A decisão de Luiz Felipe Torrent de investir em acessibilidade no Grumo Café tem a ver com a própria experiência: ele é portador de TDAH -  (crédito: Jair Amaral/EM/D.A Press)

A decisão de Luiz Felipe Torrent de investir em acessibilidade no Grumo Café tem a ver com a própria experiência: ele é portador de TDAH

crédito: Jair Amaral/EM/D.A Press

Apesar da riqueza gastronômica de Belo Horizonte, a acessibilidade e a inclusão para pessoas com deficiência (PcDs) e neurodivergentes ainda são desafios enfrentados na busca por lugares para desfrutar de uma boa refeição na capital mineira. A escassez de espaços adaptados para receber melhor esses grupos, e que compreendem as necessidades específicas de cada um, contribui para a exclusão social e limita as experiências de lazer e convívio.


A artista e jornalista Brisa Marques, de 38 anos, tem mobilidade reduzida e conta que um erro sempre notado é a falta de interesse dos lugares e de seus proprietários em torná-los espaços verdadeiramente acessíveis. “A cultura do acesso ainda é pouquíssimo praticada na vida social da nossa cidade. Infelizmente, ainda vivemos num mundo em que as barreiras para uma convivência entre corpos diversos são enormes.”


A ausência de rampas de acesso, banheiros adaptados, atendimento capacitado e estrutura adequada para cadeiras de rodas são apenas alguns dos obstáculos enfrentados por pessoas com deficiência ao tentar usufruir da cena gastronômica em BH.


A bancária Lecir Andreia Magalhães, de 50 anos, também conta sua experiência como PcD. “Os estabelecimentos não têm mesas mais largas ou mais baixas, onde o cadeirante pode se sentir confortável. Às vezes, na hora de pagar a conta, o caixa também não é acessível, a máquina do cartão não sai do lugar e não tem como enxergar para digitar a senha do cartão.”


Para os neurodivergentes, como pessoas com transtorno do espectro autista (TEA) e transtorno do déficit de atenção com hiperatividade (TDAH), os desafios são igualmente significativos. Ambientes barulhentos, super estimulantes ou pouco estruturados podem tornar difícil desfrutar de uma refeição com conforto.


Alguns espaços gastronômicos se destacam por seus esforços em promover inclusão e acessibilidade. Um deles é o Grumo Café, inaugurado em 2022 em uma casa de 1935, tombada pelo Patrimônio Histórico Municipal, no Bairro Santo Agostinho, Região Centro-Sul da capital. A peça-chave do negócio é o empenho e a vontade de acolher.


O fundador, Luiz Felipe Torrent, conta que a decisão de priorizar a acessibilidade no café surgiu antes mesmo de abri-lo, quando recebeu o diagnóstico de TDAH. Assim como Brisa e Lecir, ele compartilha o sentimento da falta de atenção e cuidado com grupos que têm sido, sistematicamente, minorizados. “Não estamos em um sistema que apoia transformações desse tipo”, afirma.

Consultoria especializada

Para auxiliar na construção de um ambiente mais acessível, o café passou pela consultoria de Luciana Viegas, autista e ativista da causa. Ela conduziu um treinamento para que a equipe possa atender melhor a todos os clientes e produziu um guia de orientações e direcionamentos para o Grumo.


Além das adaptações mais populares, como rampa de acesso, banheiros adaptados para PcDs e rota acessível, a casa incluiu mesas sem quinas pontiagudas, abafadores de ruído (para quem precisar se concentrar — seja pela hipersensibilidade a ruídos, seja para ler um livro), sinalização do espaço, cardápio físico e digital e comunicação simplificada.

Grumo Café tem mesas com bordas arredondadas e abafadores de ruído para receber neurodivergentes

Grumo Café tem mesas com bordas arredondadas e abafadores de ruído para receber neurodivergentes

Jair Amaral/EM/D.A Press


“A marca foi desenvolvida pensando nisso. Nós usamos uma tipografia chamada OpenDyslexic, voltada para a melhor compreensão de pessoas com dislexia, que está presente em todos os materiais que produzimos”, aponta.


Na cozinha do Grumo Café, não entra nenhum alimento ultraprocessado, tudo é de fabricação própria. Quanto ao cardápio, o carro-chefe, e também a principal aposta, é o tradicional pão de queijo. “Temos sido 'acusados' de fazer o melhor da cidade”, brinca Luiz Felipe, que, desde 2017, produz a iguaria que deu origem ao negócio com queijos do Serro e de Alagoa.


O menu também apresenta diversas opções veganas e sem lactose, como o sanduíche de pão de fermentação natural com cogumelos refogados no azeite e pasta de tomilho. Assim, torna-se acessível para quem não come ingredientes de origem animal e tem intolerância ou alergia ao leite.


