
'Acompanhante perfeita' perdeu uma boa oportunidade de ser ótimo thriller
Em cartaz em BH, filme discute a presença da tecnologia na vida humana, mas não consegue causar o impacto que o tema merece
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Siga noA ideia de entretenimento é bem relativa. O que é entretenimento para uma pessoa, não é para outra. É bem possível se entreter com um filme de Andrei Tarkovski ou Béla Tarr e ficar entediado com um filme da Marvel. Tudo depende de quem vê. Logo, a dicotomia entre arte e entretenimento é falsa ou no mínimo imprecisa.
Da mesma forma, é possível se entreter com um filme claramente ruim, ou insatisfatório de um ponto de vista mais crítico. Claro, há quem deteste críticas. Podemos simplesmente ver um filme e esquecê-lo depois que saímos da sala. Mas imaginem um mundo sem crítica. Seria praticamente um mundo sem pensamento. É o que desejamos?
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"Acompanhante perfeita" tradução um tanto mastigada para o original "Companion" está justamente nessa encruzilhada do entretenimento com o pensamento. O longa de Drew Hancock chega agora aos cinemas brasileiros após uma estreia de surpreendente sucesso nos Estados Unidos.
Sem dúvida, é um filme bacana de ver, entretém e tal, além de ter uma série de elementos interessantes de partida. Mas assim que passamos a pensar nele, ainda durante a projeção, e mais ainda quando o filme acaba e saímos da sala de cinema, suas fraquezas se multiplicam, encobrindo as forças.
Da sinopse, quanto menos se souber, melhor. Nesse caso, melhor seria nem ver o trailer, que entrega coisas demais do enredo. E se entrarmos no IMDb, já tem muito ali. Quem pesquisar sobre o filme, saberá boa parte do que acontece. Metade da graça, ou mais, terá ido embora.
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Tentemos um microrresumo, sem entregar muito da trama para além do que já se entregou aos borbotões. Casal de namorados, vividos por Sophie Thatcher e Jack Quaid, encontra amigos numa casa paradisíaca nos confins da civilização, tipo de casa de magnatas quando querem refúgio.
Stalinista
O dono da casa é um ricaço russo de modos grosseiros, o contraponto stalinista de um Donald Trump a data de nascimento de Stálin é sua senha universal. Logo fica evidente que tem algo errado nesse passeio de férias. E quase nada é o que parece ser.
Fiquemos por aqui. Até porque quanto mais sabemos do que se passa, menos interessante se torna. Todos que lerem sobre o filme, porém, já saberão que tem robô nessa história. E colocar robô, num filme de 2025, implica obrigatoriamente em falar de inteligência artificial.
"Acompanhante perfeita" vai bem até quase a metade de sua duração, enquanto as inúmeras referências nos interessam, do livro "Mulheres perfeitas", de Ira Levin, e suas duas adaptações para o cinema, a "Não se preocupe, querida", de Olivia Wilde, passando por "Ex machina: Instinto artificial", de Alex Garland, entre várias outras obras.
As revelações se desdobram e trazem caminhos possíveis para a trama percorrer. A cada bifurcação, contudo, parece que o caminho escolhido é o mais pueril, o mais simplificador no sentido de fugir do ambíguo e do misterioso. E com um tema desses, as possibilidades eram grandes e animadoras.
De todo modo, o filme permite uma série de discussões relativas à maneira como a tecnologia tem dominado nossas vidas. A ideia de substituição, por exemplo, já implícita na presença de um robô, é aqui levada a um limite com o qual não estamos preparados a lidar.
Pena que o aspecto ético seja tangenciado. Assim como a ideia de controle, sobretudo de homens inseguros que não conseguem se relacionar com mulheres inteligentes. Da qual deriva a objetificação do corpo feminino e sua domesticação.
É um filme que vale ser visto pelo que abre de possibilidades de debatermos assuntos importantes do momento, mesmo que abra por acidente e sem ir a fundo em qualquer das frentes possíveis.
É também uma obra desenvolvida por quem não tem muita ideia de como explorar o melhor dessa trama. Se tivesse, ficaríamos pregados na poltrona, sem dar sequer uma piscadela. É o efeito que os grandes thrillers nos causam.
Possibilitar discussões interessantes pode até ser motivo para ver um filme. Infelizmente, “Acompanhante perfeita” não nos dá muito mais do que isso, cinematograficamente falando. (Sérgio Alpendre)
“ACOMPANHANTE PERFEITA”
EUA, 2025, 97 min. De Drew Hancock, com Sophie Thatcher, Jack Quaid e Lukas Gage. Classificação: 16 anos. Em cartaz na Grande BH nas salas dos shoppings BH, Boulevard, Cidade, Contagem, Del Rey, Diamond, Itáu Power, Minas, Monte Carmo, Pátio e Via.