professora Gabriela Oliveira Freitas

Segundo a professora Gabriela Oliveira Freitas, não necessariamente precisamos ser gratos por tudo o que aconteceu, mas é possível avaliar o ano sem vitimização

Marcos Vieira /EM/D.A Press
A filosofia, no geral, busca desenvolver uma consciência crítica sobre o mundo, busca compreender a existência humana, de modo que sempre tem a ver com o olhar para a vida e para o mundo. “Por isso, a ideia de filosofia da gratidão também tem a ver com esse olhar, consiste na busca pela consciência das benesses diárias que nos são concedidas. Não significa que devemos instaurar a chamada “positividade tóxica”, que é aquela que nos leva a ser gratos até pelas desgraças da vida”, diz Gabriela Oliveira Freitas, professora da Estácio Belo Horizonte, especialista em teoria e filosofia do direito e pós-doutoranda em direito pela Universidade de Bologna, na Itália. 
 
“Quando passamos por algo ruim, sempre tem alguém que surge para dizer que serviu de aprendizado, não é? Ou, quando termina um relacionamento, e alguém, cheio dessa positividade, afirma que foi livramento. Sempre brinco que livramento seria se eu nunca tivesse sequer tido que vivenciar aquela experiência. Mas a vida é mesmo cheia de experiências boas e ruins, faz parte. Não agradeço por todas elas, mas agradeço por aquelas que me proporcionaram algo de bom”, revela.

Gabriela destaca que, ao longo da pandemia, diversas pessoas afirmavam que todos deveriam agradecer pelas coisas positivas daquele momento histórico. “Isso é positividade tóxica, diversa da gratidão. A gratidão, em um período como o que vivemos entre 2020 e 2021, não deve me conduzir a uma gratidão pelas ‘coisas boas da pandemia’, mas me conduzir a um reconhecimento que tive benesses mesmo em um momento terrível”, lembra. 

“Não existe um olhar positivo sobre a pandemia. Por qualquer aspecto que se olhe, vivemos algo devastador. Porém, posso agradecer por, no meio de tudo isso, trabalhar em algo que me permitia o labor em casa, posso agradecer porque, no meio do caos, não perdi emprego, não perdi familiares. Então, é importante perceber que a filosofia da gratidão não significa ser grato por tudo, mas, sim, em reconhecer que, mesmo em situações terríveis, posso ser grata pelas coisas boas que tenho ou que me foram proporcionadas.” 

SÃO TOMÁS DE AQUINO

De acordo com Gabriela, filosoficamente, é possível dizer que a ideia de gratidão remonta a São Tomás de Aquino, que escreveu uma obra intitulada “Tratado sobre gratidão”, em que apresenta três níveis de gratidão. “O nível superficial é o do reconhecimento intelectual, da consciência do benefício recebido. O segundo nível é o do agradecimento, que consiste em dar graças a alguém por aquilo que fez por nós. E o terceiro nível, o mais profundo, é o que leva à constituição de um vínculo, é o nível de nos sentirmos vinculados e comprometidos com essas pessoas.”

 Jean-Paul Sartre

Jean-Paul Sartre, filósofo francês, dizia que 'não importa se me fizeram mal ou não, mas importa o que eu faço com o que fizeram de mim'

O Cruzeiro/Arquivo Estado de Minas - 3/4/1957

 
Obviamente, acrescenta a professora, não se pode desconsiderar que São Tomás de Aquino, um dos grandes nomes da filosofia medieval, escreve em um período de grande relevância religiosa. “Porém, sua abordagem sobre a gratidão não se limita a uma perspectiva religiosa, e tem grande relevância para que se busque a consciência e percepção de que, diariamente, somos agraciados de diversas formas. Além disso, a gratidão em São Tomás de Aquino configura-se, em último nível, como o dever, não só de agradecer, mas de construir um vínculo com aqueles que nos promovem benesses. Não é à toa que a palavra ‘obrigado (a)’ é utilizada para representar gratidão a alguém. Aliás, etimologicamente, essa palavra, em sua origem grega, tem o mesmo sentido de eucaristia, que significa reconhecimento e partilha.”

