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Estado de Minas ARTESANATO

Sem reconhecimento, artesãos são excluídos de feiras em Belo Horizonte

Artesãos de Belo Horizonte questionam exigências para obtenção de carteirinha da profissão; documento dificulta permissão para expor na Feira da Av. Silva Lobo


03/08/2021 16:00 - atualizado 03/08/2021 18:15

Expositores da Feira da Avenida Silva Lobo enfrentam dificuldades para obter Carteira Nacional do Artesãos (foto: PBH/Divulgação )
Expositores da Feira da Avenida Silva Lobo enfrentam dificuldades para obter Carteira Nacional do Artesãos (foto: PBH/Divulgação )
Para inúmeros belo-horizontinos, basta passar na Avenida Silva Lobo em uma manhã de sábado para recordar dos passeios na feirinha de artesanato. Ao fechar os olhos na avenida, ainda é possível que esses saudosos escutem os sons das dezenas de barraquinhas que se estendiam ao longo das calçadas, entre as ruas Coruripe e Canaã, entre os bairros Grajaú e Nova Granada, Região Oeste da capital. 

O programa era comum para várias famílias antes da pandemia. Em março de 2020, feiras livres e permanentes foram suspensas em razão da COVID-19. Em dezembro, a prefeitura iniciou o processo para a retomada das atividades da Feira de Artes e Artesanato da Avenida Silva Lobo, mas o retorno tem incomodado os artesãos do município, que questionam a exigência da Carteira do Artesão no processo de licitação da feira. 

A cobrança pelo documento fez com que  muitos expositores antigos da avenida Silva Lobo não pudessem concorrer às vagas por não serem reconhecidos como artesãos. 

“As técnicas para retirada da carteira (do artesão) são bem retrógradas. A gente até brinca que praticamente temos que criar o bezerro, matar o boi, arrancar o couro, curtir o couro, pintar com urucum da terra e cortar com pedra afiada, para então ser considerado artesanato”, comenta Vanessa Cristina Pereira, de 38 anos. Ela vem de uma família de artesãs e é uma das lideranças do grupo, que critica a burocracia para o retorno à feira. “Minha mãe e minha tia mexem com artesanato há anos, a gente pega isso do sangue e da vida e também começa a fazer”, conta. 

Desde 2014, ela expõe seu trabalho de bordado em enxovais e fabricação de mantas e lençóis nas feiras de rua em Belo Horizonte. Ela se considera uma artesã, mas, por utilizar máquina de costura, o seu trabalho não é reconhecido como artesanato. 

Ela critica o modo como a seleção dos artesãos está sendo feita pela PBH, já que, além da Carteira de Artesão, as vagas estão sendo sorteadas entre os participantes, o que, para ela, é “injusto”. "São pessoas antigas na feira, que fomentaram aquela feira, que estão ali há anos e que só têm aquele trabalho", aponta. 

Expositora em feiras da cidade há duas décadas, Maria Inês Bicalho, de 56 anos, também ficou de fora. “Eu faço trabalhos educativos em painéis para escola, brinquedos, fantoches, bonecos e já tem mais de vinte anos que eu trabalho com feltro”, compartilha. 

“Dá para poder facilitar o trabalho do artesão e isso não tá sendo reconhecido. Eu trabalho com o feltro, eu faço muita costura a mão, mas existe também a costura máquina, que agiliza nosso trabalho. Como meu trabalho não é reconhecido como artesanato, eu fiquei de fora”, comenta Maria Inês, ao se referir de seus brinquedos de feltro. 


Entenda o processo de licitação


A Feira Permanente da Avenida Silva Lobo foi criada pela prefeitura de Belo Horizonte por meio de licitação pública em 2001. À época, 352 feirantes foram selecionados. O número de expositores foi variando ao longo dos anos, reduzindo a 120 pessoas em 2010. 

