(none) || (none)
Publicidade

Estado de Minas NEGROS NOS CLUBES DE BH

Dia da Consciência Negra: juntos, Atlético e Cruzeiro têm nove pretos em cargos de gestão; não há diretor negro no América

Menos de 20% dos trabalhadores dos clubes mineiros se consideram pretos


20/11/2020 08:55 - atualizado 20/11/2020 09:13

Leo Silva é coordenador do time de transição do Atlético(foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press)
Leo Silva é coordenador do time de transição do Atlético (foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press)
Neste 20 de novembro, dia dedicado à Consciência Negra no Brasil, os grandes clubes de Belo Horizonte – América, Atlético e Cruzeiro – têm muito a refletir sobre a falta de representatividade em seus quadros de funcionários. Levantamentos feitos pelas próprias instituições a pedido do Superesportes mostram que menos de 20% dos trabalhadores que prestam serviços para as tradicionais agremiações esportivas se consideram pretos.


No Cruzeiro, são três: Deivid (Diretor Futebol), Francisco Ângelo (Gerente de Tecnologia e Sócio 5 Estrelas) e Andreia Santos(Gerente de Comunicação Institucional).

Por sua vez, o Atlético tem seis pretos, entre eles o ex-jogador Leonardo Silva, coordenador da equipe de transição. O Galo ainda disse que mantém 24 pardos em posições que exercem algum comando.

É importante destacar a diferenciação entre os termos preto e negro. Segundo o IBGE, a etnia negra abrange pessoas pretas e pardas. Apesar de o Brasil ser um país de maioria negra – 50,74% segundo o último censo – essa parcela da população não é representada em setores sensíveis da sociedade, especialmente em funções de comando do futebol.
 
No total, o Atlético tem 83 funcionários pretos (16,5%), 232 pardos (46,1%), 175 brancos (34,7%), três asiáticos, três indígenas e cinco não declarados. O Galo afirma que "a cor de pele é informada pelo próprio funcionário, no ato da contratação, ao preencher a ficha de admissão - lembrando que há funcionários com carteira assinada e também prestadores de serviço, por PJ (pessoa jurídica)".

Não há política interna para desenvolvimento de lideranças negras no Alvinegro. "O clube, embora não tenha uma política específica voltada para a questão da diversidade, tem adotado, dentro das novas diretrizes administrativas, um novo enfoque sobre esse assunto. Não apenas em relação à cor da pele, mas também a outros aspectos. Estão sendo implementados novos conceitos e uma nova mentalidade", explicou o Atlético, em nota.

Deivid é o único diretor negro do Cruzeiro(foto: Gustavo Aleixo / Cruzeiro)
Deivid é o único diretor negro do Cruzeiro (foto: Gustavo Aleixo / Cruzeiro)

O Cruzeiro possui 116 pretos (19,9%), 234 brancos (40,2%), 230 pardos (39,5%) e dois indígenas. A Raposa implantou um comitê de diversidade. "O clube entende que o papel de construir uma organização que se empenha na transformação social passa, de fato, pela maior representatividade dentro das lideranças também. Mesmo já tendo essa estrutura interna herdada das gestões anteriores, o Cruzeiro não irá se furtar de trabalhar neste direcionamento. O próprio Comitê de Inclusão e Diversidade, formado recentemente no clube, tem servido para abordar este tipo de discussão através de debates ricos em conteúdo, com defensores e representantes de diversas causas", lê-se na nota enviada pelo clube.

O América não enviou o número de funcionários, mas a porcentagem aproximada: 50% brancos, 31% pardos e 19% pretos. Nessa contagem, que excluiu parte das categorias de base, o Coelho possui cerca de 300 funcionários. A diretoria alviverde diz que tem projeto para implantar políticas de diversidade social, embora ainda em fase de discussão.

"O América se orgulha de ter um negro entre seus fundadores, além de grandes ídolos, como Juca Show e Juninho, dentre muitos outros. Atualmente, estamos desenvolvendo projetos internos voltados para políticas de diversidade (incluindo a racial), com construção de ações focadas nos funcionários, entre eles os jogadores", disse o Coelho, em nota.

Racismo estrutural

Marcelo Carvalho acompanha a discussão sobre minorias no futebol(foto: Divulgação)
Marcelo Carvalho acompanha a discussão sobre minorias no futebol (foto: Divulgação)

Fundador do Observatório da Discriminação Racial no Futebol, Marcelo Carvalho está atento à participação do negro no futebol brasileiro há décadas. Apesar disso, ficou espantado com o baixo número em cargos de gestão nos clubes mineiros. "Achava que era pouco, mas me surpreendi. É bem menos do que eu imaginava".

Carvalho acredita que a ausência de minorias dificulta o debate sobre diversidade nos clubes de futebol. "Esses números mostram a realidade de instituições que não pensam a diversidade. Clubes de futebol na sua maioria não tem uma preocupação de como os funcionários entram. Muitas vezes a questão política é mais importante. E esse preocupação nunca existiu em ter um quadro diverso. Então, os clubes de futebol são na sua estrutura completamente brancos. Isso é difícil porque impossibilita o debate. Com uma estrutura assim muitas vezes nem se dá conta da falta de diversidade neste debate", afirmou.
 
