"Pecadores" traz Michael B. Jordan nos papéis de gêmeos opostos
Longa do diretor de "Pantera Negra" estreia nesta quinta-feira (17/4) e mistura opressão racial nos EUA a uma história de vampiros com fundo demoníaco
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Uma das lendas mais fascinantes do mundo da música envolve o pai do delta blues, Robert Johnson (1911-1938). O mito, que se mantém vivo quase cem anos após sua morte, diz que o jovem músico do Mississippi teria feito um pacto com o diabo em uma encruzilhada à meia-noite.
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Ele teria entregue seu violão ao demônio, que o afinou, tocou algumas notas e devolveu a ele o instrumento. Em troca, Johnson ganhou habilidades musicais sobrenaturais.
A história foi alimentada por singularidades e excentricidades de Johnson: suas letras frequentemente falavam sobre o inferno e o diabo – como em “Me and the Devil Blues” e “Cross Road Blues” – e, nos shows que fazia, costumava tocar virado de costas para o público. Diziam que havia algo de outro mundo em sua música e que, quando ele tocava, seu rosto se transformava na face do demônio.
A lenda inspirou diversas obras na música, no cinema e na literatura. A mais recente é “Pecadores”, filme de Ryan Coogler (“Pantera Negra” e “Creed”), estrelado por Michael B. Jordan (“Creed”), que chega aos cinemas nesta quinta-feira (17/4).
Ambientado no Mississippi de 1932, o longa acompanha os irmãos gêmeos Fumaça e Fuligem (ambos interpretados por Michael B. Jordan). Veteranos da Primeira Guerra Mundial, eles são ex-gângsteres de Chicago que retornam à cidade natal para abrir um clube de blues voltado à comunidade negra.
É uma época de forte segregação racial. As leis são especialmente rigorosas no Sul do país, promovendo o apartheid racial. Lojas, restaurantes, hotéis, hospitais e demais estabelecimentos mantêm espaços separados para negros e brancos. E a ameaça da Ku Klux Klan é constante.
Forças sobrenaturais
É nesse contexto que Fumaça e Fuligem abrem o clube de blues. A principal atração da noite é o jovem Sammy Moore (Miles Caton), primo dos gêmeos. Com talento extraordinário, comparável ao de Robert Johnson, o rapaz atrai forças sobrenaturais ao tocar.
Sua performance, no entanto, desencadeia eventos que envolvem entidades vampíricas lideradas por Remmick (Jack O'Connell). “Pecadores” transforma-se, então, em uma espécie de “Nosferatu” dos “anos de poeira e pacto” norte-americano.
Ryan Coogler, conhecido por sua filmografia engajada e protagonismo negro, mantém essa tônica neste projeto. É possível até traçar paralelos com “A noite dos mortos-vivos” (1968), de George A. Romero, e “Blade – O caçador de vampiros” (1998), de Stephen Norrington, filmes que também colocam personagens negros enfrentando ameaças sobrenaturais enquanto refletem sobre marginalização e estruturas sociais opressivas.
Misturando horror e música, Coogler propõe uma subtrama política, na qual os vampiros não estão interessados apenas em sugar o sangue dos negros do clube, mas também em espoliar sua cultura, seu território e sua memória.
Nessa perspectiva, o blues não é mera trilha sonora, e sim uma linguagem de resistência, um espaço de ritual e uma ferramenta de enfrentamento. É o que disse Coogler à revista britânica “SciFiNow”, quando resumiu “Pecadores” como um filme fluido em termos de gênero: “Você pode chamá-lo de terror, mas ele também é sobre história e fé”.
O diretor buscou retratar o Sul dos EUA com dignidade e complexidade, evitando estereótipos. Ao destacar o blues como elo entre o passado ancestral e o sobrenatural, Coogler tenta ressignificar a música negra como instrumento de resistência, arte e magia.
Cenas de ação
É provável que nem todos os espectadores captem essas camadas mais sutis do filme. Muitas questões são subjetivas e acabam sendo ofuscadas pelas cenas de ação e violência, especialmente quando os vampiros começam a atacar o clube.
A preocupação de Coogler com temas raciais acaba gerando alguns deslizes de roteiro. – Alerta de spoiler! – Um exemplo é quando o público descobre que toda a legião de vampiros morreria se o líder Remmick (Jack O'Connell) fosse executado; mas, ao final do filme, dois vampiros sobrevivem.
Nada disso, no entanto, foi problema para o público norte-americano. A produção alcançou impressionantes 99% de aprovação no agregador de críticas Rotten Tomatoes. É um feito raro, especialmente para filmes de terror.
Um dos grandes destaques foi a performance de Michael B. Jordan como os gêmeos Fumaça e Fuligem. O ator conseguiu desenvolver personalidades distintas para cada um. Enquanto Fumaça é frio, calculista e paternal com o irmão, Fuligem é bonachão, risonho e de bom coração (dentro das possibilidades para um gângster).
A recepção calorosa nos Estados Unidos levou o site The Wrap a comparar “Pecadores” à franquia multimilionária “Vingadores”. Mas isso talvez seja ir longe demais, tal qual a história do suposto pacto com o diabo feito por Robert Johnson.
“PECADORES”
(EUA, 2025, 137 min.) Direção: Ryan Coogler. Com Michael B. Jordan, Miles Caton e Jack O'Connell. Classificação: 18 anos. Em cartaz nos shoppings BH, Big, Boulevard, Cidade, Contagem, Del Rey, Diamond, Estação, Itaú, Minas, Monte Carmo, Norte, Partage, Pátio, Ponteio, Unimed-BH Minas e Via.