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Estado de Minas BARRAGEM

Quem foi Renato de Sousa, a 260ª vítima da tragédia de Brumadinho

Soldador da Vale, Renato foi identificado a partir de análise de DNA do fêmur encontrado no local do rompimento de barragem na Mina Córrego do Feijão


06/06/2021 06:00 - atualizado 07/06/2021 22:01

Dois anos depois, bombeiros vasculham a área atingida pela lama atrás de vítimas do rompimento da Barragem 1 na esperança de localizar mais vestígios; 10 pessoas seguem desaparecidas(foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press -13/1/21)
Dois anos depois, bombeiros vasculham a área atingida pela lama atrás de vítimas do rompimento da Barragem 1 na esperança de localizar mais vestígios; 10 pessoas seguem desaparecidas (foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press -13/1/21)

“Ele estava planejando uma viagem para o Rio de Janeiro. O sonho dele era levar os pais e as duas filhas para conhecer a praia.” O que era um desejo próximo de ser realizado se tornou apenas lembrança para a família do soldador Renato Eustáquio de Sousa, engolido pela lama da Barragem 1 da Mina do Córrego do Feijão, em Brumadinho, na Grande BH, em 25 de janeiro de 2019.

“Era uma pessoa muito agradável. Cheia de amigos. O que sinto mais falta é da alegria dele”, diz a irmã da vítima, Angélica Maria de Sousa Santos, de 27, em entrevista exclusiva ao Estado de Minas.

A família recebeu, em 27 de maio, por meio da Polícia Civil, a informação de que o fêmur encontrado em janeiro deste ano pelos bombeiros era do homem – fato que é tratado pelas autoridades como a 260ª pessoa identificada da catástrofe.

Renato trabalhava havia nove anos na Vale, proprietária da mina onde a tragédia aconteceu. Ele participava de um treinamento para ser promovido quando o paredão desmoronou.

A vocação para se tornar soldador veio de um curso técnico do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai). De lá, a chance de fazer um estágio na gigante da mineração, que depois virou uma oportunidade de emprego.

Nascido em Belo Horizonte, Renato e sua família sempre viveram no Bairro Brasília, em Sarzedo, cidade da Grande BH, distante cerca de 30 quilômetros de Córrego do Feijão.

Quando a tragédia aconteceu, o soldador estava casado havia cinco anos e tinha duas filhas, uma delas ainda bebê. As pequenas, hoje, têm 3 e 6 anos.

“Ele sairia de férias em março daquele ano. Já havíamos combinado tudo para viajar. Seria a primeira vez que nossos pais veriam o mar. A gente não tinha tanta condição, mas havia um planejamento para que isso acontecesse”, conta Angélica.

A proximidade com a família era marca registrada. “Um pequeno churrasco já era motivo pra ele espalhar alegria. Também tinha muitos amigos. Amava uma farra, tomar uma cervejinha, escutar uma música... Ele tinha orgulho de ser quem era.”

Na semana passada, a família enfrentava outro drama quando recebeu a notícia do mapeamento do DNA de Renato, por meio da Polícia Civil. Geraldo Sousa, pai do soldador, está internado após sofrer um Acidente Vascular Cerebral (AVC), o que para os parentes é resultado do drama vivido após o desastre em Brumadinho.

“Eu não sou médica, mas tenho certeza de que uma coisa está ligada à outra. A saúde dos meus pais piorou demais depois que mataram meu irmão. Minha mãe (Eva Aparecida) vive chorando pelos cantos”, lamenta Angélica.


Ferida ainda aberta

O soldador Renato Eustáquio de Sousa trabalhava na Vale havia nove anos(foto: Arquivo pessoal)
O soldador Renato Eustáquio de Sousa trabalhava na Vale havia nove anos (foto: Arquivo pessoal)
Apesar da notícia trazida pela Polícia Civil, a família optou por não realizar o sepultamento de Renato agora. Para Angélica, o fêmur encontrado pelas autoridades não configura “identificação”, como a informação foi tratada pelas autoridades e pela imprensa.

“Quando meu irmão saiu para trabalhar em 25 de janeiro, ele saiu inteiro. A gente escolheu esperar para ao menos tentarmos dar um enterro digno a ele. Eles (as autoridades) nos devem isso. Eles tratam como identificação para riscar o nome dele da lista, mas pra gente ele continua desaparecido. Nossa vida acabou”, afirma a jovem.

