No Insetário da prefeitura de BH, o primeiro construído por um município no país com recursos próprios, é feita a multiplicação dos mosquitos -  (crédito: Prefeitura de BH/Divulgação)

No Insetário da prefeitura de BH, o primeiro construído por um município no país com recursos próprios, é feita a multiplicação dos mosquitos

crédito: Prefeitura de BH/Divulgação

Em meio a uma epidemia de dengue que se anuncia como a pior da história no estado, Belo Horizonte aposta na tecnologia como uma das armas para tentar controlar e prevenir o alastramento da doença na cidade. Entre as ações complementares está o método que consiste na liberação de mosquitos Aedes aegypti portadores de Wolbachia, uma bactéria encontrada na natureza e que não pode ser transmitida para humanos ou animais. Os mosquitos que carregam esse micro-organismo têm capacidade reduzida de transmitir arboviroses, como dengue, zika ou chikungunya, diminuindo o risco de disseminação.


O objetivo é que, quando liberados no ambiente, os mosquitos portadores se reproduzam com os Aedes aegypti locais, estabelecendo, aos poucos, uma nova população de insetos com Wolbachia, até que a porcentagem deles permaneça alta, sem a necessidade de novas liberações.


Os mosquitos com a bactéria são produzidos no Insetário da Prefeitura de Belo Horizonte (PBH), com a tecnologia, orientação técnica e controle de qualidade do World Mosquito Program (WMP) e da Fiocruz-Minas. De acordo com a PBH, o município é um dos pioneiros na implantação dessa tecnologia, e foi o primeiro do país a ter um insetário próprio, construído com recursos da administração municipal.


As solturas começaram em 2020, e somente em 2023 foram liberados mais de 31 milhões de mosquitos. Ainda de acordo com a PBH, eles são coletados periodicamente e enviados para triagem e análise nos laboratórios da Fiocruz, onde se avalia se estão com a Wolbachia.

Soltura de mosquitos

O diretor de Zoonoses da Secretaria Municipal de Saúde, Eduardo Viana, explica que, a partir do momento em que a biofábrica ficou pronta, a definição foi que a soltura aconteceria em etapas. “A primeira fase seria de aprendizado sobre a técnica. Era algo novo, e teríamos que ensinar para as equipes de campo e perceber como seria a aceitação, por parte da população.”

A área escolhida para a primeira liberação estava na regional Venda Nova, por ter uma situação de risco, envolvendo três centros de saúde: Piratininga, Jardim Leblon e Copacabana, segundo Viana.

Ele ressalta que o projeto-piloto prevê um respeito grande à população. “Antes da soltura, fizemos uma pesquisa pré-engajamento, com estratégias de comunicação para saber se a população conhecia o método.” Depois, de acordo com o diretor, moradores foram orientados e houve uma pesquisa para saber se a soltura dos mosquitos seria autorizada. “Foi muito positiva a aceitação. Eles entenderam que era uma ferramenta que ajudaria na redução da ocorrência de doenças.”

Viana destaca que, à primeira vista, pode ser uma lógica difícil de compreender. “Estou soltando mosquitos e, paralelamente, tudo o que se falava era que tinha que combater... Agora eu libero, esperando que reduza a doença.”

A fase de monitoramento

As liberações dos insetos continuaram a acontecer ao longo de 2021, em uma segunda fase, como parte de um estudo clínico randomizado, conduzido pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e apoiado pela Universidade de Emory, dos Estados Unidos.

“Esse estudo prevê áreas de liberação de controle, onde fazemos só o que é determinado pelo Ministério da Saúde, e áreas de intervenção, onde, além das atividades que o ministério preconiza, tínhamos também a liberação de mosquitos com Wolbachia”, explica.

Ele ressalta que a prefeitura não é informada sobre quais áreas foram escolhidas para ser de controle e quais seriam as de intervenção. “Para que não pudéssemos intervir nas áreas de forma diferenciada”, afirma Eduardo Viana

O estudo tem previsão de término para o ano que vem. “É preciso que haja uma circulação importante nos vírus da dengue e chikungunya para que se faça a comparação. Nos anos anteriores, depois de 2020, a circulação desses vírus foi muito mais baixa. Poderia haver também uma diferença pela baixa circulação.”

A estratégia prevê a soltura de mosquitos portadores durante 16 a 20 semanas, de forma ininterrupta, e um acompanhamento permanente da presença dos insetos. Em outubro do ano passado, teve início a terceira fase, chamada de expansão. Depois de delimitadas as áreas da fase dois, Viana conta que ainda havia corredores – em bairros que não participaram do estudo randômico. Assim, foram liberados mais mosquitos nessas áreas. A última soltura terminou em dezembro do ano passado. Agora, esses locais também estão em fase de monitoramento para saber se será necessário espalhar mais insetos.

Análise e resultados

A análise do estudo clínico randomizado deve ser feita no decorrer deste ano para provável publicação dos resultados entre 2025 e 2026, segundo o diretor de Zoonoses. “Nossa intenção é perceber se há diferença no adoecimento de pessoas em uma área com a presença de mosquitos com Wolbachia em comparação com pessoas nas áreas sem a bactéria. A análise é feita por exame de sangue. A proposta do projeto é fazer coletas sistemáticas de sangue dessas pessoas para ver se elas vão desenvolver algumas doenças, por uma reação orgânica.”

