Robô

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Possessed Photography/Unsplash


O setor de imagens representa a vanguarda em termos de apropriação efetiva da inteligência artificial (IA) na medicina. Já existem algoritmos que possibilitam a análise de mamografias, identificando aquelas com maior probabilidade de câncer, para que o médico consiga focar e tratar com mais precisão. O mesmo ocorre com autópsias de lesões cutâneas na área da dermatologia. E mais. O uso da IA ainda torna o indivíduo cada vez mais protagonista da sua saúde. Os dados fornecidos pela IA capacitam as pessoas a tomarem decisões mais informadas sobre suas condições de saúde. Elas podem buscar melhores opções de tratamento, controlar sintomas e tomar medidas preventivas. Essa abordagem facilita até mesmo a comunicação com o médico, que terá dados mais aprofundados para dar o diagnóstico.

Todas essas facilidades são destacadas por Eduardo Cordioli, médico obstetra e head de inovação na Docway, empresa de soluções de saúde digital no Brasil. Ele enfatiza ainda a adoção do ChatGPT, como mais uma etapa revolucionária na medicina/saúde e que se apresenta diante dos olhos da sociedade atual, com a IA cada vez mais presente: “Os dados fornecidos pela IA capacitam as pessoas a tomarem decisões mais informadas sobre suas condições de saúde, permitindo que assumam um papel ativo em seu autocuidado. Com essas informações em mãos, os indivíduos podem buscar as melhores opções de tratamento, controlar seus sintomas e tomar medidas preventivas para evitar doenças. Essa abordagem facilita até mesmo a comunicação com o médico que, ao receber um paciente bem informado, pode se aprofundar ainda mais na resolução do problema em apenas uma única consulta”, afirma.
Eduardo Cordioli destaca que a IA permite ainda que os indivíduos se conectem remotamente com os profissionais de saúde por meio da telemedicina, reduzindo a necessidade de visitas presenciais e melhorando o acesso aos cuidados: “Além disso, oferece dispositivos vestíveis, como smartwatches, que podem rastrear sinais vitais, atividade física e padrões de sono, fornecendo aos profissionais de saúde dados em tempo real sobre a saúde de um indivíduo. Essas informações podem ser usadas para monitorar condições crônicas, identificar riscos à saúde e avaliar a eficácia dos tratamentos”.

consultora Sandra Franco

A consultora Sandra Franco defende a regulamentação para dar transparência aos usos da IA

Arquivo Pessoal

Formação médica em xeque 

Com tanta tecnologia de ponta à disposição, é inegável o risco da sua interferência na formação médica de qualidade, tanto técnica quanto humana. Como balancear? Para Eduardo Cordioli essa é uma preocupação válida: “Como qualquer ferramenta, a inteligência artificial e a robótica têm o potencial para serem usadas de maneira inadequada ou excessiva. E há um risco real de que a dependência excessiva dessas tecnologias possa comprometer a formação e as habilidades dos médicos. Por exemplo, se os médicos se tornarem dependentes de algoritmos de IA para fazer diagnósticos, eles podem se sentir inseguros ou incapazes de diagnosticr sem a ajuda da tecnologia. Da mesma forma, se a IA for usada para fazer procedimentos cirúrgicos de rotina, os cirurgiões podem perder a oportunidade de desenvolver e manter suas habilidades cirúrgicas”.

E ainda, lembra o médico obstetra, “tem sempre a questão da energia elétrica, parece piada, mas sim, a ausência de energia para fazer rodar todos estes tipos de devices não pode ser um fator de bloqueio da prática assistencial. O médico tem que estar apto a continuar o tratamento mesmo sem apoio dessas ferramentas”. Além disso, completa Eduardo Cordioli, “a introdução de tecnologia avançada pode potencialmente diminuir a interação humana na medicina, uma habilidade que é fundamental para a prática médica e não pode ser substituída pela IA. O contato humano e a empatia são partes fundamentais da medicina que a tecnologia não consegue replicar”.
 
 
No entanto, Eduardo Cordioli enfatiza que a IA e a tecnologia não devem ser vistas como substitutas, mas sim como ferramentas que auxiliam os médicos: “Os médicos ainda precisam aprender e manter uma base sólida de conhecimentos médicos e habilidades clínicas para poderem usar a tecnologia de maneira eficaz e ética. Para mitigar esses riscos, a educação e o treinamento médico devem evoluir para incorporar o aprendizado de tecnologia e IA, ao mesmo tempo em que enfatizam a importância de manter e desenvolver habilidades clínicas e de diagnóstico. Além disso, é importante estabelecer diretrizes e regulamentações claras sobre o uso adequado da tecnologia na medicina”.