Com a pandemia, assim como diversos outros setores do país, a feira foi suspensa. Em dezembro de 2020, visando a retomada gradual das atividades, a prefeitura publicou um novo edital para licitação. 

O documento prevê a oferta de 230 vagas para expositores domiciliados na capital mineira, com 5% das vagas destinadas a pessoas com deficiência. O processo é divido em três fases: a primeira relativa à manifestação de interesse, a segunda referente ao sorteio das vagas e a terceira destinada à obtenção do Documento Municipal de Licença (DML). 
 

8,5 milhões de brasileiros se reconhecem como artesãos. Estima-se que, em Minas Gerais, 300 mil pessoas fabricam o que consideram como artesanato

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)

 
 
Na última fase, para efetivar a licença, o artesão deve possuir a Carteira Nacional do Artesão, documento que comprova o ofício com base na legislação federal que dispõe sobre a profissão no país. 


Resposta da PBH


Por meio de nota, a Prefeitura de Belo Horizonte afirmou que a licitação é exigência do Código de Posturas do Município para qualquer atividade em espaço público. Já as regras de processos desta natureza estão determinadas na Lei Federal nº 8.666/1993, que dispõe sobre as normas para licitações e contratos da administração pública. 

Quanto à obrigatoriedade da Carteira do Artesão e as dificuldades burocráticas para retirá-la, a gestão municipal esclarece se tratar de uma Portaria Nacional. A legislação está além das competências do município.  

Na era da tecnologia, o que define o ofício de artesão?

Publicada em junho de 2018, pelo Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços, a Portaria nº 1.007 padroniza a definição de artesão no Brasil. O texto é baseado na Lei federal nº 13.180, que dispõe sobre o artesanato em âmbito nacional. 

Dessa forma, o governo brasileiro reconhece como artesão toda pessoa física que, de forma individual ou coletiva, utiliza de uma ou mais técnicas de um trabalho predominantemente manual. Segundo a lei, trabalhos que necessitam de maquinário em mais de uma etapa não são contemplados pela definição. 
 

O artesanato mineiro é reconhecido pela legislação? 


A atividade artesanal é uma forma de expressão da cultura popular. O setor mantém viva a cultura e a identidade mineiras, além de gerar ocupação produtiva para muitas pessoas. Além disso, em algumas famílias, o artesanato é uma importante fonte de renda.

Para o grupo Artesãos BH, fundado neste ano, o artesanato local da cidade de Belo Horizonte conta com a produção de uma diversidade de produtos, contemplando várias categorias. O grupo acredita que para a produção são utilizadas uma enormidade de técnicas artesanais que consistem no uso de múltiplos saberes, fazeres e procedimentos. 
 
Maria Inês expõe há mais de vinte anos bonecos feitos de feltro, material não é reconhecido como artesanato (foto: Arquivo Pessoal/Reprodução )
Maria Inês expõe há mais de vinte anos bonecos feitos de feltro, material não é reconhecido como artesanato (foto: Arquivo Pessoal/Reprodução )
 

“O documento (Carteira do Artesão) tem privado vários artesãos, que já produzem há anos um trabalho artesanal manual,  a segurança de se cadastrar como artesão. Além disso, tem restringido muitos profissionais da arte de expressar sua criatividade”, afirma o grupo, em uma carta que será encaminhada para a Prefeitura de Belo Horizonte. 

 

"Como meu trabalho não é reconhecido como artesanato, eu fiquei de fora"

Maria Inês, se considera artesã mas não possui a Carteira do Artesão

 
  
Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 8,5 milhões de brasileiros se reconhecem como artesãos. Estima-se que, em Minas Gerais, 300 mil pessoas fabricam o que consideram como artesanato.

Entretanto, uma pesquisa aponta que, dos 300 mil, cerca de 2.900 estão cadastrados no Sistema de Informações Cadastrais do Artesanato Brasileiro (SICAB) e possuem a Carteira Nacional do Artesão. Os números foram levantados pela Junta Comercial de Minas Gerais.


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