Saia masculina rompe padrões e chega ao horário nobre da TV
Exibição de personagem usando saia em novela da TV aberta marca nova fase da moda sem gênero e amplia debate sobre expressão e identidade
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A saia masculina, por muito tempo restrita às passarelas e bastidores do universo fashion, acaba de ganhar um novo palco: o horário nobre da televisão brasileira. Ao ser exibida no figurino do personagem Tiago na novela "Vale Tudo", da Rede Globo, a cena, além de movimentar as redes sociais no mês de julho, rompeu barreiras de cultura e gênero. A avaliação é da stylist e psicóloga Marcia Jorge, que atua no mercado desde 1998, e já assinou figurinos para marcas como Grupo Boticário, Avon e Coca-Cola.
Para a especialista, a presença da saia em um produto de comunicação de massa representa um divisor de águas. "Quando uma história chega a uma novela de alcance nacional, é porque ela já não pertence mais apenas ao círculo da moda. Ela está acontecendo. Gera polêmica, claro, mas também amplia a permissão social para outras pessoas adotarem esse visual", afirma.
Moda como linguagem e ferramenta cultural
A inclusão de peças tradicionalmente associadas ao vestuário feminino em personagens masculinos da teledramaturgia reflete transformações mais amplas no comportamento de consumo e na percepção da moda pelo grande público. "A moda é movida a permissões. Quando você vê algo sendo usado em uma novela da Globo, por exemplo, aquilo ganha uma chancela simbólica. As pessoas sentem que agora 'podem' usar", analisa.
O conceito de moda sem gênero não é exatamente novo. Já nas décadas de 1990 e 2000, nomes consagrados como Jean-Paul Gaultier, Saint Laurent e Tom Ford desafiaram as convenções binárias do vestuário, incluindo saias em coleções masculinas. A partir de 2010, o termo genderless passou a ganhar força no vocabulário da indústria, com marcas brasileiras como João Pimenta cultivando a proposta com naturalidade.
Mesmo antes da recente popularização, Marcia acompanhava o uso da peça nos bastidores da moda. "Trabalhei com fotógrafos e maquiadores que usavam saias incríveis. Danilo Borges, por exemplo, sempre aparecia com modelos lindíssimos. Eu ficava enlouquecida, porque é esteticamente impactante", recorda. Mas é fora desse circuito restrito que, segundo ela, acontece a verdadeira revolução. "A moda só transforma quando atinge o coletivo", completa.
A importância da representatividade na ficção
A stylist traça um paralelo com outros marcos da cultura visual brasileira. "A primeira vez que viram Leila Diniz grávida de biquíni foi um escândalo, mas aquilo abriu caminho para que outras mulheres se sentissem no direito de fazer o mesmo. Com a saia masculina, o processo é semelhante. A visibilidade ajuda a derrubar o preconceito".
"Não se trata de algo que será adotado por todo mundo, mas de um sinal de que há espaço para a autenticidade. O personagem expressa uma verdade estética, e isso tem tudo a ver com o processo de caracterização", comenta.
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Embora reconheça que o tema ainda encontre resistência, especialmente fora dos grandes centros urbanos, Marcia Jorge acredita que o debate está mais amadurecido. "Hoje falamos de identidade, liberdade de expressão e autonomia estética. A moda tem esse poder de dar nome, corpo e imagem a discussões que muitas vezes ainda não têm espaço em outros campos", conclui.
*Estagiária sob supervisão da subeditora Juliana Lima