Já na ala das sobremesas, o arroz-doce brûlée, o Barucaxi (barrinha de chocolate com farofa de castanha de baru adoçada com abacaxi caramelizado no óleo de coco), o clássico bolo de chocolate com calda e o quindim são um convite para adoçar o paladar.

Recepção mineira

Nascido em 2016, o Omilía, no Bairro Vila da Serra, em Nova Lima, Região Metropolitana de Belo Horizonte, celebra Minas Gerais. O nome dado ao restaurante é uma palavra grega que significa “conversar”. Para além da clássica gastronomia e dos ingredientes, a casa oferece a calorosa recepção mineira.


“O antigo espaço era muito pequeno, apertado e não tinha acessibilidade. Por isso, em 2023, mudamos para um novo endereço, que nos permitiu ter uma estrutura adequada”, relembra o chef e dono, Gabriel Trillo.

No novo endereço, o Omília consegue oferecer uma estrutura adequada de acessibilidade, com rampa de acesso e banheiros adaptados

No novo endereço, o Omília consegue oferecer uma estrutura adequada de acessibilidade, com rampa de acesso e banheiros adaptados

Marcos Vieira /EM/D.A Press

O restaurante saiu de dentro de um condomínio de prédios para ocupar um imóvel com entrada para a rua na Alameda do Morro. Agora conta com banheiros maiores e adaptados para PcDs e rampa de acesso desde a garagem, para a entrada dos veículos, até a entrada. O percurso também não apresenta meio-fio ou degraus.


O cardápio do Omilía é uma homenagem aos sabores autênticos do estado e apresenta pratos tradicionais reinventados com um toque contemporâneo. Dos famosos queijos aos pratos de carne e peixe, cada item é cuidadosamente preparado para celebrar as histórias e raízes de Minas.

Um dos pratos mais conhecidos do Omilía é a maminha de lata servida com aligot de queijo Canastra e farofa de torresmo

Um dos pratos mais conhecidos do Omilía é a maminha de lata servida com aligot de queijo Canastra e farofa de torresmo

Marcos Vieira /EM/D.A Press


Como exemplo, Gabriel destaca a maminha de lata servida com aligot de queijo Canastra e farofa de torresmo. “A maminha de lata faz referência à época em que os tropeiros levavam e armazenavam, por meses, a carne de lata e o aligot, prato tradicionalmente francês, é adaptado ao paladar e ao gosto do mineiro de comer queijo”, explica.


Outro prato-assinatura da casa é a tilápia empanada em farinha de pão de queijo. A criação do chef pode ser servida como porção ou prato principal (nesse caso, é acompanhada de risoto de manjericão e tomate).

Refúgio verde

Localizado no Bairro Santa Lúcia, Região Centro-Sul da capital, O Jardim oferece uma experiência gastronômica imersa em tranquilidade e cercada pela natureza. O restaurante investiu em um projeto paisagístico para criar um refúgio verde dentro da cidade.


Com uma decoração repleta de flores e plantas, o ambiente apresenta uma atmosfera serena e convidativa, além de permitir que os clientes se desconectem do ritmo acelerado da vida cotidiana. “A ideia é que as pessoas se sentem e relaxem e que realmente desfrutem de um momento tranquilo do dia delas”, explica o sócio do restaurante, Guilherme Rabelo.


Além da beleza natural que permeia o espaço, O Jardim também se destaca pela preocupação com a acessibilidade. Com um elevador bem na entrada, o restaurante permite que todas as pessoas, independentemente das necessidades de mobilidade, possam acessar a casa e desfrutar de uma refeição. “As pessoas devem ter o prazer de visitar o restaurante que desejam. Por isso, pensar a acessibilidade em casas gastronômicas é mais que uma obrigação”, reforça.

O elevador na entrada d'O Jardim permite que todos, independentemente das necessidades de mobilidade, desfrutem de um ambiente com muito verde

O elevador na entrada d'O Jardim permite que todos, independentemente das necessidades de mobilidade, desfrutem de um ambiente com muito verde

Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press

O cardápio, cuidadosamente elaborado, tem foco na gastronomia contemporânea. Desde carnes nobres até pratos vegetarianos, as opções prometem atender a uma variedade de gostos.


O prato que tem mais saída na casa é o flat iron (carne bovina) grelhado acompanhado de linguine com molho cacio e pepe (queijo e pimenta). Também vale realçar os clássicos bife à milanesa e a galinhada com arroz vermelho, além do ravióli de pato e queijo Canastra ao molho cítrico de laranja, finalizado com nozes e cebola roxa.

Com foco na gastronomia contemporânea, O Jardim serve pratos como ravióli de pato e queijo Canastra ao molho cítrico de laranja com nozes e cebola roxa

Com foco na gastronomia contemporânea, O Jardim serve pratos como ravióli de pato e queijo Canastra ao molho cítrico de laranja com nozes e cebola roxa

Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press

Para quem busca alternativas mais leves e refrescantes, saladas frescas e coloridas como a “Jardineira”, com mix de folhas, flores comestíveis, bacon crocante, ovo mollet, croutons com ervas, tomate-cereja e vinagrete de mel e laranja, podem alegrar o paladar.

