Dívida mineira; pão de queijo; relacionamento com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT-SP); salada de frutas; ligação com Bolsonaro; suco de abacaxi; e propostas do presidente do Congresso, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Este foi o cardápio do primeiro café da manhã de Romeu Zema (Novo) com jornalistas, realizado nesta terça-feira (23/4), em Belo Horizonte.

 

O primeiro evento do tipo em seis anos da atual gestão teve como pautas principais as negociações junto ao governo federal para renegociar os débitos bilionários com a União e uma reafirmação do governador como representante da direita no Brasil, mesmo que com uma aproximação cheia de reticências com o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

 

Acompanhado de membros da Secretaria de Estado de Comunicação Social, incluindo o chefe da pasta, Bernardo Santos, Zema abriu a conversa realizada em tom informal falando de sua experiência na gestão da rede de lojas de eletrodomésticos da família.

 

 

O tema que começou no interior de Minas não tardou a tomar as direções de Brasília assim que o governador foi questionado sobre pretensões eleitorais, negociações com membros da equipe do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e seu papel como representante de uma direita pretensamente liberal e afastada das pautas de costumes.

 



 

Desde o fim do ano passado, o debate sobre estratégias para sanar o saldo negativo de cerca de R$ 160 bilhões do estado com a União tem em Zema, Haddad e Pacheco atores centrais em uma trama repleta de diferentes propostas para a questão. Durante a conversa com jornalistas, o governador reiterou sua percepção mais inclinada a ver com bons olhos as ideias do senador em relação ao que já foi apresentado pelo ministro de Lula.

 

Zema considerou a proposta de Haddad insuficiente e disse que a Fazenda está cumprindo seu papel de “conceder o mínimo possível” nas negociações. No fim de março, o ministro apresentou uma ideia de promover uma redução das taxas de juros dos débitos estaduais associada a investimentos para abrir vagas no ensino médio técnico.

 

Ao apresentar suas ideias, Zema falou sobre a necessidade de rever o valor real da dívida, alterar o indexador de juros e também de envolver ativos como as estatais Cemig, Copasa e Codemig nas tratativas para amortizar o montante total do débito, o que se aproxima das ideias de Pacheco.

 

Questionado pela reportagem do EM presente no café, o governador disse que não vê problema em um eventual protagonismo do presidente do Congresso na definição de um plano para a questão fiscal mineira. Adotando o discurso de que importa mais o resultado que colher seus louros, ele disse que, se o senador for tratado como responsável por resolver o problema, “vou dar todo o mérito e aplaudi-lo”.

 

 

Apesar de ter apresentado ressalvas em relação ao papel de Haddad nas negociações sobre a dívida, o ministro da Fazenda passou ileso na análise do governador em relação ao atual governo federal. Reiterando sempre que possível sua oposição ao modelo esquerdista de gestão pública, Zema disse que “Haddad é quem está segurando a barra” ao comentar o que enxerga como uma pressão de outros setores do Executivo em Brasília.

 

Com os objetos disponíveis à mesa, Zema também repetiu pontos comuns de seus discursos públicos ao anunciar que, sem uma solução eficiente e urgente, a dívida pode tornar a administração de estados como Minas Gerais, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul impraticável.

 

Segurando uma faca na horizontal para representar a arrecadação e um garfo na diagonal em ascendente no eixo perpendicular para representar o valor da dívida, ele voltou a usar a alegoria da ‘boca do jacaré’ para defender o recálculo das cifras e a mudança do indexador de juros, hoje fixado no Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) mais 4% ao ano.

 


Ao lado de Bolsonaro, mas nem tanto

 

Zema não se furtou em comentar sua aproximação com Jair Bolsonaro. O governador foi resoluto ao dizer que a associação entre os dois está baseada no fato de que ambos têm em comum uma oposição enraizada à esquerda. Em sua visão, o alinhamento eleitoral de ambos se limitou ao segundo turno da campanha presidencial de 2022. Ele, inclusive, destacou que o então presidente apoiou o senador Carlos Viana na corrida ao governo do estado durante o primeiro turno.

 

Zema se caracterizou como um liberal, que tenta evitar ser pautado pela agenda de costumes da direita e se limitar aos conceitos econômicos. Ainda assim, ao ser perguntado sobre sua presença em eventual ato de Bolsonaro em BH nas próximas semanas, o governador foi taxativo: “com certeza estarei”. As últimas manifestações de apoiadores do ex-presidente têm sido marcadas pela predominância quase integral do discurso ideológico, como mesmo indica a função de organização dos eventos chefiados pelo pastor evangélico Silas Malafaia.

 

O governador mineiro e seu secretário de comunicação tratam com naturalidade a presença nos atos bolsonaristas apesar da pauta focada nos costumes. A estratégia é se consolidar como um nome aliado à direita dentro de um cenário de polarização cristalizada na política brasileira.