Dos benefícios todos sabem, são alardeados, festejados e com resultados comprovados. Mas tudo tem dois lados. E quais seriam os riscos, as ameças, os perigos do uso da IA na medicina? Eduardo Cordioli enumera alguns. Confira no quadro ao lado.

Eduardo Cordioli

Eduardo Cordioli enfatiza que a tecnologia não dispensa o médico de buscar uma base sólida de conhecimentos

Arquivo Pessoal

Uso exige ética e equilíbrio

A inteligência artificial (IA) já faz parte da vida de todos, sem que ao menos se perceba ou se pense a respeito. Basta lembrar das casas inteligentes, assistentes pessoais (Alexa, lembra?), no marketing digital, metaverso, carros autônomos, aplicativos... E na medicina mostra cada vez mais presença, seja na área clínica, laboratorial e cirúrgica. Avanços que virão a qualquer momento, sem retroceder, mas é necessário regular os usos, diz especialista. Com a chegadado ChatGPT, a IA ganhou destaque maior, com usos vão  além do que vinha sendo pensado pelos profissionais de saúde, diz  Sandra Franco, consultora jurídica especializada em direito médico e da saúde, doutoranda em saúde pública e diretora jurídica da Associação Brasileira de CIO Saúde (Abcis), entidade que promove o intercâmbio de conhecimento e práticas em tecnologias da informação  no segmento de saúde.

Ela cita reportagem do “New York Times” que constatou que os médicos vêm usado o chatbot movido a inteligência artificial desde que a empresa OpenAI lançou a primeira versão gratuita do ChatGPT, em 30 de novembro de 2022. Os usos, conta Sandra Franco, ultrapassam as previsões aproveitamento do ChatGPT e outros modelos de linguagem movidos a IA para cuidar de tarefas como redigir encaminhamentos para convênios de saúde ou resumos dos prontuários de pacientes. “Os médicos estão utilizando a ferramenta para ajudá-los a se comunicar com os pacientes de maneiras mais compassivas. Assim, eles usam para encontrar as palavras para transmitir más notícias ou expressar preocupação com o sofrimento de um paciente, ou apenas para explicar recomendações mais claramente”, conta a consultora. “Trata-se de uma questão mais emocional e pessoal do que técnica, mas isso demonstra que a IA pode ser importante em vários aspectos da medicina”, acredita ela.

No Brasil, Sandra Franco destaca que a IA é muito utilizada para medicina diagnóstica. Há projetos de hospitais para treinar as máquinas para interpretar imagens, por exemplo, e assim conseguir multiplicar e acelerar os resultados. Outra utilização é em serviços de pronto-atendimento, com alguns scores que são feitos por meio de perguntas respondidas por médicos, enfermeiros e pacientes e que “geram resultados formulados por esses padrões e condutas terapêuticas mais assertivas para o paciente”. Além disso, acrescenta, diagnóstico precoce de alguns tipos de câncer (como o de mama) também já estão em curso no país com o auxílio da IA.

Com tantas aplicações e implicações, defende,  se faz necessária a regulamentação para seu uso ético e seguro para todos, “o que tem sido um desafio mundial”. Sandra cita um artigo do prof. dr. Renato Marcos Endrizzi Sabbatini em que foi descrita sua interação com o ChatGPT de forma a apresentar um caso real de uma doença rara, com o escopo de verificar se a ferramenta de fato representa uso adequado para a medicina: “Resumidamente, a conclusão foi a de que a ferramenta alcançou o diagnóstico preciso depois de alguns segundos, em um caso com anos de espera para se firmar a mesma conclusão pelos médicos que atenderam aquela paciente. A ressalva do professor, porém, é a de que as referências não são fiáveis, sendo algumas, inclusive, inventadas pela ferramenta, o que claramente gera um alerta”.

Regulamentação

Sandra Franco lembra que o Parlamento Europeue, 14 de junho, o Ato de Regulamentação para o Uso da Inteligência Artificial (Artificial Intelligence Act), inclusive proibindo as tecnologias que apresentam ‘um nível inaceitável de risco’, como ferramentas de policiamento preditivo ou sistemas de pontuação social, utilizados pela China, por exemplo, para classificar as pessoas com bases no comportamento e status socioeconômicos”, explica. Já nos Estados Unidos, que estão bastante avançados em pesquisas para o uso de IA, lembra, não há uma lei federal que regulamente o tema, “subsistindo, porém, diretrizes éticas emitidas pelo Federal Trade Commission (órgão responsável pela proteção de consumidores e da concorrência no país)”.

