
Documentário revela as origens da inusitada música de Hermeto Pascoal
Filme de Carolina Sá e Lírio Ferreira leva o espectador até a infância do alagoano, famoso por criar melodias com chaleira, água e a própria barba
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Siga noAos 88 anos, Hermeto Pascoal é um menino. E menino impossível, vale dizer. Morador de São Paulo em boa parte da vida, o músico alagoano mantém o hábito diário de andar de bicicleta. Mas com um imperativo: sempre de costas.
“Não gosto de andar pra frente de bicicleta. Bicicleta é de costas. Tenho um aparelhinho aqui à vista pra enxergar enquanto ando pra trás. Assim, não corro muito, porque é perigoso”, revela Hermeto no documentário “O menino d’olho d’água”, que estreia no canal Curta! nesta segunda-feira (20/1). O filme ficará disponível na plataforma CurtaOn a partir de amanhã (21/1).
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Dirigido por Carolina Sá e Lírio Ferreira, o documentário se afasta da narrativa tradicional, evitando explorar aspectos da vida e obra do músico exaustivamente abordados em produções e reportagens. O foco está na relação de Hermeto com a terra natal e na influência dessa conexão na formação de sua identidade musical.
Conhecido como “Bruxo”, Hermeto transcende os instrumentos convencionais. Ele faz música com água, xícara, chaleira e até a própria barba, sem deixar de lado teclado, flauta, violão e acordeom.
Imersos nesse universo, os diretores chegaram à conclusão de que a gênese da imaginação sonora de Hermeto deriva da relação dele com os sons de sua Lagoa da Canoa natal, na região de Arapiraca, em Alagoas.
“Som e imagem estão sempre juntos. É como marido e mulher”, declara Hermeto no filme. Performances dele são acompanhadas por imagens de locais e memórias da infância: trote de burros, canto de pássaros, aboio de vaqueiros, coaxar de sapos e rituais de povos indígenas alagoanos.
“Fomos atrás do que inspirou Hermeto a criar essa música tão abrangente, que, no fundo, traz todas as sonoridades da infância dele”, explica Carolina Sá. Daí o título “O menino d’olho d’água”.
“Que menino é esse? É o menino Hermeto, inspirado pelos sons das feiras de gado, feiras livres e de tudo mais que permeia a paisagem sonora dele”, explica a diretora.
Admirado tanto no Brasil quanto no exterior, Hermeto foi referência para Miles Davis (1926-1991), por exemplo. O ícone do jazz afirmou que se pudesse reencarnar como outra pessoa, escolheria ser o Bruxo de Alagoas. No disco “Live – Evil” (1971), convidou Hermeto para tocar com ele e gravou três composições do brasileiro (“Little church”, “Selim” e “Nem um talvez”). No entanto, Miles não lhe deu o crédito como autor das faixas. Ficou feio.
Hermeto reunia todos os motivos para não alcançar o sucesso. No documentário, conta que estudou até o terceiro ano do ensino fundamental e aprendeu música de forma intuitiva. “Quanto mais teoria você tem, mais você sabe e menos você sente”, defende.
Em São Paulo, para onde foi com quase 30 anos, interrompia constantemente as apresentações ao ar livre para fugir da polícia, que não autorizava aglomerações nas ruas. Depois de tocar a céu aberto, Hermeto passou para as boates.
As primeiras composições nasceram durante viagens de ônibus até o trabalho. Sem gravador, ele cantarolava as melodias por todo o trajeto, com o rosto para fora da janela para não incomodar os passageiros.
A baixa visão de Hermeto é abordada intensamente no filme. Motoristas de ônibus, conhecendo a dificuldade do Bruxo para enxergar, frequentemente paravam o veículo antes que ele fizesse sinal.
No documentário, por vezes, as paisagens surgem embaçadas, restando ao espectador apenas ouvir os ruídos e imaginar a origem deles.
“Colocamos objetos na frente da lente justamente para dar opacidade, simulando a maneira como o Hermeto enxerga”, conta a diretora. “Fizemos questão de ir ao local onde ele cresceu para registrar como via o brejo ao lado da casa em que morou, além das árvores e ds bichos.”
Grammy e biografia
“O menino d’olho d’água” chega no momento em que Hermeto Pascoal, num gesto raro, olha para trás. Em 2024, saiu sua primeira biografia, escrita por Vitor Nuzzi, e foi lançado o disco “Pra você, Ilza”, com composições inéditas escritas meses antes da morte de Ilza da Silva, mulher do artista, em 2000. Com ele, Hermeto ganhou o Grammy Latino de Melhor Álbum de Jazz Latino/Jazz.
“Nós, brasileiros, somos privilegiados por testemunhar a genialidade de Hermeto enquanto ele está vivo e criando”, ressalta Carolina. “A obra dele é infinita. Hermeto cria música agora e, no instante seguinte, já está compondo outra, com uma potência gigantesca”, conclui a cineasta.
“O MENINO D’OLHO D’ÁGUA”
Brasil, 2024, 74 min. Documentário de Carolina Sá e Lírio Ferreira. Estreia nesta segunda (20/1), às 22h30, no canal Curta!. Reprises na terça (21/1), às 2h30 e 16h30; quarta (22/1), às 10h30; sábado (25/1) , às 16h30; e domingo (26/1), às 22h30. O filme estará disponível na plataforma CurtaOn a partir desta terça-feira (21/1).