O ano era 1983. A professora primária, mãe de quatro filhos e dona de casa Lúcia Pacífico ouviu no rádio um chamamento do então diretor do Programa de Proteção e Defesa do Consumidor (Procon-MG) convocando a população a reagir contra os abusos praticados no comércio. Naquele ano, a inflação ultrapassava 160% ao ano, e itens básicos como arroz e feijão tornavam-se inacessíveis para muitas famílias. Nasceu ali uma história de luta que mudaria os rumos do Brasil. Lúcia Pacífico morreu na tarde de quinta-feira (18/12). 

“Foi um estalo”, contou Lúcia anos depois em entrevista à revista Época, em 2018. Indignada com o desrespeito aos consumidores, com produtos estragados e falta de higiene nos estabelecimentos, ela decidiu “botar a boca no trombone”. Ao lado de uma amiga, reuniu um grupo inicial de 12 mulheres em um salão paroquial de Belo Horizonte. Nascia ali o Movimento das Donas de Casa de Minas Gerais, que mais tarde se tornaria o Movimento das Donas de Casa e Consumidores de Minas Gerais.  

O movimento cresceu rapidamente e se organizou como uma grande rede de fiscalização popular. Cada participante convidava outras dez mulheres, formando um verdadeiro “exército de fiscais”, muito antes da existência da internet. Munidas de pranchetas, elas percorriam supermercados para pesquisar preços e divulgar, semanalmente, listas na imprensa, estimulando a concorrência e pressionando comerciantes a reduzir valores.

A atuação nas ruas, no entanto, vinha acompanhada de resistência e machismo. “Os comerciantes diziam que éramos desocupadas e que deveríamos ficar cuidando dos filhos em casa”, relembrou Lúcia em entrevistas. Homens gritavam frases ofensivas, como “vai esquentar o umbigo no fogão”. Em casa, muitas enfrentavam a incompreensão dos próprios maridos — o esposo de Lúcia chegou a chamar o grupo de “movimento das donas fora de casa”. Para conciliar a militância com a maternidade, ela frequentemente levava os filhos para as fiscalizações.

Lúcia Pacífico foi fundadora do Movimento das Donas de Casa e Consumidores de Minas Gerais e uma das criadoras do Código de Defesa do Consumidor

Beto Magalhaes/EM (15/06/2012)

Durante o Plano Cruzado, em 1986, quando o governo José Sarney congelou os preços e divulgou a tabela da Sunab (Superintendência Nacional do Abastecimento), as donas de casa ficaram conhecidas nacionalmente como os “fiscais do Sarney”. Com megafones nas portas dos supermercados, denunciavam abusos e pressionavam pelo cumprimento da lei. “Éramos todas fiscais. Não fechamos supermercados, mas chegamos a fechar um açougue que não respeitava a tabela”, contou.

Da rua à Constituição

A mobilização ganhou dimensão nacional e inspirou movimentos semelhantes em outros estados. Em 1988, sob a liderança de Lúcia Pacífico, o MDC coordenou uma campanha histórica que reuniu cerca de 390 mil assinaturas, uma das maiores emendas populares da Assembleia Nacional Constituinte. O resultado foi a inclusão da defesa do consumidor na Constituição Federal, marco fundamental para a cidadania no Brasil.

Outra bandeira central foi o reconhecimento do trabalho doméstico. O movimento lutou para que as donas de casa pudessem contribuir para o INSS e garantir o direito à aposentadoria — uma conquista simbólica foi ver a primeira mulher a se aposentar nessa condição ser associada ao MDC.

Lúcia também participou da elaboração do primeiro projeto de lei que deu origem ao Código de Defesa do Consumidor, além de defender, ao longo da vida, a atualização da legislação frente a novos desafios, como o comércio eletrônico e o superendividamento.

Com a estabilização econômica após o Plano Real, o MDC/MG redirecionou a atuação. A fiscalização de preços deu lugar a um trabalho intenso de educação para o consumo, conscientização cidadã e orientação jurídica. Projetos como o Cadastro de Prestadores de Serviço, que indicava profissionais confiáveis para pequenas obras e reparos, e o Consumidor Mirim, voltado à formação de crianças, tornaram-se referências.

Técnica em Odontologia Social e Preventiva pela Escola de Saúde Pública de Minas Gerais, Lúcia também coordenou programas de saúde bucal na rede pública estadual. Ao longo da carreira, integrou conselhos e comissões de relevância nacional, como os conselhos de consumidores da Cemig e da Telemar, o Inmetro, a Funasa e o Fórum Nacional das Entidades Civis de Defesa do Consumidor.

Até idade avançada, seguiu ativa no movimento que ajudou a fundar, defendendo consumo consciente, sustentabilidade e a modernização do Código de Defesa do Consumidor. Para ela, os direitos do consumidor eram, acima de tudo, direitos de cidadania. “Quando as pessoas se unem, fica muito mais fácil ultrapassar as dificuldades”, disse em participação no programa da TV Horizonte.

