CONSPIRACIONISMO

Desinformação faz do Brasil o novo foco do movimento antivacina

Estudo mostra que país é responsável por 40% das mentiras sobre todo tipo de imunizante que circula no Telegram

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O negacionismo do governo de Jair Bolsonaro na pandemia de COVID-19 e a falta de regulação nas redes ajudou a transformar a desinformação sobre vacinas em um modelo de negócios no Brasil. Em centenas de comunidades no Telegram, conspiracionistas atribuem supostos danos à saúde às vacinas e vendem produtos e cursos como "antídotos".

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Um estudo do Laboratório de Estudos sobre Desordem Informacional e Políticas Públicas (DesinfoPop), da Fundação Getúlio Vargas (FGV), aponta o país como responsável por 40% de todo o conteúdo antivacina na América Latina e Caribe que circulam em comunidades sobre teorias da conspiração.

Parte disso se dá pelo tamanho da população brasileira, em comparação a outros países da América Latina. Mas o posicionamento de autoridades sanitárias durante a pandemia foi um fator relevante, segundo o estudo. Durante a crise sanitária, Bolsonaro e seus apoiadores criticaram as vacinas e levantaram dúvidas sobre a eficácia do medicamento.

Negacionismo 

O governo, à época, atrasou a compra de imunizantes — dados atualizados até junho de 2025 mostram que 716.238 morreram —, promoveu medicamentos sem qualquer eficácia para o tratamento da COVID-19 e se disse contra as medidas de isolamento social, recomendadas por especialistas, para frear a disseminação do vírus. No auge da pandemia, em abril de 2021, o Brasil chegou a ter mais de 4 mil mortes diárias.

Essa postura, segundo o coordenador do estudo, o pesquisador Ergon Cugler, foi um fator fundamental para dar combustível a conspiracionistas e multiplicar conteúdos enganosos nas redes sociais. 

"Muitas mensagens que a gente encontra nessas comunidades de teorias da conspiração mencionam desde o próprio presidente Jair Bolsonaro — porque algumas são mensagens antigas — até a postura do Ministério da Saúde (da época). Diziam, por exemplo: 'O Ministério da Saúde ainda não liberou as vacinas, então elas ainda não são seguras. O que a gente consegue atestar é que quando esse tipo de assunto parte de uma autoridade pública, seja Jair Bolsonaro, seja Donald Trump (que recentemente disse, sem provas, que o Tylenol causa autismo) defendendo essa visão, isso incendeia o conspiracionismo", adverte.

Os pesquisadores analisaram mais de 80 milhões de mensagens publicadas entre 2016 e 2025, em 1.785 comunidades focadas em teorias da conspiração, em 18 países. Em todas as nações analisadas, houve uma explosão no volume de mensagens sobre vacinas durante a pandemia: o número cresceu 689,4 vezes na comparação entre 2019 (último ano antes da pandemia) e 2021.

"O Brasil virou o epicentro latino-americano da desinformação antivacina. Isso não acontece por acaso: temos um ambiente digital que ainda engatinha no debate da regulação, plataformas que lucram com o engajamento do medo e desafios estruturais que permitem que o discurso conspiratório floresça", aponta Cugler.

Modelo de negócio

Com a alta na procura por alternativas às vacinas, a propagação de informações falsas sobre os imunizantes virou um modelo de negócio. O modus operandi é simples: usuários do Telegram atribuem danos ou efeitos colaterais adversos inexistentes às vacinas e, na sequência, vendem produtos que prometem anulá-los ou curá-los.

O estudo do DesinfoPop identificou 175 supostos danos atribuídos às vacinas sem qualquer comprovação ou fonte confiável. O boato mais comum reproduzido nesses grupos é o de que alguns imunizantes provocariam morte súbita. Essa mentira esteve presente em 15,7% (234 mil) de todas as mensagens que mencionam vacinas nas comunidades da América Latina e do Caribe.

Há, também, outras teorias da conspiração, como a que diz que as vacinas alterara o código genético, provocam infecção por HIV, envenenam, desenvolvem câncer — ou de um "câncer turbo", como dizem algumas publicações mentirosas —, provocam aborto espontâneo ou são vetores para injeções de microchips.

O estudo também mapeou 80 substâncias, produtos ou práticas difundidas como "antídotos". Em geral, essas "soluções" misturam pseudociência, espiritualidade e produtos pagos. A prática mais comum (2,2% do total compartilhado) foi a do "aterramento", que consiste em andar descalço para, segundo os conspiracionistas, "limpar as energias do corpo". 

Há também diversos tipos de substâncias postas à venda, inclusive prejudiciais à saúde, como o dióxido de cloro, vendido como uma "solução mineral milagrosa". A ivermectina — amplamente defendida por Bolsonaro e seus apoiadores como antídoto à COVID-19 na pandemia — também é citada em mensagens como um "detox vacinal".

Outras substâncias comercializadas em grupos de teorias da conspiração prometem remover "metais" da vacina, "limpar células", expelir toxinas, bloquear "radiações vacinais" e fazer "limpezas espirituais e físicas".

"Essa fusão discursiva cria o que chamamos de pseudocausalidade científica: uma retórica que simula coerência técnica para gerar pânico moral. O resultado é um mercado paralelo de curas milagrosas e terapias alternativas que transforma o pânico em economia. O fenômeno é amplificado por influenciadores autodeclarados 'especialistas', que monetizam a desinformação e reforçam a ideia de que a ciência 'mainstream' estaria capturada por interesses ocultos", diz o estudo.

O levantamento também identificou uma integração entre comunidades. Os pesquisadores encontraram textos idênticos sobre soluções milagrosas para supostos problemas em vacinas em comunidades de países diferentes.

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Nas brasileiras no Telegram, por exemplo, é comum encontrar textos traduzidos publicados em grupos antivax estrangeiros.

Com a mudança de governo, o Ministério da Saúde voltou a organizar campanhas de vacinação e a divulgá-las em meios de comunicação de massa. Mas o impacto da desinformação nos últimos anos ainda é visível.

O estudo apontou que, ao menos no Telegram, o volume de conteúdos antivacina diminuiu, mas nunca retornou ao patamar pré-pandêmico: em 2025, ainda circulam 122,5 vezes mais conteúdo antivax nas comunidades do que em 2019.

 

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