Prefeito de Mariana sobre decisão inglesa: ‘Seguimos com esperança’
Após a responsabilização da BHP, em Londres, Juliano Duarte espera que na segunda fase do processo, o município receba uma indenização justa para os prejuízos
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Pouco mais de uma semana após a decisão do Tribunal Superior de Justiça da Inglaterra e País de Gales, que responsabilizou legalmente a BHP pelo rompimento da Barragem do Fundão, em Mariana, o prefeito do município, Juliano Duarte, diz que recebeu a decisão, mais de 10 anos depois da tragédia, com um misto de alívio, alegria e esperança de que os municípios atingidos possam, enfim, receberem o ressarcimento justo pelos prejuízos causados pela destruição da lama de rejeito.
“Infelizmente, no Brasil não fomos ouvidos. Seguimos com esperança nessa segunda fase do processo que vai iniciar em 2026, que é a quantificação de valores que cada município e pessoas físicas e jurídicas vão receber ", afirma.
Após a decisão da Corte Inglesa, Duarte diz que o município vai entrar com pedido na Justiça Inglesa, requerendo o valor a que tem direito no Brasil, determinado pelo acordo homologado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), em outubro do ano passado.
“Esse valor é incontestável e incontroverso. E os valores que temos direito de receber por todo o prejuízo causado no município vamos discutir nesse segundo momento do processo que se inicia em 2026. Nossa expectativa é que, dentro de 1 ano e meio, essa decisão venha a ser publicada e vamos conseguir um valor muito acima do que foi oferecido no Brasil”, destaca.
Não adesão ao acordo no Brasil e prejuízos
Mariana é um dos 23 municípios atingidos pelo rompimento da barragem que decidiram não aderir ao acordo de repactuação proposto pelo governo federal, e preferiram seguir com a ação na Justiça Inglesa.
“Lideramos esse movimento, junto aos prefeitos que não assinaram porque, infelizmente, os prefeitos não foram ouvidos. Não fomos chamados para sentar à mesa e dialogar no acordo de repactuação. Depois de dez anos, quando os municípios, finalmente, esperavam que uma justiça fosse feita, não fomos ouvidos”, reclama.
O prefeito diz que apenas 4% do valor total da repactuação no Brasil foi oferecido para as 49 cidades atingidas. Mariana, o município mais atingido e impactado diretamente, receberia menos de 1% do valor do acordo.
“O governo federal ficou com R$ 50 bilhões e o governo do estado com R$ 27 bilhões. Mariana ficaria com cerca de R$ 1,2 bilhão a serem pagos em 20 anos, uma parcela por ano. Demorou nove anos para acontecer a repactuação no Brasil e ainda querem nos pagar em 20 anos. Resumindo, a prefeitura vai receber um direito que é líquido, certo e imediato em 29 anos. Por esse motivo, Mariana não assinou e segue em busca da Justiça Inglesa ", desabafa.
Segundo Duarte, o município teve uma queda de arrecadação de quase 70% após o rompimento da barragem, com a suspensão da mineração, demissões, impactos no comércio e paralisação de obras. “Foi um cenário muito difícil que a gestão municipal passou, com aumento de demanda no serviço público e queda de receita.” Ele acredita que um valor justo para reparação seria de R$ 10 bilhões. “O município está aberto a negociações. Não queremos ficar brigando na Justiça com as empresas a vida inteira. Mas não vamos aceitar valores como foram oferecidos no Brasil”.
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Decisão da Justiça Inglesa
Em 14 de novembro, a BHP foi considerada legalmente responsável pelo rompimento da Barragem do Fundão, em Mariana, pelo Tribunal Superior de Justiça da Inglaterra e País de Gales (High Court of Justice). A mineradora inglesa e australiana é sócia da brasileira Vale no controle da mineradora Samarco, operadora da barragem do Fundão.
As prefeituras que estão no processo também foram consideradas aptas a participar da ação. É a primeira vez que uma das mineradoras envolvidas no rompimento é considerada responsável em todos os pontos. A mineradora vai recorrer da decisão.
Com o reconhecimento da responsabilidade da BHP o processo avança para a fase de quantificação dos danos a serem indenizados.
A mineradora foi considerada direta e/ou indiretamente responsável pela atividade da Samarco de possuir e operar a Barragem de Fundão. Também teve reconhecida a responsabilidade culposa baseada em conduta negligente, imprudente ou imperita, nos termos do Artigo 186 do Código Civil.
Segundo entendimento da corte inglesa, o colapso do dique era previsível e a BHP deveria ter ciência dos sérios problemas de drenagem e estabilidade da estrutura desde agosto de 2014.
A BHP informou, por meio de nota, que pretende recorrer da decisão da corte britânica e "reforça o compromisso da BHP Brasil com o processo de reparação no Brasil e com a implementação do Novo Acordo do Rio Doce".
Rompimento e processo na Justiça
A barragem do Fundão se rompeu há 10 anos, em 5 de novembro de 2015, deixando 19 mortos e mais de 2 milhões de atingidos na bacia do Rio Doce entre Minas Gerais e o litoral do Espírito Santo.
A primeira fase do julgamento na Inglaterra aconteceu entre outubro de 2024 e março de 2025. O tribunal ouviu testemunhas, especialistas jurídicos e técnicos sobre as alegações de responsabilidade da BHP e sobre fatos relacionados. Foram sete testemunhas nomeadas pela mineradora e oito peritos — quatro indicados pelos autores e quatro pelos réus.
A segunda fase do processo, deve ter início em outubro de 2026 e pretende determinar a extensão total dos danos causados pelo rompimento e a relação causal entre o desastre e as perdas sofridas pelos atingidos, para então calcular a indenização devida a cada um.
O rompimento da estrutura despejou 40 milhões de metros cúbicos de lama e rejeitos de minério de ferro na bacia do Rio Doce. A barragem estava situada na Mina de Germano e era operada pela Samarco, empresa controlada pelas mineradoras Vale e BHP
No total, 700 mil pessoas - entre ribeirinhos, indígenas, quilombolas, pescadores, garimpeiros, agricultores e outros - foram diretamente impactadas em 46 cidades diferentes de Minas Gerais ao Espírito Santo.
A tragédia matou 19 pessoas e um corpo ainda continua desaparecido. A contaminação se estendeu por 675 km ao longo dos leitos, margens, remansos e áreas contíguas aos rios Gualaxo do Norte, do Carmo e Doce.
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Equipes removeram 11 toneladas de peixes mortos e a pesca foi suspensa. O abastecimento de milhares de pessoas foi comprometido até em cidades maiores como Resplendor (MG), Governador Valadares (MG), Baixo Guandu (ES) e Colatina (ES).
(Com informações de Mateus Parreiras)