médico Augusto Valente em seu consultório

O médico cirurgião plástico Augusto Valente, com 33 anos de formado, avisa que existe em torno de 7 mil cirurgiões plásticos brasileiros da SBCP, a maioria profissionais íntegros

Camila Falci/Divulgação
A procura por cirurgias plásticas no Brasil só aumenta. Dados de 2021da Sociedade Internacional de Cirurgia Plástica Estética (International Society of Aesthetic Plastic Surgery, Isaps) apontam que o país é vice-líder mundial em cirurgia plástica, com 12,7% do total de procedimentos, perdendo apenas para os Estados Unidos, que fizeram 15,5%. 

 

Em 2021, o Brasil registrou 1.634.220 intervenções cirúrgicas estéticas e, dessas, 258.720 foram lipoaspirações, a principal cirurgia no país. Na sequência, estão aumento da mama (177.960), cirurgia de pálpebra (177.240), a abdominoplastia (128.280) e, para fechar o top 5, o levantamento de seios (105.000), segundo o Isaps.

 

O médico Augusto Valente, com 33 anos de formado, sendo 27 de cirurgia plástica, fellow com o professor Ivo Pitanguy, alerta sobre a maneira como os casos de óbitos de pacientes em cirurgias plásticas têm sido tratados e questões que precisam ser deixadas claras para a população: "Hoje, vemos muitos pacientes que buscam informação no Instagram, no Facebook. As redes sociais são excelentes para conhecer seu médico, ver o jeito dele, qual sua proposta, mas é preciso ter informação adicional para ter segurança em procurar um profissional".

Augusto Valente enfatiza que a cirurgia plástica não tem como garantir resultados: "Muitos advogados falam na mídia que o médico 'tem obrigação de ter o resultado', o que é um absurdo. O próprio Conselho Federal de Medicina (CFM) tem artigo que reconhece a cirurgia plástica como modalidade de meio como as outras especialidades. O fato de ela tratar, uma parte, da estética, de forma, isso não significa que ela deixa de ser um ato médico, um procedimento cirúrgico como qualquer outro. Não há como garantir que a cirurgia ficará perfeita ou que não terá nenhuma intercorrência, como também não há como garantir que evoluirá para algo mais grave, como o óbito".

Leia também: Veja a relação entre cirurgias plásticas e saúde mental.

Procurar um profissional que não seja cirurgião plástico é confiar naquele que cortou o caminho da formação e se julga apto a fazer procedimentos que, se não saem dentro do esperado, podem ser catastróficos

Augusto Valente, médico cirurgião plástico



O médico alerta que existem duas maneiras de uma cirurgia evoluir para um fatalidade: "Uma é o desígnio de Deus, algo mais filosófico e espiritual, uma reação anestésica improvável ou uma arritmia cardíaca também improvável, que não conseguimos fazer uma prevenção de problemas. A segunda está ligada à negligência,  imperícia e a imprudência do profissional e, neste caso, a prevenção começa em uma consulta longa e detalhada para saber da saúde do paciente e não para lhe fazer uma cantada para ganhar dinheiro. A remuneração é consequência de um trabalho bem-feito e seguro. Na consulta, é hora de fazer uma sequência de pedidos de exames, como teste ergométrico, ecocardiograma, bateria de exames de sangue, exames de imagem, no caso de uma abdominoplastia ou lipoaspiração um ultrassom de abdômen e parede abdominal para saber se há alguma doença. É preciso da avaliação de um angiologista porque 90% dos óbitos em cirurgia plástica ocorrem por causa varizes de membro inferior, de uma trombose e o risco da embolia pulmonar. O cirurgião que é preocupado usa todas as tecnologias disponíveis no mundo para a prevenção da trombose, uso da meia, do massageador pneumático do membro, que fica na paciente desde a cirurgia até o dia seguinte, porque ela não pode movimentar as pernas".

 
Leia também:  Jovens e cirurgia plástica: cresce número de procedimentos; saiba o motivo.

Augusto Valente explica que, antes de mais nada, não existe um padrão para cirurgia plástica, a decisão ocorre quando a paciente se olha no espelho e vê algo que a incomoda, coloca na balança os riscos e acha que deve fazer um procedimento: "Essa é a primeira etapa. Normalmente, não deve se fazer todo ano, define por uma intervenção, escolhe o cirurgião adequado e fica ciente dos prós e contras. Apesar de a cirurgia plástica ser segura, ela tem um pós-operatório que precisa se preparar psicologicamente, estar bem com a família e com a vida. São 30 dias de recuperação para uma cirurgia corporal, já a facial é um pouco menos. Tem de estar bem focada na recuperação e seguir estritamente as recomendações, já que muitos problemas ocorrem em pacientes que não cuidam da cirurgia, começam a dirigir precocemente, não tem posição adequada no leito, faz dieta antes da hora, não se alimenta adequadamente.  Não existe uma alimentação indicada para pós-operatório, mas ela tem de ser nutritiva, ter vitaminas e proteínas, é importante".

