Ao vivo e sem cores: ex-funcionários contam como começou a TV Itacolomi
Em novembro de 1955, entrou no ar a primeira emissora de televisão de Minas; com pouca tecnologia e sem experiência, funcionários fizeram da TV um sucesso
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“Era aquela pressão o tempo todo, de que você não pode errar. Não tinha isso de que “errar é humano”. Isso não existia na televisão. Tanto que eu não gosto dessa expressão”. O relato é de Talardo José dos Santos, de 79 anos, ex-funcionário da TV Itacolomi. Mesmo que tenha entrado na estação poucos meses antes da chegada do videotape, aparelho que possibilitou a gravação dos programas, Talardo vivenciou uma realidade que perdurou nos primeiros anos da primeira emissora de televisão de Minas Gerais: naquela época, toda a programação era feita ao vivo. Desde os noticiários e programas esportivos às peças de teleteatro e às telenovelas, tudo era feito “pra valer”.
Para além da tecnologia, ou a falta dela, quem trabalhou nessa época precisava descobrir como era fazer televisão, pois a maioria dos profissionais vinha do rádio, do teatro ou do jornal impresso e, antes deles, mal havia televisão no Brasil, que só chegou por aqui pelas mãos de Assis Chateaubriand (1892-1968), fundador do Diários Associados e da Rede Tupi de Televisão.
Ainda que faltasse experiência, sobravam entusiasmo e vontade de fazer aquilo dar certo – e não à toa, sete décadas após a emissora entrar no ar, ex-funcionários e antigos espectadores ainda guardam na memória a música “TV Itacolomi… sempre na liderança… canal 4… Belo Horizonte… Minas Gerais…”
Em celebração aos 70 anos da TV Itacolomi, o Estado de Minas apresenta, a partir desta segunda-feira (17/11), uma série de reportagens especiais sobre a televisão pioneira de Minas Gerais. Nesta primeira parte, ex-funcionários relatam como foram os primeiros anos da emissora, onde todos, à sua forma, aprenderam e criaram os conceitos do que é televisão.
(Confira as outras matérias deste especial no final do texto)
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A estreia
O sinal da TV Itacolomi passou a ser recebido nas casas dos mineiros em 8 de novembro de 1955, às 19h30. Antes de entrar no ar, os profissionais que colocaram a Itacolomi de pé passaram meses ensaiando, na tentativa de se familiarizar com esse aparelho “mágico”, totalmente diferente do rádio e do teatro.
Foi o caso de Clóvis Prates, de 85 anos. Filho de pai jornalista e mãe artista, logo criança entrou para o meio da comunicação como ator de radionovelas. Aos 15 anos, Clóvis, escondido da família, fez teste para entrar no casting de teleteatro da primeira emissora de televisão de Minas Gerais. E passou.
“A gente não sabia o que era televisão. A gente passava na Casa Guanabara, na esquina do prédio da Itacolomi, e tinha uma televisão só com códigos de testes, e todo mundo esperando. A gente foi aprender tudo lá. Não só nós atores, como o pessoal da técnica e os câmeras, aprendemos televisão lá, porque ninguém tinha experiência”, conta.
Logo no dia da estreia, a emissora deu exemplo da dedicação às artes que marcaria sua história no ar. Na sequência da benção à emissora, realizada pelo então arcebispo metropolitano dom Antônio dos Santos Cabral, e da apresentação do coro Pró-hóstia, a emissora veiculou “Onde as palavras morrem”, sua primeira atração própria, dedicada à música e ao balé.
Depois, o compositor Ary Barroso dirigiu uma apresentação da sua canção mais famosa, “Aquarela do Brasil”. O primeiro dia da Itacolomi encerrou-se com “Minas por dentro”, descrita em reportagens da época como “uma exaltação à capacidade realizadora e ao gênio civilizador dos mineiros”.
A programação
Nos dias seguintes, tomou forma a programação rotineira da emissora, na época restrita ao horário nobre. A disposição dos programas era bem diferente da televisão dos dias de hoje. Não havia o conceito de rede e assim toda a grade era produzida pela Itacolomi: dramaturgia, programas de auditório, noticiários, esportivos, infantis, programas educativos. Tudo era feito no 23º e 24º andares do Edifício Acaiaca, no Centro de Belo Horizonte, onde a emissora ficava instalada. Quase tudo, na verdade.
Poucos meses depois da inauguração, os profissionais da Itacolomi decidiram fazer uma ousadia e levaram o caminhão de transmissões externas para o antigo Estádio de Lourdes, onde transmitiram a partida entre Atlético e Villa Nova.
Na ocasião, pediu-se ao Galo que jogasse de uniforme branco, pois, na televisão sem cores, o seu uniforme padrão, preto e branco, ficaria idêntico ao vermelho e branco dos jogadores do Villa Nova. A transmissão foi um sucesso e a “jornada esportiva” se tornou campeã de audiência nos anos seguintes.
O jornalismo
O jornalismo também se destacava, mas num formato bem diferente do atual. No começo, os noticiários eram feitos apenas com locutores lendo as notícias no estúdio, sobretudo as apuradas pelo Estado de Minas. Um tempo depois, foi montada uma equipe própria de repórteres e cinegrafistas, que faziam gravações com câmeras de cinema.
Pela tecnologia da época, não havia gravação de áudio nas reportagens de rua. Hélio Giovani, de 86 anos, fez parte das primeiras equipes de cinegrafistas da Itacolomi, e conta como era as filmadoras eram todas à corda, e depois de ativadas, funcionavam apenas por trinta segundos.
“Para filmar, a gente não tinha ideia de abertura de diafragma. Tínhamos que usar um aparelhinho medidor de luz chamado fotômetro, que eu prendia com uma corrente no pescoço. Uma vez eu cheguei perto do Bias Fortes, ele tomou o fotômetro de mim e começou a falar ‘o povo de Minas’, e eu falei ‘governador, espera aí, eu estou medindo a luz, isso não é um microfone’”, conta. Foi assim, domando a tecnologia da época, que os profissionais da Itacolomi fizeram história na televisão.
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Especial "70 anos da TV Itacolomi"
- Parte 1: Ao vivo e sem cores: ex-funcionários contam como começou a TV Itacolomi
- Parte 2: Sem experiência, jornalistas da primeira TV de minas usaram a criatividade
- Parte 3: Há 70 anos, Itacolomi transmitiu o primeiro jogo de futebol da TV mineira
- Parte 4: Dos teleteatros às novelas, dramaturgia se reinventou na TV Itacolomi
- Parte 5.1: Os valiosos registros de Minas preservados no acervo da TV Itacolomi
- Parte 5.2: Ex-funcionários da Itacolomi dizem o porquê da TV deixar tanta saudade