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Estado de Minas REPORTAGEM DE CAPA

Resgate das habilidades sociais

Psicóloga diz que na pandemia as crianças se tornaram resistentes a brincadeiras em grupo e os adolescentes estão mais ansiosos e impacientes


03/07/2022 04:00

Mulher sentada com as mãos e rosto no joelho
(foto: pixabay)

Pessoas de diferentes faixas etárias reagem de maneiras diferentes a situações estressantes. Como cada um responde à pandemia pode depender da formação, da história de vida, das características particulares e da comunidade em que vive. A psicóloga Elena Sabino, especialista em crianças, comenta que, com o gradativo retorno das atividades coletivas, ela recebeu muitos pacientes que perderam habilidades sociais. 

As crianças se tornaram resistentes a brincadeiras em grupo, pouco tolerantes às frustrações do convívio social e com pouco repertório verbal para argumentações do cotidiano. Já os adolescentes, segundo ela, têm estado mais ansiosos, intolerantes e preferindo o contato social virtual. 

“Tive um aumento significativo na procura por orientação de pais e psicoterapia para crianças. Sem dúvida o maior fator gerador dessa maior busca por ajuda é a dificuldade de restauração do comportamento social. Meus pacientes estão mais ansiosos, trazendo mais medos e inseguranças, resistentes a readaptação à escola presencial e, muitos, com desenvolvimento pedagógico defasado” explica Elena. 

De acordo com a psicóloga, para reverter esse panorama instalado com a pandemia, é importante poder falar dele sem que seja um tabu ou motivo de constrangimento. A ansiedade, esclarece ela, é uma reação natural e esperada do corpo frente a um perigo ou ameaça futura. A ansiedade patológica aparece quando o cérebro percebe o perigo onde não existe e não reconhece nossa capacidade de superação.

Lucilene Faria, de 47 anos, mãe de Bernardo, de 13
Lucilene Faria, de 47 anos, mãe de Bernardo, de 13, buscou a ajuda de uma terapautea (foto: Arquivo pessoal)

“Para uma melhora sustentável o primeiro passo é ter um plano de tratamento. Usando ferramentas que tenham maiores chances de funcionar para as especificidades daquele quadro”. É buscar um profissional capacitado para o diagnóstico e o traçado de um projeto terapêutico na singularidade do paciente. “É possível reverter o quadro ansiogênico quando a escolha da técnica de tratamento é acertada”, relata. 

A contadora Lucilene Faria, de 47 anos, viu seu filho manifestar mudanças drásticas e preocupantes de comportamento. Bernardo Faria, de 13, sempre foi um menino ativo, saudável e super sociável, que praticava esportes, tirava notas boas e era aluno destaque no curso de inglês, até a chegada da pandemia, quando a cabeça de Bernardo ficou “num completo caos”, disse Lucilene. 

“Ele estava com 11 anos, na pré-adolescência, tinha acabado de mudar de escola, só teve 40 dias para se familiarizar e já foi para o ensino on-line. Parou de praticar esportes, perdeu o convívio com a maioria dos amigos, perdeu a babá que cuidava dele desde pequeno, viu o pai internado na UTI com caso grave da COVID-19, a avó morreu, enfim, foram muitas mudanças de uma vez só, aí ele começou a ganhar muito peso, ficou obeso e pré-diabético”, relata. 

CHORAVA 
Lucilene viu seu filho se tornar uma criança nervosa e ansiosa. “Ele gritava por tudo, chorava todos os dias, às vezes, mais de uma vez no dia. Ele ficou triste, totalmente desequilibrado”. Bernardo, aflito e assustado, começou a falar de morte o tempo todo e ficou extremamente preocupado com tudo e com todos. “Se meu filho visse alguém sem máscara, ele criava brigas enormes e desnecessárias, brigas sem fim”, explica Lucilene. 

Bernardo começou a se tornar uma criança acuada e reclusa, não saia mais de casa para nada. A angústia era tanta que ele começou a ter reações físicas e deflagrava atos violentos contra si mesmo. “Meu menino adquiriu uma dermatite na mão, que não sarava com nada. Ele socava a barriga e falava que era gordo e feio. Batia no próprio rosto, começou a arrancar os próprios cílios e a falar em suicídio”. 

Assustada e preocupada ao perceber a situação do filho e que não conseguiria ajudá-lo sozinha, Lucilene começou a buscar ajuda profissional, além de tentar manter um ambiente saudável e feliz em casa para que Bernardo soubesse que ele conseguiria superar as dificuldades ao lado dos pais e da terapeuta Elena Sabino. 

