O show de Madonna no Rio, no último sábado, fez um passeio por sua carreira e, por extensão, pela história do pop -  (crédito: Pablo Porciuncula / AFP)

O show de Madonna no Rio, no último sábado, fez um passeio por sua carreira e, por extensão, pela história do pop

crédito: Pablo Porciuncula / AFP


Dizer que o show de encerramento da "Celebration tour", de Madonna, em Copacabana, na noite do último sábado (4/5), foi hiperbólico em todos os sentidos soa como um pleonasmo legítimo.

 

A apresentação, para um público estimado em 1,6 milhão de pessoas, foi a maior já realizada pela cantora ao longo de sua trajetória de 40 anos – mote da turnê comemorativa que teve início em outubro de 2023, na Inglaterra, e incluiu 15 países da Europa e América do Norte, além do México.

 


A Rainha do Pop é, afinal, uma das inventoras da hipérbole no mundo do showbizz. Superprodução, megaestrutura, exagero, transbordamento – são palavras que Madonna fixou no imaginário popular ao longo de sua caminhada. E foi o que o público que compareceu ao show em Copacabana pôde conferir, de forma ao mesmo tempo sintética e amplificada, durante pouco mais de 2 horas.

 

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Sem a presença de uma banda no palco – algo desde o início previsto para a "Celebration tour", mas que ainda incomoda alguns críticos mais ortodoxos –, Madonna ofereceu um outro tipo de espetáculo, em que o "show musical", no sentido mais estrito da expressão, é apenas um dos elementos. O aspecto visual é o que prevaleceu na apresentação, com o emprego despudorado de recursos tecnológicos, teatrais, coreografias, imagens exibidas em telões gigantescos e um feérico jogo de luzes.


Mosaico pop

As mudanças estonteantes de cenário e de figurinos, do corpo de baile e de Madonna, pareciam efeitos de mágica a compor um mosaico caleidoscópico das contribuições da artista para o que hoje entendemos por música pop. Esse termo, à luz do que ela vem propondo ao longo de quatro décadas, diz muito sobre captar o espírito de cada época, de cada tendência, tomá-lo para si e ter a capacidade de ampliar suas fronteiras e universalizá-lo.


Nesse sentido, foi emblemático o momento da apresentação em que Madonna empunhou a guitarra, disse que "nessa vida você tem que ser um pouco doida" e anunciou a primeira música que escreveu ao violão, citando o CBGB, icônico clube punk nova-iorquino "onde tudo começou". Feito o anúncio, ela tocou a seminal "Burning up", registrada em seu álbum de estreia, lançado em 1983.

 

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Essa referência a uma origem roqueira e underground atravessou, de certa forma, toda a apresentação, sobretudo pela prevalência de figurinos sem qualquer padronização, com alguns bailarinos trajando coletes jeans com "Sex Pistols" gravados nas costas e outros com peças descombinantes, de cores variadas, num desfile anárquico que remeteu ao que o carnavalesco Joãosinho Trinta levou para a Sapucaí, com a Beija-Flor, em 1989, a bordo do enredo "Ratos e urubus, larguem minha fantasia".


Mas bastava um piscar de olhos para que essa estética punk desse lugar à Madonna embebida de soul e rhythm'n'blues. Outro piscar de olhos e ela surge em cena nos embalos da música eletrônica do final dos anos 1990, início dos 2000. No momento seguinte, o que se vê é o resgate da disco music das décadas de 1970 e 1980. E entre uma coisa e outra, eis que vem à baila a Madonna meio gótica, meio erótica da fase que engloba "Like a prayer" e "Justify my love", entre os anos 1980 e 1990. Há espaço, ainda, para o flerte com o country.


Perfil camaleônico

No geral, tudo se resume a um grande amálgama de moda, comportamento e música. Esse perfil camaleônico, adaptável, que a cantora firmou como um princípio da música pop, foi apresentado de maneira didática em um vídeo exibido no terço final da apresentação.

 

A presença das convidadas brasileiras, Pabllo Vittar e Anitta, reforçou o lugar de Rainha do Pop que Madonna ocupa, evidenciando seu legado, como quando, outrora, ela avalizou Britney Spears com um beijo na boca durante uma premiação da MTV.


A etapa final do espetáculo, a propósito, foi de saudação ao Brasil e a seus símbolos, com direito a presença de ritmistas de escola de samba e a uma pletora das cores da bandeira, tanto nos figurinos quanto nos telões.

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Foi nesse contexto que Pabllo Vittar entrou em cena, em uma performance alegre e descontraída com a anfitriã, que, pouco antes, tinha se dirigido diretamente à comunidade LGBTQIAP+, determinando: "Nada de ter medo".


Homenagens e desagravo

Certamente, para muitos soou como um desagravo contra o sequestro, ao longo dos últimos anos, das cores nacionais pelo pensamento conservador que está no cerne do bolsonarismo. Enquanto Pabblo estava no palco, imagens de Marielle Franco, Paulo Freire, Gilberto Gil e outras personalidades foram apresentadas no telão, tomado logo em seguida por uma enorme bandeira do Brasil. Ao final do número, Madonna abraçou efusivamente a convidada, que, assim como Anitta, figurou mais como atriz e performer, sem soltar a voz.

 


O telão exibiu uma espécie de min doc, pontuando a importância de Madonna ao longo de 40 anos no posto de ícone pop. Trechos de vários clipes e momentos de sua trajetória foram mostrados, enquanto ela discursava sobre si mesma, falando das dores e delícias de seu ofício e da idade, "que é um pecado". "A coisa mais controversa que eu já fiz foi seguir em frente", afirmou, do alto de seus 65 anos.

 


Perto do fim do espetáculo, os bailarinos e bailarinas surgiram caracterizados de Madonna em suas diversas fases, ao som de um grande mix de músicas que marcaram gerações e que não foram incluídas no roteiro da apresentação. Não faltaram, neste momento, referências, nos telões, a outros grandes expoentes do pop, herdeiros de tudo o que ela vem construindo há quatro décadas.