Lucia Pacifico Homem, presidente do MDC-MG (Movimento das Donas de Casa de Minas Gerais), fazia levantamento de precos e verificação de peso identificado nas embalagens de produtos em supermercados

EM / DA Press Paulo Filgueiras (22/08/2001)

Política institucional 

Com o exemplo do pai, que foi prefeito de São Gotardo, Lúcia Pacífio participou da política. Ela foi vereadora em Belo Horizonte por dois mandatos, período em que elaborou 28 leis municipais ainda em vigor. Na Câmara Municipal, integrou comissões estratégicas, como as de Direitos Humanos e Defesa do Consumidor, e foi vice-presidente da Casa entre 2001 e 2002.

Ela também foi deputada estadual entre 2003 e 2007. Na ALMG, atuou ao lado do então deputado João Leite, com quem dividiu pautas ligadas à defesa do consumidor e à preservação ambiental.

Ao Estado de Minas, ele contou que a dedicação da então parlamentar era integral e inegociável. “Tive uma relação muito legal com a Lúcia. Em todos os momentos em que estive próximo dela, era possível perceber que ela não pensava em outra coisa. Sempre aparecia uma ideia, um gesto de lealdade absoluta ao pensamento da defesa dos consumidores. Foi uma excelente deputada, e eu tinha um carinho muito grande por ela”, afirmou.

Cercadinho

Um dos trabalhos conjuntos mais marcantes foi a luta pela preservação do manancial do Cercadinho, responsável pelo abastecimento de água de diversos bairros de Belo Horizonte. À época, segundo Leite, havia um risco concreto de comprometimento da área por conta do avanço imobiliário.

“Identificamos uma demanda enorme para lutar pela permanência dos últimos 2% de água do município de Belo Horizonte. Vimos claramente o risco ao manancial do Cercadinho, que é muito importante. Estudamos o tema, e a Lúcia foi a primeira signatária da legislação de proteção do manancial e da criação da estação ecológica”, relembrou.

A defesa ambiental, assim como a do consumidor, nunca foi uma pauta confortável. “A vida dela era sempre um desafio, porque muitas pessoas não gostavam da ação dela. Ela era radical na defesa do consumidor, e isso incomodava. Mas eu nunca vi a Lúcia desanimar ou voltar atrás”, afirmou João Leite. 

Apesar dos avanços, relatava o desconforto com o machismo no ambiente político. “Eu era um peixe fora d’água”, disse à TV Horizonte, ao lembrar dos questionamentos sobre o que “uma dona de casa” fazia naquele espaço. Com o tempo, decidiu retornar ao terceiro setor, onde acreditava ser possível transformar a realidade de forma mais direta.

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De acordo com o delegado, as empresas envolvidas no esquema respondem por crime contra a economia popular, crime contra o consumidor, crime contra a propriedade imaterial, associação criminosa e contravenção de jogo de azar. Freepik
Segundo a polícia, as máquinas apreendidas seriam destinadas a shoppings em diferentes bairros do Rio. Lugares que inspiram confiança. Reprodução TV Globo
Além disso, foram apreendidos aparelhos de celular, computadores e documentos. Uma arma foi encontrada em um galpão. Reprodução de vídeo TV Globo
Na primeira fase da operação foram apreendidas não só as máquinas como uma imensa quantidade de bichos de pelúcia. Reprodução TV Globo
“O sucesso do jogador, na verdade, está muito mais ligado à sorte de jogar no momento em que o contador permite a captura”, disse o delegado na época. Reprodução de vídeo TV Globo
A investigação apontou, portanto, que as máquinas integram um esquema fraudulento para enganar os consumidores, que pensam depender apenas de sua habilidade para capturar os brinquedos. Pixabay
O sistema tinha sido programado para que somente após uma certa quantidade de tentativas a máquina liberasse a potência necessária para a garra eletrônica agarrar um bicho de pelúcia. Antes disso, não havia pressão suficiente. FREEPIK
O exame descobriu que as máquinas possuíam uma espécie de contador de jogadas que regulava a intensidade da corrente elétrica. Reprodução TV Globo
De acordo com a perícia, a programação das máquinas examinadas tinha sido feita de tal maneira que o jogador só conseguia capturar um boneco após um certo número de tentativas. Freepik
Peritos do Instituto de Criminalística Carlos Éboli (ICCE) examinaram as máquinas apreendidas e constataram haver adulteração nos equipamentos. Freepik
A ação fez parte da Operação Mãos Leves 2, que apura a atuação de quadrilhas na exploração de máquinas de pelúcia falsificadas. Meses antes, a polícia tinha apreendido máquinas na primeira fase da Operação. Freepik
Na operação, foram alvo endereços na cidade do Rio de Janeiro, em municípios da Baixada Fluminense e também em Santa Catarina - neste último caso, com a ajuda das autoridades policiais do estado do sul do país. Reprodução de vídeo TV Globo
No dia 28 de agosto de 2024, por exemplo, a Polícia Civil cumpriu mandados de busca e apreensão em locais ligados a empresas acusadas de prática criminosa contra o consumidor. Reprodução de vídeo TV Globo
Uma das atividades que costumam ser investigadas pela Delegacia de Repressão aos Crimes Contra a Propriedade Imaterial é a instalação de máquinas de bichos de pelúcia. Reprodução de vídeo TV Globo
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