'Ganância e crueldade': idosa trabalhava 24 horas por dia sem remuneração
Mulher de 74 anos dormia em um quarto minúsculo e mal tinha roupas. Ela foi resgatada em Ubá, na Zona da Mata mineira
compartilhe
SIGA
O Ministério do Trabalho resgatou, na última terça-feira (14/10), uma mulher de 74 anos submetida a condições análogas à escravidão por uma família de Ubá, na Zona da Mata mineira. Apesar da idade avançada e do estado de saúde debilitado, ela era responsável por todas as tarefas domésticas e ainda cuidava da dona da casa, também idosa. A situação só veio à tona após a morte da empregadora, quando a denúncia chegou às autoridades. Os filhos dela responderão judicialmente pelo crime.
Segundo Carlos Calazans, superintendente do Ministério do Trabalho e Emprego de Minas Gerais, a idosa resgatada chegou à casa da família em 1999, com a promessa de um emprego como empregada doméstica. “Fazia todo o serviço e, para isso, recebia apenas alguns trocados. Até 2020, o valor girava em torno de meio salário mínimo, mas, desde então, não recebeu mais nada”, disse.
Nos últimos cinco anos, além do trabalho doméstico, ela cuidava da empregadora, servindo-a quase ininterruptamente.
Leia Mais
Conforme as denúncias feitas ao Ministério do Trabalho, a funcionária nunca teve direito a férias nem ao 13º salário. Dormia em um quarto minúsculo, onde mal cabia sua cama, e descansava, inclusive, em frente à patroa para poder vigiá-la. Muitas vezes, era acordada durante a madrugada para atendê-la — o que, segundo Calazans, é um padrão nesses casos. “Não existe feriado ou fim de semana, apenas servidão”, detalhou.
Leia Mais
Ainda segundo as denúncias, ela mal tinha roupas, não podia sair para fazer compras ou se distrair, e não mantinha contato com a família nem qualquer vida social. Na casa, viviam apenas as duas – a dona da casa foi abandonada pelos filhos e deixada apenas aos cuidados da idosa. Devido ao regime de trabalho abusivo, a vítima já não podia cuidar de si própria.
O caso está sob investigação e vai ao Judiciário, por isso, os dados pessoais dos envolvidos estão sendo mantidos em sigilo. A família pertence à classe média e possui boa condição financeira. Segundo o superintendente, a idosa terá direito à indenização e, com a morte da mãe, os filhos serão responsabilizados.
Família da vítima é procurada
As autoridades estão à procura da família da vítima. Ela será encaminhada para uma casa de proteção, passará a receber seguro-desemprego e receberá proteção, com ajuda do Ministério Público do Trabalho e da Prefeitura de Ubá. “Nesse momento, vamos ajudá-la a cuidar da saúde. Ela será encaminhada para uma bateria de exames, acompanhamento psicológico e cuidados do setor social. A parte mais delicada é a ressocialização. Ela viveu assim durante grande parte da vida, e se recolocar no mundo será uma tarefa difícil”, disse o superintendente.
De acordo com o Ministério do Trabalho e Emprego de Minas Gerais, o estado tomará providências para dar entrada na aposentadoria que a senhora ainda não recebe. “Há uma dificuldade para falar sobre o tema (com a idosa), devido à humilhação causada por essa situação. A pessoa é muito, muito, muito humilde e oprimida”, detalhou.
“Precisamos do apoio da sociedade”, apelou Calazans. Questionado sobre por que esse crime ainda é tão comum, ele respondeu: “eu atribuo tudo isso a duas coisas: ganância e crueldade. A necessidade de obter lucro à custa de outras pessoas”, completou.
Grande número de casos
As pessoas recrutadas para trabalhos análogos à escravidão frequentemente apresentam vulnerabilidades sociais, como problemas familiares ou situação de abandono. Com o tempo, estabelecem uma rotina no ambiente e passam a considerar essa condição como parte de sua vida.
Entre as características desse tipo de trabalho estão baixa ou nenhuma remuneração, negação de direitos, ausência de vínculo empregatício e jornadas exaustivas que podem ultrapassar dezesseis horas consecutivas. Também são comuns as condições precárias de alojamento, higiene e alimentação.
Siga nosso canal no WhatsApp e receba notícias relevantes para o seu dia
“Os vizinhos, muitas vezes, não percebem o que está acontecendo; geralmente há denúncias de parentes ou amigos que visitam (as vítimas) e percebem a situação. Quero aproveitar para dizer que todo mundo que visitar um sítio, uma casa, e perceber algo parecido, denuncie. Muitas dessas denúncias têm veracidade. E, aparentemente, foi o que aconteceu nesse caso”, disse o superintendente.
O número para denúncia por telefone é 100.