Testados e aprovados

Cientista pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), palestrante e ativista PcD, Aline Castro, de 30 anos, usa cadeira de rodas por uma condição genética rara: a Atrofia Muscular Espinhal (AME) tipo 2. A partir da demanda de um grupo de amigos, que sempre a perguntava sobre a acessibilidade em bares e restaurantes, e pelo desejo de ajudar pessoas com deficiência e conscientizar a população acerca da causa, ela criou o perfil AcessibiliBAR no Instagram (@acessibilibar).


No perfil, Aline compartilha indicações de lugares gastronômicos acessíveis em BH. Ela visita os espaços de forma independente, na companhia de sua mãe e seu irmão, que também usa cadeira de rodas, e avalia a acessibilidade estrutural do ambiente. “Os estabelecimentos têm recebido o AcessibiliBAR de braços abertos e a nossa demanda de visitação está crescendo exponencialmente”, afirma.

"Nós sozinhos não conseguimos desenvolver este trabalho, mas, quando mostramos aos donos dos estabelecimentos a importância da acessibilidade, eles passam a informação para outros colegas de profissão". -Aline Castro, idealizadora do AcessibiliBAR

"Nós sozinhos não conseguimos desenvolver este trabalho, mas, quando mostramos aos donos dos estabelecimentos a importância da acessibilidade, eles passam a informação para outros colegas de profissão". -Aline Castro, idealizadora do AcessibiliBAR

Rosemary Castro/Divulgação

Por meio de vídeos, a cientista mostra as estruturas, deixando claro as condições para receber PcDs. Dentre os critérios avaliados, estão a presença de rampa e/ou elevador; mobiliário adequado; cardápio físico e em QR Code, o que facilita a dinâmica de leitura; banheiros adaptados e funcionais e o acolhimento da equipe. “Não encontramos informações sobre acessibilidade nos sites ou redes sociais dos lugares, por isso, às vezes, deixamos de frequentar porque temos medo de chegar lá e ter que voltar.”


A iniciativa, além de promover a conscientização sobre a necessidade de ambientes de lazer adaptados, busca levar essa informação a todas as pessoas. Aline reitera que a missão do AcessibiliBAR é criar multiplicadores. “Nós sozinhos não conseguimos desenvolver este trabalho, mas, quando mostramos aos donos dos estabelecimentos a importância da acessibilidade, eles passam a informação para outros colegas de profissão”, destaca.


O projeto também reconhece os melhores bares, restaurantes, casas noturnas, eventos e pubs com acessibilidade. Ao passar pelo teste, o dono recebe um quadro com um selo de certificação, que fica exposto nas paredes, normalmente perto dos caixas, onde é comum as pessoas tirarem dúvidas. Segundo a ativista, essa ação mobiliza outros estabelecimentos a se adequar e transformar os espaços.


Até agora, Aline e a família certificaram seis lugares que atendem a todos os critérios de acessibilidade, desde estrutura até atendimento. São eles: Amadoria, casa de eventos; Why American Pub, bar de rock; A Forja Taverna Medieval, que proporciona uma viagem à Idade Média; Canto de Mainha, restaurante nordestino; o recém-inaugurado bar Zoom Zoom e O Quinteiro, bar de quintal.


As dicas podem ser conferidas no perfil @acessibilibar, que está em constante atualização, e também pelas redes sociais dos próprios estabelecimentos.

Serviço


Grumo Café
Rua Rio Grande do Sul, 940, Santo Agostinho
(31) 99114-3194

@grumocafe

Omilía
Alameda do Morro, 72 – loja 01, Vila da Serra, Nova Lima
(31) 99074-5086

@omiliarestaurante

O Jardim
Avenida Cônsul Antônio Cadar, 117, Santa Lúcia
(31) 3318-7787

@ojardimrestaurante

Amadoria
Rua Mucuri, 325, Floresta
@amadoriabh


Why American Pub
Avenida Francisco Sá, 66, Prado

@whyamericanpub

A Forja Taverna Medieval
Rua Cláudio Manoel, 500, Funcionários
(31) 98291-9595

@forjataverna

Canto de Mainha
Rua Heitor Menin, 115, Buritis
(31) 99581-5529

@cantodemainha

Zoom Zoom Bar
Rua Rio de Janeiro, 1562, Lourdes
(31) 98897-7150

@zoomzoombaryafins

O Quinteiro

Rua Salinas, 1008, Floresta
(31) 99558-1761

@oquinteirobar

 

*Estagiária sob supervisão da subeditora Celina Aquino