SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O ano começou dando sinais de que ia ser bom para o audiovisual brasileiro.
Walter Salles, Fernanda Torres e seu "Ainda Estou Aqui" foram coroados por Hollywood logo no início de 2025. Um dos temas mais urgentes na cultura nacional era a regulação das plataformas de streaming. Parecia o cenário perfeito para sensibilizar a população sobre o tema.
Afinal o Brasil tinha parado no meio do Carnaval para ver um filme nacional ganhar um Oscar. Seria fácil chamar atenção para as principais demandas da política cultural. Só que não -o PL do streaming ficou para 2026.
Foi um longo caminho, com cartas abertas, abaixo-assinados, áudios vazados, vídeos de artistas famosos e de outros nem tão famosos assim, mas nada disso adiantou para que a história tivesse um ponto final ainda este ano.
A lei visa definir que as plataformas de vídeo sob demanda que atuam no Brasil, pagas ou gratuitas, deverão pagar uma taxa em cima de seus faturamentos brutos. Havia dois projetos de regulamentação flutuando no Congresso. Um deles tramitava em regime de urgência desde 2023, mas o Ministério da Cultura avaliou que seria melhor apostar as fichas no outro PL.
Jandira Feghali (PCdoB-RJ), nome central na aprovação de marcos culturais como a Lei Aldir Blanc e a Paulo Gustavo, ficou com a relatoria. O relatório parecia caminhar, mas foi barrado na Comissão de Cultura da Câmara por um grupo de parlamentares de direita.
Leia Mais
Claro, 2025 foi um ano agitado, e o contexto não ajudou.
Logo depois do freio a Jandira, por exemplo, uma série de representantes do audiovisual independente foram a Brasília tentar falar com o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), para pôr o tema em pauta. O que essas pessoas não previam é que justamente naquele dia um grupo de deputados bolsonaristas se amotinaram no plenário e tomaram a Mesa Diretora diretora, paralisando os trabalhos da por 30 horas.
Os amotinados queriam pautar a anistia ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e aos participantes dos atos golpistas do 8 de janeiro, além do impeachment do ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes, que decretou a prisão, e amarras à atuação da corte, principalmente em relação à investigação e processos contra parlamentares.
A verdade é que o contexto geral do ano também não foi muito favorável para pautar o streaming. Bolsonaro foi condenado à prisão. Donald Trump impôs tarifas comerciais unilaterais ao Brasil, parlamentares tentaram aprovar a PEC da Blindagem.
Após uma manifestação convocada pela esquerda contra essa PEC e contra o projeto da anistia para os condenados por atos golpistas encher as ruas, Motta decidiu fazer um aceno para a classe artística. Pôs a relatoria do PL do streaming nas mãos de seu aliado de primeira ordem, Doutor Luizinho (PP-RJ), que já chegou avisando que o texto final não deixaria ninguém totalmente satisfeitos e concessões teriam de ser feitas.
Leia Mais
O texto passou na Câmara em novembro, quando ainda havia a esperança de que a matéria fosse votada no Senado em 2025.
O texto de Doutor Luizinho (PP-RJ) estabelece que plataformas pagas, como Netflix, Prime Video, Globoplay, Apple TV+ e Disney+, paguem uma alíquota de 4% calculada em cima de sua receita bruta anual.
A maior parte do valor devido pelas grandes plataformas poderá ser deduzido na forma de investimento direto em licenciamento, isto é, na compra de produções brasileiras a seu próprio critério, com um o teto de dedução de 60%.
Já plataformas gratuitas, como YouTube, TikTok, Instagram e Kwai, deverão pagar 0,8%, no máximo, mas sem a possibilidade de dedução direta.
Eis que chega um outro indicado ao Oscar e põe a boca no trombone. Wagner Moura disse em vídeo publicado nas redes sociais o que muitos no setor cultural pensavam.
- Wagner Moura e “O Agente Secreto” conquistam prêmios em Nova York
- A inusitada origem do orelhão, que virou 'estrela' em 'O Agente Secreto'
Afirmou que a taxação de 4% proposta pela lei é muito baixa se comparada ao lucro dos streamings. "O ponto mais bizarro é essas empresas poderem usar parte do dinheiro da taxação para investir em seu próprio conteúdo", afirmou.
Vazou então um áudio da empresária Paula Lavigne, que afirmava ter se revoltado ao ver o vídeo do ator cobrando maior empenho do governo Lula na articulação do projeto de lei de regulamentação do streaming.
Veio um posicionamento do governo federal sobre o texto, publicado na página da Secretaria de Comunicação Social e não na do Ministério da Cultura. O que dizem agora nos bastidores é que o comando da articulação foi transferido para a Secom e não fica mais centralizado no MinC.
Na nota, o governo afirmou que, a partir de uma reunião com o senador Eduardo Gomes (PL-TO), relator do PL no Senado, defende uma alíquota unificada de 3%, tanto para plataformas fechadas quanto para as abertas. Agora é esperar fevereiro de 2026, quando o Congresso volta do recesso.
Outras votações importantes para o setor cultural serão às dos direitos autorais e da inteligência artificial. A discussão dos direitos autorais quase entrou no PL do streaming, mas, depois que Doutor Luizinho afirmou que incluiria o tema, o setor não reagiu bem e o relator preferiu deixar de fora, por ora.
O problema é que, em ano eleitoral, pouca coisa costuma avançar, ainda mais em se tratando de pautas tão complexas. O tema do streaming revelou uma classe artística muito dividida e explícita quanto às suas discordâncias aos textos apresentados pelos parlamentares.
Aos artistas recaiu a pecha de "chatos", na visão de políticos de Brasília neófitos no mundo da cultura, que dizem acreditar que esse perfil do setor dificulta o andamento. Do lado dos artistas, o que se acredita é que a "chatice" é, na verdade, uma disposição a lutar contra forças desproporcionais, como o lobby dos gigantes do streaming e a política em Brasília.
- Como o streaming mudou para sempre a corrida pelo Oscar; entenda
- Cinema ou streaming? Onde assistir grandes lançamentos dos próximos anos
Em São Paulo, enquanto isso, o Theatro Muncipal segue a tradição de causar dor de cabeça.
Um novo edital de contrato de gestão foi lançado no início de dezembro, mas logo foi suspenso pelo Tribunal de Contas do Município.
O edital recém-lançado sofria uma série de críticas, entre elas a de que o certame promovia fragilização e precarização do trabalho dos artistas e demais profissionais, além de diminuição das metas e de apresentações dos corpos artísticos.
Em setembro, o prefeito Ricardo Nunes (MDB) havia pedido o cancelamento do contrato com a organização social, mas acabou voltando atrás.
Siga nosso canal no WhatsApp e receba notícias relevantes para o seu dia
Todas as últimas entidades privadas que geriram o equipamento cultural tropeçaram em alguma polêmica. Difícil acreditar que algo vá mudar de fato nos próximos anos.