SAÚDE MENTAL

Vale lembrar também de Jean-Jacques Rousseau, filósofo suíço, teórico político, escritor e compositor, que afirma que “a gratidão é uma dádiva que deve ser paga, mas que ninguém tem o direito de esperar que seja”. “Assim, entende-se que não se deve esperar gratidão de ninguém, mas, sempre que possível, devemos exercê-la. Existem diversas abordagens sobre a gratidão na filosofia, mas, na grande maioria, o estudo filosófico da gratidão a compreende como algo benéfico para quem agradece. Claro, algumas pessoas podem enxergar a gratidão como uma espécie de fraqueza, de reconhecer que precisei de fatores externos para ter algo valioso em minha vida. Porém, existe, inclusive, um estudo, empreendido na Universidade de Berkeley, que constatou a melhoria da saúde mental a partir da gratidão, uma vez que as pessoas, ao manifestar a gratidão, apresentaram maior ativação no córtex pré-frontal medial.” 
 
Ao fim de um ano e a chegada de outro, ser grato é essencial. “Parece ser inevitável, não é mesmo? Ao chegar ao fim de um ciclo, fazemos uma autoavaliação, uma análise do que ocorreu.  Acredito que façamos isso para ter a sensação de recomeço, de novo início de possibilidades. Avaliamos o ciclo anterior para nos preparar para o próximo. E não, necessariamente, precisamos ser gratos por tudo o que aconteceu, mas é possível avaliar o ano sem vitimização”, comenta. 
 
“Sim, tivemos sofrimentos em 2022, nós todos. Nenhuma pessoa foi totalmente feliz em todas as horas dos 365 dias do ano. Mas também nenhum de nós foi totalmente infeliz. Confesso que, além de serem mais agradáveis as pessoas que se sentem gratas e não só reclamam, é mais racional exercitar a gratidão. Significa que consigo ter um olhar razoável sobre a própria vida, sem que me sinta vítima das escolhas e dos acasos”, opina a professora.
 
Gabriela destaca ainda Jean-Paul Sartre, filósofo, escritor e crítico francês. “Gosto de uma frase de Sartre que diz mais ou menos assim: ‘Não importa se me fizeram mal ou não, mas importa o que eu faço com o que fizeram de mim.’ Isso reflete um alto grau de responsabilidade e consciência, significa que compreendo que coisas ruins e tragédias vão me atingir ao longo da vida, e que não preciso ser grata por isso, mas posso ser grata pela minha capacidade de lidar com problemas. E, para ser grata por isso, preciso aprender a lidar com eles.”

 
Presentear também é uma forma de gratidão

Troca de presentes

A troca de empatia, carinho, presentes... saber agradecer e saber doar

Natura/Divulgação
 

Ribeirão Preto (SP) - Quando ganhamos um presente, nosso cérebro é inundado por dopamina, serotonina, ocitocina e endorfina, neurotransmissores também co- nhecidos como hormônios da felicidade. É natural pensar então que a chegada do fim de ano, com a troca e doação de mimos, é também uma porta para ser feliz.
 
Especialistas, porém, afirmam que a sensação de alegria não é um estado permanente. O mais comum, aliás, é que esses episódios variem em intensidade de acordo com cada pessoa, podendo, inclusive, ser ampliados pela inte- ração humana de qualidade durante as festas de fim de ano.
"Tem vários pedacinhos do cérebro que são ativados quando você sente alegria, que é uma das nossas seis emoções básicas", diz o psicólogo Yuri Busin, doutor em neurociência cognitiva. Assim, quando acontece uma troca de presentes, por exemplo, o tecido cerebral recebe uma enxurrada de dopamina, gerando bem-estar no corpo.
 
Essa sensação pode ser ampliada por gestos como abraços, fazer trabalho voluntário ou simplesmente estar em contato com pessoas, ações que atuam como ativadoras de ocitocina.
"Existem estudos que mostram que experiências são muito mais eficazes do que a presença física para promover o sentimento de felicidade e alegria, mas isso vai depender do valor que aquela pessoa atribui àquilo", afirma Busin, que é fundador da clínica on-line Diálogo Positivo.
 
Esse "valor" consiste na quantidade de emoção e conexão atribuída ao evento. "O autoco- nhecimento é a chave para obter momentos de alegria", diz Busin.
 
O psicólogo destaca ainda que felicidade e alegria são diferentes entre si, sendo a primeira um estado mental quase impossível de atingir enquanto a segunda é fragmentada em lampejos recorrentes que proporcionam bem-estar.
 
Outro ponto de reflexão sobre a troca de presentes é reconhecer o que nos deixa mais alegres: dar ou receber. "A troca de presentes está inserida em nossa cultura. Muita gente tem dificuldade em relação ao recebimento de um presente. O dar é extremamente gratificante, porque você pensa no outro, mas aprender a receber também é importante para nossa vida", reforça Busin.