A escolha do cirurgião plástico 

Conforme Augusto Valente, a escolha do profissional é  fundamental e a principal atitude do paciente é saber ser o profissional é da  Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP): "Isso não é reserva de mercado, essa Sociedade tem 75 anos e prepara adequadamente com provas e exames o profissional para exercer a cirurgia plástica, que parece simples, mas muitos outros profissionais, médicos e não médicos, estão invadindo a área, sempre em busca do vil metal, do dinheiro fácil. Procurar um profissional que não seja cirurgião plástico é confiar naquele que cortou o caminho da formação e se julga apto a fazer procedimentos que, se não saem dentro do esperado, podem ser catastróficos. A formação de um cirurgião plástico é de 12 anos, seis de faculdade, mais seis de residência". 


Leia também: Médico do IMO conta sua versão da cirurgia plástica que acabou em morte .

Augusto Valente alerta que hoje, muitos pacientes buscam informação no Instagram, no Facebook: "As redes sociais são excelentes para conhecer seu médico, ver o jeito dele, qual sua proposta, mas são apenas a cereja do bolo".  

Sensacionalismo? 

Formado em medicina na UFMG e com residência em cirurgia geral no Hospital das Clínicas da UFMG e residência de cirurgia plástica no Hospital dos Defeitos da Face em São Paulo, Augusto Valente se preocupa como a morte de uma paciente em cirurgia plástica é divulgada: "Há pessoas inescrupulosas, uma mídia marrom que,  antes mesmo de saber se foi um erro médico, se a clínica tem algum problema, já crucifica o médico, faz lichamento popular e não sabe qual a real culpa e omissão do médico no procedimento cirúrgico. Todo cirurgião tem a possibilidade de ter o óbito, mas é preciso saber se houve negligência, imperícia e imprudência. É preciso lembrar a todos que existe uma classe, em torno de 7 mil cirurgiões plásticos brasileiros da SBCP, a maioria profissionais íntegros, há uma minoria que não age com escrúpulo e visa só o ganho financeiro, então quando sai reportagens sensacionalistas, como nesse último caso, que não vou comentar antes de saber o resultado da necropsia, afeta a todos os médicos cirurgiões plásticos. Temos família, contas para pagar, isso cria um medo coletivo do procedimento, pacientes desistem da cirurgia. É como falar que o metrô de BH sempre dá uma descarriada e, assim, reduzir o número de passageiros, inseguros de andar no transporte. Não é verdade, pode até ocorrer, mas o sistema de segurança é grande. Assim como é o sistema de segurança da saúde na cirurgia plástica, também muito grande".

Cirurgiões plásticos brasileiros respeitados internacionalmente 

Augusto Valente destaca que o Brasil é considerado o melhor do mundo em poucas coisas: "Existem os oftalmologistas, que são referências e, no geral, na área médica, a cirurgia plástica é uma especialidade médica que é respeitada no mundo inteiro. E veio muito da atuação do professor Ivo Pitanguy, mineiro, que demonstrou ao mundo a capacidade criativa do cirurgião plástico do nosso país. Então, somos chamados para todos os congressos mundiais, sempre têm de ter um brasileiro, e isso nos dá orgulho, chegarmos em países do primeiro mundo com uma postura de qualidade, qualificação e de respeitabilidade".

 

A questão da cirurgia estética quase sempre gera mais questionamentos. Mas Augusto Valente enfatiza que no meio médico, do cirurgião plástico, não existe a divisão entre cirurgia estética e cirurgia reparadora: "Se a pessoa tem mama bonita e quer aumentar, até seria estética. Mas uma menina que tem um nariz enorme a deixa intimidada, com uma timidez que não deveria ter, quando ela vai ao cirurgião para uma rinoplastia, a cirurgia é considerada reparadora. A paciente que tem uma mama enorme, que lhe dá dor nas costas, que não consegue usar um biquíni, um sutiã, ela faz uma mamoplastia redutora, que a maioria considera estética, mas não é. Hoje, inclusive, tentamos junto a CRM mudar esta análise porque não há essa divisão. Uma pessoa que pós-gestação tem um abdômen que flácido, cheio de estrias, com abaulamento, que a constrange na escolha da roupa ou ir ao clube, ao fazer uma lipoaspiração e abdominoplastia, o cirurgião plástico está restaurando o corpo dela ao visual que a mulher tinha antes da gestação. Toda cirurgia é uma reparação de uma alteração de uma forma estética do que se considera bonito no corpo".  