Carvalho afirma que os clubes também são perpetuadores do racismo estrutural brasileiro. "Os clubes precisam reconhecer que isso é uma falha. Precisam reconhecer que é uma estrutura completamente racista. E a partir desse reconhecimento, fazer processos de inclusão de pessoas negras, de mulheres de LGBTQ+, é preciso que esse trabalho seja feito. Não pode sentar em cima da informação falando que avaliou currículos e os que nos chegam são de pessoas brancas para a gestão e por isso a gente não tem pessoas negras. A questão é quando de fato queremos promover a diversidade temos que atacar o problema. Por isso é bom ver o que fez o Magazine Luíza para preparar estes gestores para que façam parte do meu clube. Vale lembrar que muitas vezes esses cargos são ocupados por indicação, é o filho do fulano, do beltrano, espaço onde a população negra não está para indicar alguém para ocupar este espaço", frisou.

No livro "O que é racismo estrutural?", o pesquisador Silvio de Almeida explica dois conceitos para entender este tipo de racismo citado por Marcelo Carvalho. O primeiro é o racismo institucional que abandona a ideia de racismo apenas como comportamento individual. O racismo institucional diz respeito a como o funcionamento das instituições, entre elas os clubes de futebol, concede privilégio e exclui determinados grupos de alguns ambientes de acordo com a raça. Já o racismo estrutural é aquele cristalizado na sociedade de forma cultural, discursiva e histórica, que normaliza e concebe como verdade padrões e regras baseadas em princípios discriminatórios de raça.

Lideranças negras

Neste ano, grandes empresas abriram processos seletivos de recrutamento profissional no Brasil exclusivamente para minorias. Magalu, Bayer, Gerdau, P&G e Banco BV direcionaram vagas para mulheres e pessoas negras. O movimento das empresas é para ampliar a diversidade, corrigir desigualdades e tentar melhorar os resultados a partir da seleção de pessoas com história de vida e realidades distintas.

Em entrevista à TV Cultura, a presidente da Magalu, Luiza Trajano, disse que chorou quando descobriu o que era racismo estrutural. "Nós temos que entender mais o que é racismo estrutural. No dia em que eu entendi, eu até chorei, porque eu sempre achei que eu não era racista. Nós temos que educar o que é o racismo estrutural. Eu brinco até que o nosso programa tem que ser perfeito, porque todo mundo olhou", destacou.

Lideranças brancas

Messias e Bauermann fizeram homenagem a ator de 'Pantera Negra' morto em agosto deste ano(foto: Mourão Panda/América)
Messias e Bauermann fizeram homenagem a ator de 'Pantera Negra' morto em agosto deste ano (foto: Mourão Panda/América)

Se os principais líderes do América em campo são os negros Messias, Ademir e Juninho, a diretoria executiva do clube só tem homens brancos: Dower Alexandre de Araújo (superintendente geral), Erley Lemos (diretor de marketing e negócios), Franklin Delano Roosevelt (diretor de administração), Frederico Cascardo (diretor de futebol de base), Henrique Saliba (diretor jurídico), Paulo Bracks (diretor de futebol profissional) e Renato Drummond (gerente de controladoria e Finanças).

A realidade não é muito diferente nos outros dois grandes da capital. O Atlético possui na diretoria apenas um preto: Idalmo Constantino da Silva, diretor geral do Labareda. Dentro das quatro linhas, o negro Keno é o principal líder técnico do Atlético neste Campeonato Brasileiro, com nove gols.

No Cruzeiro, ainda há espaço para duas mulheres - todas brancas - em meio a tantos homens: Luiza Guimarães, Head de Brand Experience, e Deise Chaves, Head de Projetos Incentivados. Deivid é o único diretor negro do clube. Em campo, a dupla de zaga formada pelos pretos Manoel e Cacá tem sido um dos poucos destaques da Raposa.

Os presidentes e vices de todos os três clubes são homens brancos. No Coelho, o Conselho de Administração é formado Marcus Salum, Anderson Racilan, Fabiano Rebello Horta Jardim e Marco Antônio Batista. O Atlético é governado pelo presidente Sérgio Sette Câmara e pelo vice Lásaro Cândido da Silva. Já o Cruzeiro tem Sérgio Santos Rodrigues como figura máxima, seguido por Lidson Potsch Magalhães e Biagio Peluso.

Dados mercado de trabalho 

Pretos e pardos são maioria entre trabalhadores desocupados (64,2%) ou subutilizados (66,1%), de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2019.  Em cargos gerenciais, os negros são a minoria (29,9%). Por outro lado, estão em 45,3% dos postos com menor remuneração.

Para o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o conceito de negro é a junção de pretos e pardos. Durante as pesquisas, a definição é sempre pessoal partindo de cinco opções de cor: branca, preta, parda, indígena ou amarela.

*Para comentar, faça seu login ou assine

Publicidade

(none) || (none)