 

Em repetidas oportunidades, Zema usou sua postura como governador frente à pandemia como um elemento que o diferencia do ex-presidente. Economicamente, o mineiro afirmou que o governo Lula representa um dano potencial maior do que um hipotético segundo mandato de Bolsonaro, mas acredita que o representante do PL se prejudicou por ter comprado “lutas inglórias” e exagerado no discurso: “(havia) pessoas morrendo e teve brincadeiras de mau gosto”.

 


Carreira política só no Executivo

 

Para iniciar a conversa, Zema e seus assessores investiram em uma rápida rememoração dos tempos do governador como executivo da rede de eletrodomésticos com forte presença no interior do estado. Ele chegou a se comparar com um caminhoneiro ao destacar sua conta de cerca de dois milhões de quilômetros rodados nas estradas mineiras.

 

Antes de encerrar sua breve apresentação, Zema se declarou um admirador da escola filosófica do estoicismo e citou pensadores como Epicteto e Sêneca e o imperador romano Marco Aurélio.

 

Segundo ele, o conteúdo que consome sobre o tema o inclina a valorizar os resultados positivos de sua administração sem a necessidade de colher os louros pelos feitos conquistados. Diante do discurso, ao ser questionado sobre uma possível continuidade da carreira política longe do Executivo, ele se esquivou dizendo que não se vê trabalhando no parlamento e não descarta a corrida presidencial.

 


Relação com ALMG

 

O trânsito do governo na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) tem características muito distintas nos dois mandatos de Zema. Enquanto no primeiro o congestionamento das pautas, em especial o Regime de Recuperação Fiscal (RRF) foi a regra, a situação tem hoje cenário mais aberto, com vitórias em série nos projetos enviados ao parlamento.

 

Zema falou sobre sua relação amistosa com o atual presidente da casa, Tadeu Leite (MDB) e ressaltou a diferença na abertura ao diálogo em relação à antiga gestão da Assembleia. Em seu primeiro mandato, o governador teve dificuldades com o então presidente Agostinho Patrus.

 

O atual conselheiro do Tribunal de Contas do Estado (TCE) não foi citado nominalmente durante o café da manhã, mas foi referenciado como alguém que almejava ter integrado a chata PT-PSD para o governo do estado como candidato a vice. A candidatura foi às urnas capitaneada por Alexandre Kalil (PSD), ladeado por André Quintão (PT).

 

Mesmo com saldo positivo nessa legislatura, a base da Zema tem encontrado dificuldade em reunir quórum nas últimas sessões da Assembleia. Durante a conversa, Zema fez um mea culpa admitindo encontrar dificuldade em liberar as emendas prometidas aos parlamentares com agilidade e disse que trata-se mais de um problema de execução do que de orçamento.

 

Futuro da direita

 

Sem esconder suas pretensões em se firmar como símbolo da direita no Brasil, Zema afirmou que, em paralelo às chances de se lançar à Presidência da República, pensa em se tornar uma espécie de ‘porta-voz’ do Partido Novo em seu futuro na política.

 

Uma vez fora do páreo, Zema citou colegas do Executivo estadual como possíveis esperanças à direita para o comando do país. Instado a listar quem poderia cumprir o papel de uma liderança moderada no campo conservador ele elencou o governador paranaense Ratinho Junior (PSD); o paulista Tarcísio de Freitas (Republicanos); o goiano Ronaldo Caiado (União Brasil); e o gaúcho Eduardo Leite (PSDB), a quem carecterizou como “nem tanto de direita assim”.

 

Eleições municipais

 

Zema se mostrou esperançoso com uma retomada do Partido Novo a partir das eleições municipais deste ano. O governador, no entanto, disse não estar envolvido nas negociações de bastidores visando o pleito municipal, delegando a responsabilidade à cúpula da legenda. Ele também não cravou que a pré-candidatura de Luísa Barreto (Novo), sua secretária de Planejamento e Gestão, à Prefeitura de Belo Horizonte será mantida até o fim nas urnas da capital.

 

No interior do estado, o governador foi taxativo: “quero só distância de eleição municipal”. De acordo com Zema, seu envolvimento nos pleitos pelo estado só deverá acontecer em cenários de disputa em segundo turno onde houver uma clara distinção entre os nomes da direita e da esquerda.


Aposta em descontração

 

O governador justificou o convite ao café da manhã como uma tentativa de ter uma conversa mais longa com a imprensa, uma vez que os encontros geralmente se limitam a entrevistas coletivas rápidas. A aposta em um tom descontraído foi endossada pelos integrantes da secretaria de Comunicação Social do governo durante o evento.

 

Zema encerrou a conversa falando sobre sua filha, que caracterizou como uma moradora do boêmio bairro londrino de Camden Town. Ele chegou a brincar dizendo que ela fez questão de ir votar nas eleições de 2022, mesmo estando na Inglaterra e sugeriu que a escolha foi por Lula na disputa presidencial. O governador encerrou a reunião com uma piada sobre o ofício dos jornalistas.

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