Tarifa Zero: projeto de lei é reprovado em primeiro turno na Câmara de BH
Texto recebeu 10 votos a favor e 30 contra na tarde desta sexta-feira (3/10). Manifestações a favor e contrárias ao projeto acontecem na CMBH
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O Projeto de Lei 60/2025, que prevê gratuidade em todas as linhas de ônibus de Belo Horizonte, foi reprovado em primeiro turno na Câmara Municipal de Belo Horizonte. A votação, realizada na tarde desta sexta-feira (3/10), ocorreu sob intensos protestos de apoiadores e opositores da proposta, que poderia transformar a capital na primeira do país a adotar a Tarifa Zero para toda a população.
O projeto precisava do apoio de pelo menos 28 dos 41 vereadores. Quando chegou ao plenário já contava com a assinatura de 22 parlamentares. A maioria, no entanto, não confirmou o apoio durante a votação. No resultado final, 30 vereadores se posicionaram contra e apenas 10 a favor.
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Na véspera, Helton Júnior(PSD), um dos signatários da proposta, deixou a vice-liderança do governo na Casa em razão da divergência.
O público presente reagiu com protestos, interrompendo falas de parlamentares contrários ao projeto, o levou o presidente da Casa, Juliano Lopes (Podemos), a suspender a sessão duas vezes. Momentos antes, diante de um tumulto nas galerias, em que os manifestantes disseram estar sendo impedidos de entrar, Lopes chegou a cogitar o adiamento da análise do texto.
Autora da proposta, Iza Lourença reagiu com indignação à rejeição e disse que o resultado representou mais um capítulo do que chamou de “chantagem política” feita pela Prefeitura sobre os parlamentares. “Nós recebemos esse resultado muito tristes, lamentando que, infelizmente, a situação dos ônibus em Belo Horizonte vai continuar como está”, declarou em coletiva de imprensa, logo após a sessão.
Iza também criticou a ausência de alternativas apresentadas pela Prefeitura para enfrentar o colapso da mobilidade na capital. Ela defendeu que o grupo autor do projeto sempre esteve aberto a negociar ajustes e a considerar novas propostas, mas que nenhuma alternativa foi colocada em discussão.
“Nós poderíamos negociar várias coisas no projeto para que tivesse mudança para o segundo turno. Colocamos esse projeto na mesa e falamos que a gente poderia negociar qualquer outra proposta que viesse. Infelizmente, não chegou nenhuma”, disse.
Apesar da derrota, a vereadora afirmou que a mobilização em torno do tema não será interrompida. "Acho lamentável, mas a nossa luta não para por aqui. A gente sabe que a mobilidade urbana em Belo Horizonte está em colapso. Ninguém aguenta mais a situação dos ônibus", afirmou.
Durante a sessão, os vereadores favoráveis à Tarifa Zero anunciaram que pretendem reapresentar o projeto no início do próximo ano letivo, já que o regimento interno da Câmara impede que a mesma proposta seja debatida novamente no mesmo exercício.
A parlamentar ainda convocou a população a transformar a indignação em ação nas ruas. “Domingo estamos chamando uma manifestação para que as pessoas que se indignam com o voto dos vereadores aqui hoje possam ir para a rua se expressar, para que a gente possa aumentar a nossa mobilização e vencer”, anunciou.
Com a rejeição do projeto, o Plenário Aminta Barros foi ocupado por vaias contra os vereadores que votaram contra. Aos gritos de “covardes”e “fascistas”, os manifestantes ainda permaneceram na galeria do plenário por alguns minutos após a sessão.
Como funciona o projeto?
O principal ponto de divergência no projeto foi o modelo de financiamento. Baseado em estudo da UFMG, a proposta previa que, a partir do próximo contrato de concessão do transporte, em 2028, o sistema municipal de ônibus passaria a ser custeado por um fundo específico, abastecido pela criação da Taxa do Transporte Público(TTP).
A cobrança, estimada em R$ 169 por empregado, recairia sobre as empresas com mais dez funcionários e substituiria gastos com vale-transporte. Até lá, haveria uma fase de transição de até quatro anos. Hoje, a passagem custa R$ 5,75.
A estimativa da UFMG é de que o aporte representaria 1,65% da folha salarial das empresas com mais de nove funcionários. Experiências como a de Maricá, no Rio de Janeiro, que mantém a gratuidade há mais de dez anos, são usadas como exemplo de benefícios, incluindo crescimento populacional e aquecimento econômico.
O modelo, no entanto, foi criticado por entidades empresariais e pela própria base do Executivo, que o consideram inviável e oneroso às empresas. Levantamento da Federação das Indústrias de Minas Gerais (Fiemg) projetou efeitos negativos, como risco de fechamento de até 55 mil postos de trabalho e impacto de R$ 3,1 bilhões em faturamento empresarial.