Ele diz que o que se espera, agora, neste período de maior transmissão, é fazer uma comparação. “Houve diferença significativa em áreas com liberação de Wolbachia ou não? As pessoas nessas áreas tiveram contato com o vírus assim como as de áreas sem a liberação dos mosquitos com a bactéria?”

Viana explica que em BH, o estudo clínico está sendo desenvolvido em voluntários em idade escolar da rede municipal de ensino. “São pessoas que se movimentam menos na cidade. Elas moram próximo da escola. Diferente do adulto, que se movimenta mais, acaba indo trabalhar ou estudar em outra regional e isso dificulta delimitar a área. Já a movimentação das crianças é bem menor.”

Ele afirma que a aposta nessa ferramenta acontece porque, em outros lugares do mundo, já ocorreram resultados que mostram sua eficácia. “Finalizado o estudo, imediatamente, temos o compromisso com a população da área de controle de fazermos a liberação de mosquitos lá. Depois, vamos percorrendo todo o território, obviamente, tendo os resultados positivos. É uma ferramenta que incorporamos ao nosso arsenal de atividades.”

O diretor, porém, frisa que, independentemente da soltura de mosquitos com Wolbachia, a população não pode parar de combater o Aedes aegypti. “É uma ação complementar.”
O cenário na epidemia

O número maior de casos registrados neste início de ano também não influencia o cronograma do estudo, segundo ele. “Continuamos as atividades rotineiras de controle, a intensificação. Terminado o estudo, vamos poder fazer a complementação da liberação dos mosquitos (em todas as áreas).” Com resultados positivos, a expectativa é ter cada vez menor ocorrência de casos de dengue em BH.

O diretor prevê ainda que, no futuro, a biofábrica possa ajudar os outros municípios da Grande BH, aumentando a proteção da população para as doenças relacionadas ao Aedes aegypti.

Viana reforça ainda que a Wolbachia é uma bactéria presente na natureza, não há modificação genética. “Fazemos a reprodução do mosquito, naturalmente infectado com a Wolbachia. Dentro do laboratório, aumentamos essa colônia e desses cruzamentos só nascem mosquitos com Wolbachia. Esse método não envolve qualquer modificação genética do vetor Aedes aegypti”, explica.

FÁBRICA NA REGIÃO OESTE

Em março de 2023, o governo de Minas anunciou para o mês seguinte o início das obras da Biofábrica Wolbachia. A previsão é que a construção seja concluída em maio deste ano. A unidade para controle das arboviroses deverá funcionar no Bairro Gameleira, Região Oeste da capital, e tem valor estimado de construção de mais de R$ 20 milhões. O custo está previsto no Acordo Judicial firmado com a Vale, em razão dos danos provocados pelo rompimento da barragem de Brumadinho, em 2019. Autoridades do governo estadual irão visitar as instalações da fábrica na tarde desta segunda-feira (26/2).

De acordo com o Executivo estadual, em um primeiro momento, a planta vai atender 22 municípios da Bacia do Rio Paraopeba (Betim, Brumadinho, Cachoeira da Prata, Caetanópolis, Curvelo, Esmeraldas, Felixlândia, Florestal, Fortuna de Minas, Ibirité, Igarapé, Juatuba, Maravilhas, Mário Campos, Papagaios, Pará de Minas, Paraopeba, Pequi, Pompéu, São Joaquim de Bicas, São José da Varginha e Três Marias).
Porém, posteriormente, a ideia é estender essa tecnologia para todo o estado. Os trabalhos na biofábrica serão conduzidos pela Secretaria de Estado de Saúde, em parceria com a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e o World Mosquito Program (WMP) – iniciativa internacional que atua na proteção das pessoas contra doenças transmitidas pelo Aedes aegypti. 

BALANÇO DA DOENÇA

Minas Gerais contabiliza 32 mortes por dengue e outros 166 óbitos estão em investigação. Ao todo, o estado possui 99.035 casos confirmados da doença, e outros 286.002 prováveis. Os dados são do painel de monitoramento de casos, elaborado pela Secretaria de Estado de Saúde (SES). Em BH, segundo dados da prefeitura, são sete mortes, 6.338 casos confirmados e 23.923 em investigação.

Niterói colhe resultados

Em meio à disparada de casos de dengue pelo país, Niterói, no Rio de Janeiro, mantém níveis comparativamente baixos da doença, situação que, segundo a prefeitura, é resultado de trabalhos de prevenção e do chamado método Wolbachia, que começou a ser implementado em 2015. No ano passado, o município se tornou o primeiro no Brasil com 100% do território coberto. Segundo a Secretaria de Saúde local, os números apontaram redução gradativa nas arboviroses, queda que chegou a cerca de 70% nos casos de dengue, 60% de chikungunya e 40% de zika nas áreas onde houve a intervenção na cidade. (Com Agência Brasil)