Ilustração pessoa caminhando em uma trilha suspensa

Em um novo ano, todos sempre têm a oportunidade de rever e escolher qual caminho percorrer

Gerd Altmann/Pixabay
“Embora ninguém possa voltar atrás e fazer um novo começo, qualquer um pode começar agora e fazer um novo fim.” A sabedoria de Chico Xavier, médium, filantropo e um expoente do espiritismo, ensina a todos que viver é sempre um recomeço, um esperançar, sem ter que, como ele também ensinou, “cobrar tributos da gratidão”. Com o fim de 2022 e a expectativa do que 2023 vai proporcionar, mirar o que está por vir é a energia renovada que o ser humano precisa para se manter de pé e seguir em frente.
 
A fusão entre a gratidão e a esperança são atitudes perante a vida que amalgamam a alma daqueles que alimentam um sentimento de saber que as quedas são inevitáveis, mas que levantar sempre é uma possibilidade.
 

Agradecer sempre é receber mais. Mesmo diante das coisas ruins, as adversidades podem se manifestar de maneira positiva, se transformar em ensinamentos

Wânia Lúcia Divino Pereira da Rocha, estudante da maturidade

 
 
estudante da maturidade

Wânia Lúcia Divino Pereira da Rocha

Alexandre Guzanshe/EM/D. A Press
 
 
Wânia Lúcia Divino Pereira da Rocha, de 67 anos, laboratorista aposentada e estudante do curso de maturidade da Estácio Belo Horizonte, tem a gratidão como uma referência entre as retas e curvas da vida. “Agradecer sempre é receber mais. Mesmo diante das coisas ruins, as adversidades podem se manifestar de maneira positiva, se transformar em ensinamentos. Por isso, gratidão é reconhecer as coisas que a vida lhe deu e ter esperança sempre.”
 
Para Wânia, gratidão não vive sem esperança. “É preciso parar de reclamar. Reclamar é ingratidão. Se não está bem, saiba que há situações piores. Acho importante pensar em pontos de vista diferentes. A maioria só enxerga o próprio umbigo. Sempre tive uma doença desde pequena, era ruim, mas hoje estou muito melhor. Aos 4 anos, fui diagnosticada com reumatismo infeccioso que me limitou muito e ainda convivo com uma artrose. Mas nunca deixei de viver, apesar das dificuldades”, conta. 
 
“Criança, obrigada a ficar de repouso, brincava de boneca em cima da cama. Tive de tomar uma injeção de Benzetacil, famosa por doer muito, demais. No entanto, sempre depois ganhava um pastel e era uma alegria. Adoro dirigir, mas a vista não é mais a mesma e tive de parar. Mas dirigi por 20 anos e, agora, meu marido me leva por aí e ainda ganho a carona de amigas. Então, acredito que tudo tem um lado bom. É fundamental olhar por outra perspectiva, a de que vai melhorar e ser grato. É assim que procuro ser.”
 
Wânia lembra que sem esperança ninguém sai do lugar. “Nunca desisti do que sonhei para a minha vida. Mesmo com artrose, dançar era um desejo de criança. E agora, aos 67 anos, consegui realizá-lo. No curso de maturidade, faço dança flamenca. Fiquei sem andar, batalhei e aqui estou, feliz, buscando usufruir o melhor para a minha vida. E também faço teatro, mesmo sem enxergar direito. A professora aumenta a letra dos textos e sigo em frente. Se a esperança morrer, a gente morre junto.”

VÁ EM FRENTE

Por isso, o balanço do fim de um ano e recomeço de outro para Wânia é visto com os olhos de positividade, de que tudo ocorreu como era para ser e que a única postura é “ir em frente”. Para ela, “2023 será o ano do renascimento, já que 2022 ainda foi bem difícil, mesmo com o controle da pandemia. O medo de tudo vai arrefecer. Desde 2020, foi terrível, eu tive COVID, nos tornamos solitários, obrigatoriamente isolados, mas precisamos ter consciência de nos cuidar e ver 2023 como um ano de alegria, se Deus quiser, com muita luz e saúde”, diz. 
 
“Tenho fé, crença, apego à vida e procuro que ela seja mais leve, ao lado do meu marido, Altamirano, de 73. Estamos juntos há 44 anos, e dos meus filhos Bruno, médico-veterinário, e Gisele, professora e fazendeira. A família, aliás, é outro alicerce para que eu possa exercer a gratidão e a esperança. Tendo o exemplo da minha mãe, Zely, de 92, que mora comigo, e me ensina todos os dias a sabedoria de viver. Sou muito grata.” 
 
A filosofia da gratidão entende que tudo depende da forma como olhamos para a vida, se de forma positiva ou negativa. Gratidão e esperança, mais do que explicar o sentido, é fundamental que cada um saiba viver a experiência. É ser grato sem esperar nada em troca, fazer o bem, ter o coração aberto e adotar uma atitude perante a vida que garante transformação, ganhos emocionais, sentimentais, faz bem à saúde física e mental e, assim, quem consegue ser grato e ter esperança cria um ciclo virtuoso no qual possa estar a tão desejada felicidade. Ainda que em pílulas.

Modernidade aumenta potencil da ingratidão

Marcelo Galuppo, professor de filosofia do direiro da PUC-Minas e UFMG e coautor, com Davi Lago, do livro “#Umdiasemreclamar”, da Editora Citadel, destaca que a ingratidão não é um problema exclusivo do mundo moderno, mas sem dúvida a modernidade aumenta o potencial de ingratidão, porque coloca pessoas diferentes vivendo em um mesmo espaço, com projetos e valores distintos.
 
“O filósofo Alain de Botton diz que, na Idade Média, os homens viviam em meio à miséria, mas, como todos eram igualmente miseráveis, ninguém se sentia privado de um direito. Hoje, compro o carro mais caro de uma montadora nacional, mas, quando olho para o lado, meu vizinho comprou um carro importado, e me torno ingrato com a vida e com os outros. Se não formos capazes de construir valores comuns na sociedade, se não formos capazes de construir uma sociedade justa, livre e igualitária, seremos sempre ingratos em uma sociedade que é dividida contra si mesma.”
 
Para o professor de filosofia, fim de ano e a chegada de um novo ano é uma ocasião especial na vida de todas as pessoas. “Em todas as culturas, a ideia do fim de um ciclo cósmico é importante, porque precisamos ter a chance de recomeçar. Cometemos erros, mas sempre queremos viver de tal modo que nós mesmos e aqueles que amamos se orgulhem de nós. Isso tem a ver com a gratidão e com a esperança – uma encerra um ciclo, a outra inicia um novo ciclo. O que é importante é sempre ter isto em mente: devemos viver uma vida que julguemos valer a pena ser vivida.”