No Brasil, diz a especialista, há um avanço no sentido de publicar um marco legal para a IA. O Congresso aprovou o PL 21/2020, em 2021, na Câmara dos Deputados. O texto estabelece princípios, direitos e deveres para o uso de inteligência artificial e está sendo analisado no Senado. “É essencial a participação ativa de médicos e profissionais de saúde nas diretrizes do projeto, pois conhecem as aplicações, os potenciais riscos e benefícios da IA aplicada à saúde”, defende.

Conforme a consultora jurídica, o que se pretende com a normatização é que o chamado Marco Legal da Inteligência Artificial não viole os direitos dos cidadãos. “A discussão é fundamental para dar maior transparência, equidade e também para direcionar a participação do Estado e da população na definição do arcabouço jurídico sobre o tema”, defende. O PL 21/2020 define princípios para a IA, como o da não discriminação, da finalidade benéfica ao ser humano. O texto traz fundamentos ao desenvolvimento e aplicação da tecnologia, como estímulo à autorregulação, a livre manifestação de pensamento, a livre expressão e a proteção de dados pessoais. “No setor da saúde, é essencial que se regulem essas ferramentas para dar norte, transparência e equilíbrio sobre a utilização da IA, sem impedir que as inovações auxiliem médicos, profissionais e pacientes”, diz.

Tecnologia na balança

Confira possíveis impactos positivos e negativos da IA na medicina

  • Melhoria da precisão e da eficiência do diagnóstico: algoritmos de IA podem analisar grandes quantidades de dados e identificar padrões que seriam difíceis para os humanos detectarem. Isso também pode resultar em tratamentos mais eficazes e personalizados.
  • Quebra de barreira geográfica: em áreas onde os recursos médicos são limitados, a tecnologia pode possibilitar o acesso às consultas médicas e diagnósticos por meio da telemedicina ou de 
  • aplicações de IA.  
  • Monitoramento contínuo da saúde:  tecnologias como wearables e aplicativos de saúde permitem que os pacientes monitorem sua saúde continuamente, facilitando a detecção precoce de problemas de saúde e a aderência a planos de tratamento.
  • Precisão e interpretação: a IA pode ser tendenciosa e menos eficaz se os dados de treinamento não forem representativos de determinado grupo. É preciso entender bem como o algoritmo foi treinado, qual a população a que ele se refere. Um exemplo fácil e palpável: febre em Londres nunca será dengue; febre em São Paulo, dependo do mês e onde o paciente mora, pode ser dengue.
  • Responsabilidade: se uma IA, como o ChatGPT, fornecesse um conselho médico que resultasse em dano ao paciente, quem seria responsável? O desenvolvedor que criou o algoritmo? O médico que confiou nele? Ou o hospital que o implementou? Estes são problemas legais complexos que ainda estão sendo discutidos.
  • Segurança de dados: os dados de saúde são sensíveis e existe muita tentativa de ataque e sequestro deles. É importante garantir a segurança dos dados do paciente, especialmente quando grandes volumes de informações são necessárias para alimentar algoritmos de IA. 
  • Dependência da tecnologia: os médicos podem se tornar excessivamente dependentes da IA, o que pode atrofiar suas habilidades diagnósticas, por exemplo, na interpretação de imagens como raios-X ou de ressonância magnética, ou das informações passadas pelo paciente. “Medicina é uma ciência convergente, onde você colhe e pensa dados, mas também leva em conta sua experiência e intuição. Nem sempre aquilo que o paciente nos diz é totalmente a verdade. E saber extrair esta verdade é que separa o excelente médico do médico mediano”
  • Desumanização do atendimento médico: no diagnóstico de uma doença grave, por exemplo, a entrega da notícia por um algoritmo pode ser percebida como insensível e causar estresse adicional ao paciente. Existem formas corretas de se dar notícias difíceis.
  • Equidade: pacientes sem acesso à tecnologia ou à internet podem ser deixados para trás.
  • Confiança sem precisão:  embora a IA possa fornecer informações médicas, nem sempre é fácil para os pacientes avaliarem a precisão delas. Há risco de pacientes confiarem excessivamente em conselho médicos fornecidos por algoritmos, que podem não ser sempre precisos ou adequados para sua situação específica.