“A Elena foi nossa salvação, não consigo nem imaginar como estaríamos sem ela. A terapia, para o Bernardo, foi como uma luz no fim do túnel. A cada sessão, pouco a pouco, ele foi se acalmando, se tornando mais equilibrado, mais realista e positivo. Foi nítida a mudança nas emoções, na ansiedade. Hoje, entendo que a terapia é uma despesa fixa e necessária no orçamento da casa”, declara a contadora. 
O que funciona para sua família?

O maior segredo do sucesso é a constância. Segundo a psicóloga, há dias em que você vai achar que não evoluiu nada, em outros vai achar que já pode se dar alta e caminhar sem esse apoio. “Mantenha-se constante, partilhe suas aflições com o seu psicólogo e decida, junto a ele, o que é melhor para você ou seu filho”, comenta.

De acordo com Elena, o cenário de transtornos ansiosos e depressivos tem melhorado. Com a adesão à vacina, o vírus tem vindo acompanhado de sintomas mais brandos, na maioria dos casos, e à medida que a população tem contato com essa nova realidade, restabelece-se a confiança e a segurança emocional. Com maior frequência de notícias que trazem a sensação de estabilidade, com o retorno gradativo da economia e das atividades coletivas e escolares, também se fortalece a saúde mental.

“Para as famílias e crianças que chegam até mim, busco o reencontro com a funcionalidade. O que funciona para aquela família? Qual é a configuração de felicidade daquele grupo? É preciso olhar para um sujeito único e lembrar que o cuidado deve vir a partir da perspectiva de paz dele. E esse é meu maior objetivo: guiar as pessoas para encontrarem a própria referência de paz, amor e felicidade”, esclarece a especialista. 

Um tratamento de sucesso, explica, passa pela escolha de um bom profissional e pelo vínculo estabelecido com ele. Um planejamento terapêutico conduzido com participação ativa de todos. “Para a profissional, uma vida feliz requer investir na comunicação. Pessoas que buscam se conhecer, que veem os erros como oportunidade de crescimento e que estão inseridas em um ambiente coletivo estável têm as condições primordiais para uma saúde mental cada vez mais positiva. 

 “A pandemia nos fez recalcular rotas, ajustar os mapas e partir para um novo caminho. E por que não fazer com esse roteiro a melhor de todas as suas jornadas?”, diz Elena. 

Com a terapia fazendo parte do dia a dia, Bernardo está mais tranquilo, não chora e agora expõe seu ponto de vista. O ‘pequeno grande homem’, que enfrentou tanta coisa em tão pouco tempo, não desistiu da vida e teve todo o apoio necessário para se reerguer. Ele está se adaptando à nova escola e aos novos amigos, já consegue sair e se relacionar com os outros, sem brigas. A dermatite melhorou e os cílios cresceram, ele voltou a praticar esportes, perdeu peso e saiu da zona de risco do pré-diabético. “Meu filho está mais vaidoso, percebo que ele gosta do que vê no espelho”, conta a mãe. 

Para pessoas que possam estar passando por uma situação parecida, Lucilene ressalta que há solução, e aconselha: “Procure ajuda.  Eu sou uma pessoa extremamente positiva e achei que dava conta de resolver sozinha. Acreditei que só o meu amor, cuidado e atenção iam resolver tudo. Hoje entendo que tem situações que estão além do nosso conhecimento, situações que só um profissional pode resolver. Então não espere as coisas ficarem mais complicadas, busque ajuda”.  

* Estagiária sob supervisão da editora Ellen Cristie.

Regina Montelli, psicóloga especialista em medicina comportamenta
(foto: Arquivo pessoal)

Palavra de especialista

Regina Montelli, psicóloga especialista em medicina comportamental, membro da clínica Núcleo de-Stress, que tem como objetivo promover o bem-estar e a qualidade de vida 
O transtorno de ansiedade 

“Indivíduos com transtornos de ansiedade geralmente apresentam sintomas físicos, cognitivos e emocionais, que prejudicam consideravelmente a vida social e a rotina. Os sintomas físicos incluem fadiga, tremores, problemas para dormir, dores de estômago, dores de cabeça e tensão muscular, bruxismo, respiração ofegante por exemplo. Estar com as emoções afloradas e se sentir mais irritado do que o normal, passar por constantes mudanças de humor, bem como ter ataques de euforia ou angústia, podem ser outros sinais de alerta. Os transtornos de ansiedade podem causar muitos efeitos desagradáveis. A boa notícia é que tem tratamento. Geralmente, os transtornos de ansiedade são tratados com uma combinação de terapia e medicação. Por isso é de extrema importância não subjugar esse transtorno e buscar ajuda o mais rápido possível”.


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