Bar não é glamour, bar é ofício
Existe uma ideia perigosa de que 'gostar de beber' ou 'receber bem os amigos' habilita alguém a operar um bar
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Existe uma imagem insistente rondando o imaginário coletivo: abrir um bar como extensão do ego, um projeto quase terapêutico, um sonho boêmio embalado por música boa, luz baixa e gente bonita sorrindo do outro lado do balcão. A realidade, como quase sempre, é bem menos fotogênica.
Bar não é glamour. Bar é ofício.
Talvez essa seja uma das maiores confusões dos últimos anos. Nunca se abriu tanto bar movido mais pela estética do que pela técnica, mais pelo desejo de pertencimento do que por preparo real. Abre-se um bar como quem abre um perfil: nome impactante, logo bem resolvido, cardápio curto e frases de efeito. Mas logo no primeiro mês vêm as contas, os fornecedores, a equipe, a reposição, o sábado lotado, o domingo vazio e o caixa que não fecha. E aí o encanto começa a ruir.
Há também um personagem recorrente nesse cenário: o burguês empreendedor de balcão imaginário. Aquele que “tem um bar”, mas raramente pisa nele. Aparece na inauguração, leva meia dúzia de amigos, brinda alto, posta foto no Instagram e desaparece. O bar vira um acessório social, não um trabalho. Serve mais para compor biografia do que para pagar folha, resolver conflito ou fechar pedido de fornecedor. Quando algo dá errado, e sempre dá, a culpa costuma ser do “mercado”, nunca da ausência.
Abrir um bar ou restaurante não é um sonho adolescente. Não é um gesto impulsivo. Não é rebeldia tardia nem plano de fuga. Exige maturidade emocional, conhecimento técnico e, principalmente, presença. Quem romantiza demais quase nunca conhece o peso do balcão: carregar caixa, limpar chão no fim da noite, lidar com funcionário que falta, com cliente que confunde serviço com servidão, com margem curta e erro caro.
Existe uma ideia perigosa de que “gostar de beber” ou “receber bem os amigos” habilita alguém a operar um bar. Não habilita. Assim como gostar de comer não transforma ninguém em cozinheiro. Hospitalidade é profissão. Coquetelaria é técnica. Gestão é disciplina. E nada disso funciona à distância, por mensagem ou relatório semanal.
O problema do ego é que ele costuma chegar antes do conhecimento. E, quando chega primeiro, faz estrago. Cardápios inchados, drinks autorais sem fundamento, conceitos mal compreendidos, preços desconectados da realidade. A invenção vira atalho para esconder a falta de base. E o resultado aparece rápido: inconsistência, desgaste da equipe e frustração de quem acreditou que abrir um bar seria mais leve do que realmente é.
Isso não significa que o bar não possa ser prazer, criação ou identidade. Pode e deve. Mas tudo isso vem depois da estrutura. Primeiro o trabalho. Primeiro o domínio do básico. Primeiro entender que servir bem não é agradar sempre, mas entregar aquilo que se propôs com clareza e constância.
Existe algo de muito honesto nos bons bares: eles não prometem glamour, oferecem coerência. Funcionam porque têm rotina, processos, repetição. Porque quem está atrás do balcão, dono inclusive, sabe exatamente o que está fazendo, mesmo cansado, mesmo sob pressão.
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Talvez a maturidade do setor passe por aceitar isso. Menos romantização, mais responsabilidade. Menos palco, mais bancada. Menos ego, mais presença. Porque bar não é sobre quem leva os amigos para beber de graça, mas sobre quem sustenta o lugar quando ninguém está olhando.
No fim, o brilho verdadeiro não está na foto bonita, nem no nome criativo, nem no movimento da inauguração. Está na persistência silenciosa de continuar abrindo a porta todos os dias, fazendo direito.
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E isso, definitivamente, não cabe em bio.
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