‘Adoraria fazer filme com um diretor brasileiro’, diz Isabelle Huppert
Em passagem pelo Rio, atriz refletiu sobre longa inspirado em escândalo da herdeira da L’Oréal, revisitou papéis intensos e elogiou cineastas do Brasil
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Rio de Janeiro* – Quando terminou de gravar o último take de “A professora de piano”, Isabelle Huppert saiu para uma cafeteria em Viena e ficou ali, divagando, por quase três horas. Sentia uma espécie de exaustão acompanhada de um vazio enorme. Em “Elle”, aconteceu o mesmo. Ao encerrar as filmagens, deitou no chão do set e permaneceu lá, imóvel, por um longo tempo. “São lembranças muito vivas, que mostram a intensidade dessas experiências”, conta, durante conversa com jornalistas no Hotel Fairmont, no Rio de Janeiro.
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Huppert é hoje o maior nome do cinema francês. Sua versatilidade, aliada à coragem de se arriscar, permitiu que desse vida a personagens complexos, ambíguos e profundamente desafiadores, como Erika e Michèle, de “A professora de piano” e “Elle”, respectivamente. São mulheres que transitam entre fragilidade e brutalidade, rejeitando, cada uma à sua maneira, o papel social que lhes é imposto.
Essa é uma das razões que fizeram dela a convidada especial da 16ª edição do Festival de Cinema Francês do Brasil, que começou na quinta-feira (27/11) e segue até 10 de dezembro, com exibições de 21 longas em 50 cidades brasileiras – em Minas, as sessões serão em Belo Horizonte, Juiz de Fora, Montes Claros, Poços de Caldas e Itajubá.
Com 163 filmes e 19 prêmios no currículo, Huppert está no país para divulgar sua nova produção, “A mulher mais rica do mundo”, de Thierry Klifa, em cartaz neste domingo (30/11), às 20h, no Una Cine Belas Artes.
Herdeira da L’Oréal
Inspirado no caso Bettencourt – o escândalo envolvendo a herdeira da L’Oréal, Liliane Bettencourt –, o longa não busca reconstruir fielmente os acontecimentos. Seu foco é expor as relações de poder que orbitam o dinheiro e voltar o olhar para o vazio existencial de quem coloca riqueza e status no centro da vida. Para isso, episódios do caso real foram suprimidos e os nomes dos personagens modificados.
No filme, Huppert interpreta Marianne Ferrère, herdeira de um império de cosméticos de lucros estratosféricos. Extremamente controladora e insensível, ela é casada com um político – “amigo de Mitterrand”, como ele insiste em frisar –, com quem tem uma única filha. A relação familiar é fria, distante, quase protocolar. Não se parecem, de fato, com uma família.
Tudo muda quando entra em cena o fotógrafo Pierre-Alain Fantin (Laurent Lafitte), um alpinista social metido à artista incompreendido. Ele conhece Marianne ao fazer uma sessão de fotos para uma matéria jornalística. Lança charme, medindo cada palavra, até ousar criticar a decoração da casa, insinuando que uma das telas é falsa. Marianne não se irrita. Ao contrário, fica fascinada pela inteligência e pela suposta bagagem cultural do rapaz.
Pierre-Alain percebe a brecha e avança. Um elogio aqui, outro ali, até chegar às bajulações sem fim, que ela adora e responde com dinheiro. Primeiro, para financiar uma exposição individual. Depois, para construir um ateliê e reformar a casa dele.
Caso de Justiça
O fotógrafo não se limita a sugar a fortuna de Marianne – foram repassados 1 bilhão de euros. Ele também se infiltra na família, levando junto o próprio namorado. O casal passa a frequentar a casa como se fosse sua e acompanha as viagens de férias pagas por Marianne.
Ela se diverte. Mas apenas ela. O marido, a filha e o mordomo observam a situação com desconforto crescente e se articulam para levar Pierre-Alain à Justiça, alegando que Marianne não tinha plena capacidade de administrar o próprio dinheiro e que o fotógrafo se aproveitou disso.
“Não é um filme sobre desigualdade social”, afirma Huppert. “É, sobretudo, um filme sobre uma situação fora do comum: o encontro entre a mulher dita mais rica do mundo e um rapaz inteligente, insolente e vulgar, que a faz rir e devolve a ela o brilho da vida. É um filme engraçado, mas muito feroz e cruel, porque, à medida que avança, olhamos esses personagens com certa curiosidade. Eles não são simpáticos, porque não vivem como todo mundo. Mas terminamos nos apegando, porque enfrentam problemas parecidos com os nossos”.
Independentemente do papel, o que mais importa para Huppert são os dilemas e afetos que atravessam seus personagens. Por isso, ela já tem um desejo para o futuro: “Como participo de muitos eventos para divulgar filmes, viajo bastante de avião. E venho reparando nas mulheres que pilotam. Gostaria de interpretar uma pilota e conhecer melhor esse universo tão distante do meu”.
Desejo real
Durante sua passagem pelo Rio, Isabelle Huppert também comentou sobre o cinema brasileiro e manifestou o desejo de trabalhar com diretores do país. “Vocês têm dois grandes diretores que, para mim, já bastariam: Kleber (Mendonça Filho) e Walter (Salles)”, afirmou.
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“Na França, eles são muito queridos, e todos os filmes deles são experiências cinematográficas incríveis. É claro que o Brasil tem outros grandes nomes, como Glauber (Rocha), Bruno Barreto e tantos outros que não tiveram projeção internacional. Eu adoraria fazer um filme com um diretor brasileiro. Isso estaria alinhado ao que sempre busquei na minha carreira”, acrescentou a atriz.
FESTIVAL DE CINEMA FRANCÊS DO BRASIL
Até 10/12. Em BH, as sessões são no UNA Cine Belas Artes, Ponteio e Centro Cultural Unimed-BH Minas. “A mulher mais rica do mundo” será exibido, neste domingo (30/11), às 20h, no UNA Cine Belas Artes (Rua Gonçalves Dias, 1.581, Lourdes). O festival também irá para Itajubá, Juiz de Fora, Montes Claros e Poços de Caldas. Programação completa: festivalcinefrances.com.br.
* O jornalista viajou a convite do Festival de Cinema Francês do Brasil