Mortes na cirurgia plástica

Sobre pacientes que vão a óbito em cirurgias plásticas, Augusto Valente lembra que "é interessante que a cirurgia bariátrica, por exemplo, apesar de ser extremamente segura, mais segura que uma cesariana e uma cirurgia de vesícula, tem índice óbito de 1 para 1.000, ou seja, de mil pacientes que operam, um morre. E a estatística em medicina é ferrenha. Então, se imaginar que no Brasil se opera de 1,5 milhão a 2 milhões de pacientes de cirurgia "estética", se morresse 1 para cada 1.000, que seria 0,1% dos pacientes, se imaginaria que morreria 2 mil pacientes de cirurgia plástica. Então, quando as pessoas entendem isso, enxergam como é segura a cirurgia plástica. Nesse universo, temos  20, 30, às vezes, 50 óbitos no ano. Então, estatisticamente, o risco de morrer em cirurgia plástica, quando é bem-feita, com profissional correto, no lugar adequado e com a preparação recomendada, é muito pouco frequente. Tenho uma estatística de 2019. Em Minas Gerais foram 800 mil casos de dengue, com mil óbitos. A impressão que temos é que se pode morrer de tudo, de COVID, engasgo, raio, de abelha, acidente de trânsito, mas quando é cirurgia plástica vira uma consternação, execra uma classe. E as pessoas que fazem a cirurgia plástica com seriedade?"

Bons e maus cirurgiões plásticos

Augusto Valente enfatiza que em toda área há bons e maus profissionais: "Tem que ter uma divisão do joio do trigo. Profissionais reincidentes, que demonstram negligência, imprudência e imperícia, mesmo sendo especialista em cirurgia plástica, têm de ser punidos severamente, com rapidez, quando comprovado que não têm o direito de serem médicos, direito que é dado por Deus e pela legislação dos homens, uma responsabilidade grande porque lida diretamente com a vida".

Para o cirurgião plástico, outra questão que envolve a especialidade e contribui para questionamentos, é que hoje em dia "há médicos, até pediatras, ginecologistas, anestesistas e clínicos fazendo  procedimentos de cirurgia plástica. E isso é assustador. Segundo o CFM a explicação é que qualquer médico pode fazer qualquer cirurgia ou tratamento. Poder, pode, mas ele tem de ter o Registro de Qualificação de Especialidade (RQE) e, no caso da cirurgia plástica, tem de ser o RQE de cirurgia geral e plástica. Para se proteger e ter ainda mais segurança a basta a população acessar o site do CRM e saber se o profissional tem especialização em cirurgia plástica".

Lenda urbana

 

Augusto Valente também alerta sobre outro ponto: "Há uma lenda urbana que toda cirurgia plástica tem de ser feita em hospital com CTI. Há vários vieses com análise desse fato. Acredito que operar  um paciente com doenças associadas, como uma cardiopatia, em grandes hospitais, como MaterDei, Felício Rocho, aí sim é bom ter uma estrutura hospitalar. Mas na minha visão uma infecção hospitalar é tão grave quanto a falta de um CTI. Antigamente, havia muitas clínicas sem estrutura nenhuma para cirurgia plástica, ocorreram problemas. Hoje, elas se estruturaram, se transformaram em hospital dia, com médico de plantão e toda a estrutura para preparar o paciente para uma transferência para o CTI se necessário. O hospital de plástica não tem interesse em ter essa estrutura porque é muito cara e usada raramente. E ainda tem a questão do paciente ter ou não plano de saúde com cobertura para  CTI. É complexo. O hospital de plástica tem de ter estrutura para fazer a remoção com segurança, via UTI móvel para dentro de um centro de tratamento intensivo".  

Último caso de morte em BH 

Na última semana, veio à tona o caso de Gleyciane Alves Maciel Brito, de 38 anos, que morreu na terça-feira (25) após ser submetida a lipoaspiração e abdominoplastia no Instituto Mineiro de Obesidade (IMO), na Região Centro-Sul de Belo Horizonte, pelo médico cirurgião plástico Lucas Mendes. A Polícia Civil instaurou inquérito para investigar a morte.