algum risco”.

No caso de Bolsonaro, Luísa explica que o STF identificou riscos concretos desde as primeiras etapas. “O Supremo Tribunal Federal, após pedido formulado pela Polícia Federal, considerou que havia indícios de participação do ex-presidente nos supostos crimes de coação no curso do processo, obstrução de investigação de infração penal que envolva organização criminosa e abolição violenta do Estado democrático de direito cometidos por Eduardo Bolsonaro”.

As medidas foram se agravando, afirma a criminalista, porque o tribunal entendeu que Bolsonaro descumpriu as restrições impostas.

“O STF considerou, então, ‘que a participação dissimulada de Jair Messias Bolsonaro, preparando material pré fabricado para divulgação nas manifestações e redes sociais, demonstrou claramente que manteve conduta ilícita de tentar coagir o Supremo Tribunal Federal e obstruir a Justiça.’”

Pulinho Miranda

O que a lei exige para decretar prisão preventiva

Para contextualizar o fundamento jurídico da medida, o professor e criminalista Luciano Nunes explica que a prisão preventiva está inserida dentro do conjunto de prisões cautelares, mas tem critérios próprios. “O Código de Processo Penal brasileiro (CPP) prevê várias modalidades de ‘prisão cautelar’, dentre elas a prisão preventiva, que é uma espécie de prisão cautelar.”

Ele lembra que o juiz só pode aplicá-la quando houver hipóteses previstas em lei. “Para decretação de prisão preventiva, o juiz deverá fundamentar nas seguintes hipóteses previstas no art. 312 do CPP: garantia da ordem pública; garantia da ordem econômica; conveniência da instrução criminal; garantia da aplicação da lei penal.”

Ao comentar o caso específico, ele reforça que a prisão decretada não tem vínculo com a condenação no processo do golpe de Estado. “A prisão preventiva decretada não tem qualquer relação com a condenação no caso da ‘tentativa de golpe de estado’, mas em outro procedimento (ainda sem decisão) que apura crime de coação no curso do processo.”

Nunes observa ainda que o cumprimento da pena começa somente após a decisão final. “A condenação pelo crime da ‘trama golpista’ ainda não transitou em julgado. Somente após o ‘trânsito’, vai se iniciar o cumprimento da pena.” 

O período preso poderá ser descontado da pena do golpe?

A dúvida mais recorrente do público é respondida pelo criminalista Paulo Crosara, que esclarece que os dois processos não se comunicam automaticamente. “Esse período não conta na condenação que ele teve pelo golpe de Estado. Por quê? Ele está preso preventivamente no inquérito da obstrução de justiça.” Ele afirma que não há como misturar os tempos das prisões: “Não existe essa conexão.”

A exceção, explica, só vale se o inquérito atual for encerrado sem acusação. “Se a investigação contra Bolsonaro for arquivada ou Bolsonaro for absolvido da obstrução de justiça, aí sim essa é a única exceção e esse tempo preso pode ser descontado de crimes anteriores.”

Como será o cumprimento de pena após o trânsito em julgado

O criminalista Rafael Paiva explica que, caso a condenação do golpe de Estado transite em julgado, Bolsonaro seguirá o rito comum de execução. “O cumprimento da pena se dará em presídio comum, possivelmente a Papuda, mas em cela separada dos demais presos.”

Já o criminalista Paulo Crosara detalha o funcionamento da progressão. “O cumprimento de pena no Brasil é feito de forma progressiva. Bolsonaro vai começar no fechado, aí ele vai para o semiaberto, aberto, com a possibilidade de livramento condicional no caminho.” Ele acrescenta que, por se tratar de crime cometido com violência ou grave ameaça, “tem que cumprir um quarto da pena, em cada regime, para conseguir progredir.”

Sobre o livramento condicional, Crosara observa: “Para chegar na liberdade condicional, ele tem que cumprir um terço da pena e ter bom comportamento, e também ter reparado os danos causados.”

Quais mecanismos podem reduzir o tempo de encarceramento

A jurista Bruna Lage explica que o sistema penal possui instrumentos que diminuem o período total de pena.“Entre os principais estão a detração penal, a progressão de regime e a remição de pena por estudo, trabalho ou atividades educativas.”

Crosara complementa com um exemplo prático: “Quando você estuda três dias ou trabalha três dias, ganha um dia de pena cumprido. Existe também a remição por livro, que é você ler o livro, fazer um relatório. E esse relatório deve ser aprovado por uma junta do presídio.”

Bruna reforça o caráter não punitivo das cautelares. “Prisão cautelar não é punição. Ela não substitui a condenação e não deve ser usada como forma de antecipar a pena.” Ela destaca que o processo penal deve resguardar garantias fundamentais. “O processo penal existe justamente para limitar abusos, assegurar o devido processo legal e garantir que qualquer pessoa… seja tratada com imparcialidade e presunção de inocência.”

A situação atual do ex-presidente

A prisão preventiva do ex-presidente Jair Bolsonaro foi decretada em 22 de novembro por determinação do ministro Alexandre de Moraes, após a Polícia Federal apontar risco de fuga, descumprimento de medidas cautelares e violação da tornozeleira eletrônica.

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Bolsonaro cumpria prisão domiciliar quando, segundo a investigação, teria participado de articulações que poderiam obstruir a fiscalização das restrições impostas. A decisão foi mantida pela Primeira Turma do STF, por unanimidade, o que consolidou a permanência do ex-presidente sob custódia enquanto avançam tanto o inquérito de obstrução de justiça quanto o processo do golpe de Estado, que deve ter o trânsito em julgado confirmado nos próximos dias.

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