Essas estimativas divergentes acirraram o debate e foram exploradas pelos vereadores para reforçar o argumento da inviabilidade.
Ao final da sessão, em conversa com a imprensa, o líder do governo na Câmara, vereador Bruno Miranda (PDT), comemorou a rejeição do projeto Tarifa Zero como uma vitória da base do prefeito Álvaro Damião (União Brasil). Miranda foi responsável por apresentar o requerimento que dividiu a votação em blocos, medida que, segundo explicou, buscava evitar tentativas de obstrução por parte da oposição. “Nós conseguimos derrotar esse projeto que, na prática, era inviável”, afirmou.
O maior obstáculo, segundo o vereador, é a falta de sustentabilidade financeira da proposta. Ele argumenta que a gratuidade não pode ser tratada como uma medida isolada da prefeitura, mas como uma política pública de escala nacional. “Depois de muito estudo, muito diálogo com os vereadores e com os setores produtivos da cidade, a prefeitura entendeu que não há viabilidade nesse momento de implantar um tarifa zero em Belo Horizonte. Alguém vai pagar a conta mesmo”, disse.
O parlamentar defende que qualquer modelo de gratuidade precisa envolver uma divisão de responsabilidades entre União, estados e municípios. “Se a gente entende que o ônibus gratuito é uma política pública, que haja então financiamento tripartite. Já passou da hora do governo federal discutir de forma séria o marco regulatório do transporte. Há uma demanda crescente da população por isso. Agora, se a conta ficar só nas costas de quem gera emprego e do orçamento público municipal, a cidade vai quebrar”, afirmou.
Ele ainda lembrou que o atual contrato de concessão vence em dois anos e terá de ser relicitado, o que pode abrir espaço para uma nova discussão do Tarifa Zero. “O contrato atual já está vencido, e a prefeitura terá que enfrentar o desafio de desenhar um novo modelo para a cidade. Essa discussão tem tempo de acontecer, mas precisa ser feita com profundidade, com estudos, com clareza sobre qual público vai ser atendido e de onde virão os recursos. Do contrário, é apenas ilusão", disse.
Tarifa zero social
Entre os vereadores contrários à proposta, ganhou força o argumento de que Belo Horizonte deveria adotar, em vez da gratuidade plena, uma tarifa social voltada para famílias de baixa renda. Apesar disso, nenhuma emenda com esse direcionamento foi apresentada ao longo da tramitação do projeto.
Na capital, a política da Tarifa Zero já existe de forma parcial desde abril de 2023, restrita a 12 linhas que atendem regiões de vilas e favelas. A medida beneficia, em média, 433 mil passageiros por mês, segundo estimativas da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU). BH faz parte de um grupo de nove capitais brasileiras que adotaram iniciativas de tarifa zero, todas com caráter parcial, limitadas a linhas específicas ou a dias determinados.
Relatora do texto na Comissão de Orçamento e Finanças Públicas, a vereadora Marcela Trópia (Novo) se posicionou contrária à proposta, citou incertezas financeiras e operacionais não esclarecidas durante o debate.
“O problema é que, se a gente coloca tarifa zero, pessoas da Região Metropolitana vão utilizar esse transporte. A gente não sabe quantas pessoas são. A gente não sabe como isso gerará uma fuga de CNPJs. Quem tem hoje 10 funcionários pode abrir duas empresas de cinco, e eu não tenho garantia de que a taxa criada para sustentar o sistema vai realmente entrar no caixa da Prefeitura. A conta que é feita hoje, na prática, pode mudar”, alertou.
A discussão, na avaliação da parlamentar, não pode ser conduzida sem clareza sobre quem seria beneficiado. “É uma tarifa social? Vamos atender a baixa renda? Seriam as pessoas inscritas no sistema único da Prefeitura? Ou aquelas que recebem Bolsa Família? Qual é o recorte dessa política pública?”, questionou.
Em vez de implantar a gratuidade ampla, a vereadora sugere um avanço gradual, começando por públicos específicos. “O município já tem força para abrir uma nova discussão e dimensionar como oferecer tarifa zero aos domingos ou criar uma tarifa social para quem mais precisa. O problema é tentar aplicar a gratuidade de forma geral, sem saber se vamos atender os 2,5 milhões de moradores de Belo Horizonte ou os 5,5 milhões da Região Metropolitana”, ponderou.
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Trópia também criticou o contrato vigente com as empresas de ônibus, que, em sua avaliação, já está “desgastado e descumprido em vários pontos”. “Sou uma das grandes defensoras de que o contrato de Belo Horizonte já não serve há muito tempo. O prefeito poderia antecipar essa discussão ainda este ano ou no próximo”, afirmou.