
Morre o crítico, cineasta e roteirista Paulo Augusto Gomes
Diretor do longa-metragem "Idolatrada" teve franca presença na crítica cinematográfica em Minas Gerais
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Siga noMorto nesta terça (23/6), aos 74 anos, de parada cardíaca, Paulo Augusto Gomes foi um homem de cinema. Escreveu para e sobre filmes, historiou a cinematografia mineira em artigos e livros, dirigiu curtas e longas. Fez parte de uma geração crítica que foi fundamental para fazer a ponte para o moderno cinema mineiro.
Seu filme mais importante é “Idolatrada” (1983), longa que tem Belo Horizonte quase como protagonista (palavras do próprio Paulo Augusto). A história, escrita por ele e pelo escritor e roteirista Mario Alves Coutinho, acompanha poetas e literatos da celebrada geração de 20/30, contemporâneos de Carlos Drummond de Andrade e João Alphonsus.
Mas até que chegasse a ele, Paulo Augusto fez um longo caminho, que passa pela imprensa local e pela efervescente cena cineclubista capitaneada pelo Centro de Estudos Cinematográficos (CEC).
“Tínhamos certa paixão pelo cinema americano. Não como um todo, mas o clássico, de autores como Arthur Penn. Lógico que o francês, Godard, a Nouvelle Vague era algo extremamente importante para nós. O cinema italiano ainda, mas não só o neorrealismo. E Bergman. Houve sempre também uma defesa de um cinema brasileiro, algo que nos uniu muito”, afirma Alves Coutinho.
Não só os dois, mas toda a turma da “Seção de cinema”, página publicada sempre às terças-feiras no Estado de Minas, a partir de outubro de 1976 (e durante duas décadas). Sob a batuta do editor Geraldo Magalhães, Paulo Augusto, Mario Alves Coutinho, Ricardo Gomes Leite e Ronaldo de Noronha analisavam os filmes em cartaz na cidade.
A presença na imprensa, a começar pelo EM (e depois em outros jornais, como o “Suplemento Literário”), começou bem antes da página semanal. Paulo Augusto não tinha nem 20 anos quando passou a assinar críticas no jornal. Em 1968 o lançamento, com um atraso de cinco anos para a chegada de “Trinta anos esta noite” (1963), de Louis Malle, aos cinemas de BH, o levou a dividir uma página com outros três colegas para dissertar sobre o longa.
Sua experiência em jornais o encaminhou para uma escrita de mais fôlego. Integrante do Centro de Pesquisadores do Cinema Brasileiro, publicou o livro “Pioneiros do cinema em Minas Gerais”. Textos dele também foram editados em “Cinema em palavras” e “Os filmes que sonhamos”. Como ensaísta, participou de obras como “Godard e a educação” e “Presença do CEC – 50 anos de cinema em Belo Horizonte”.
Em dado momento, Paulo Augusto decidiu também fazer cinema. Dez anos mais velho que ele, o jornalista Victor de Almeida, referência na geração de cineclubistas dos anos 1960, nem se lembra de quando o conheceu. “Era um rapazinho, ia muito lá em casa e conversávamos sobre cinema. Ele escrevia muito, então comecei a demandar uma série de coisas.”
A relação se estreitou até que em meados dos anos 1970 os dois se tornaram sócios na empresa Filmes Gerais. A primeira produção foi o curta “Graças a Deus” (1978), sobre ex-votos. Paulo Augusto dirigiu não só este (que tinha José Mayer e Vera Fajardo no elenco), como também “Os verdes anos” (1979, sobre a geração modernista de Cataguases) e “Sinais de pedra” (1980, sobre o patrimônio histórico de Minas).
Fazer cinema na época era uma aventura, diz Victor de Almeida. “O esforço era tremendo, pois era tudo muito artesanal e fazer cinema era muito caro. Belo Horizonte era carente de equipamentos”, conta ele, lembrando que na época só havia uma moviola (máquina para editar filmes) na cidade, que pertencia à UFMG.
Em fevereiro de 1981, em entrevista a Paulo Vilara para o Estado de Minas, Paulo Augusto falou de seu primeiro longa. A poucos dias do início das filmagens de “Idolatrada”, contou que Carlos Drummond havia aprovado o roteiro. “Ele acha que a minha história é muito mineira, e que ele gosta do que criei. Isso me deixou profundamente feliz.”
No elenco do filme estão Denise Bandeira, Carmem Silva, Mário Lago (em seu último longa), José Mayer e uma pá de gente da cultura de BH em participações: Jota Dângelo, Ronaldo de Noronha, Priscila Freire, Alcino Leite Neto, Nely Rosa entre outros.
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Helvécio Ratton, que ainda não tinha estreado como diretor, foi produtor de “Idolatrada” com Tarcísio Vidigal, do Grupo Novo de Cinema. “O Paulo, que foi meu companheiro desde o início, era perdidamente apaixonado pelo cinema. Acho que tinha uma atração muito grande pela Nouvelle Vague, tanto que sempre o relaciono com Truffaut. ‘Idolatrada’ foi um filme muito delicado em que ele mostrou sua visão do cinema.”
“’Idolatrada’ é resultado de uma luta para tornar possível fazer cinema em Minas”, comenta o diretor Rafael Conde, que vê em Paulo Augusto e na geração dele uma ponte para sua própria geração, que veio em seguida. “Era uma turma muito ligada a pensar nos filmes. A crítica, naquele momento, era fundamental para o cinema brasileiro. Tanto que vários cineastas, Glauber entre eles, vieram a BH porque referenciavam a turma mineira.”
Em 2000, lançou um segundo longa, “O circo das qualidades humanas”, direção conjunta com Geraldo Veloso, Jorge Moreno e Milton Alencar Jr.
Paulo Augusto deixa os filhos Elena, Pedro e Lucas.