Um profundo suspiro, seguido de um período de silêncio. Faltavam palavras para Angélica quando a reportagem pergunta sobre a atuação do governo de Minas e da Vale para a reparação dos danos da tragédia e auxílio às vítimas.

“A gente não sabe expressar o que sente. Não conseguimos falar tudo. É um sentimento de revolta que nunca passa”, diz.

Segundo ela, tudo o que a família tinha direito até o momento foi repassado pela Vale. “Dinheiro nenhum paga o que fizeram. Não paga a saúde dos meus pais, que estamos perdendo aos poucos. Na verdade, não tem importância. Agora, se mexer no bolso é significativo para a empresa, que eles assumam a responsabilidade para que isso não aconteça com mais famílias”.

Vale se posiciona

Ver galeria . 34 Fotos Rompimento de rejeitos da Barragem 1 da Mina Feijão, da Mineiradora Vale, em Brumadinho, Grande BH Alexandre Guzanshe/EM/D.A press
Rompimento de rejeitos da Barragem 1 da Mina Feijão, da Mineiradora Vale, em Brumadinho, Grande BH (foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A press )
Em nota enviada à reportagem, a Vale informou que “é sensível à situação e segue prestando apoio à família” do soldador Renato Eustáquio de Sousa. A empresa diz que “reconhece sua responsabilidade pela reparação integral dos danos causados”.

Quanto ao pagamento das indenizações, a mineradora “entende que a indenização individual aos atingidos é a medida mais adequada”. Segundo valores da multinacional, foram pagos aproximadamente R$ 2 bilhões em indenizações individuais.

A Vale também afirma que apoia o trabalho do Corpo de Bombeiros para tentar encontrar quem ainda está desaparecido. Acrescenta que faz a drenagem das áreas impactadas e abre “vias para aumentar a capacidade de acesso à área”.

“Do total de cerca de 8 milhões de m³ de material depositado na região, mais de 40% já foram manejados e dispostos em áreas seguras autorizadas pelos órgãos competentes dentro da mina, para posterior disposição definitiva na cava”, informa a empresa.

Mãe espera por justiça divina

Eva Aparecida, mãe de Renato Eustáquio de Souza, chora todos os dias a perda do filho(foto: Edésio Ferreira/EM/D.A Press)
Eva Aparecida, mãe de Renato Eustáquio de Souza, chora todos os dias a perda do filho (foto: Edésio Ferreira/EM/D.A Press)
Em 25 de janeiro deste ano, quando a tragédia completou dois anos, o EM conversou com Eva Aparecida, mãe de Renato Eustáquio de Sousa.

“Nosso primeiro filho tinha muitos sonhos. As filhas dele perguntam pra mim 'onde meu pai foi?'”, disse a mulher na Base Bravo do Corpo de Bombeiros, no distrito de Córrego do Feijão, onde acontecia um evento em homenagem às vítimas.

“Nenhuma reparação neste mundo me traz a alegria de volta. Deus sabe o que faz, e eu espero na justiça Dele”, afirmou Eva na oportunidade.


Busca pelas vítimas continua

Segundo o tenente Pedro Aihara, a partir do fim deste mês serão utilizados equipamentos para separação mecânica dos rejeitos, o que otimizará o trabalho(foto: Luiza Rocha/Esp. EM - 19/01/2021)
Segundo o tenente Pedro Aihara, a partir do fim deste mês serão utilizados equipamentos para separação mecânica dos rejeitos, o que otimizará o trabalho (foto: Luiza Rocha/Esp. EM - 19/01/2021)
A identificação do soldador Renato de Sousa aconteceu em 27 de maio. Nessa data, a Polícia Civil concedeu entrevista coletiva para dar detalhes sobre o fato.

“Foi encontrado um fragmento do fêmur dessa vítima em 14 de janeiro de 2021 pelos bombeiros. Logo a seguir, esse fragmento foi encaminhado ao Instituto Médico-Legal (IML). Após a triagem, o material foi encaminhado para o Instituto de Criminalística, onde deu entrada em 28 de janeiro”, afirmou o superintendente da Polícia Técnica-Científica, Thales Bittencourt.

O rompimento da barragem de Brumadinho matou 270 pessoas, a imensa maioria funcionárias da Vale. As autoridades encontraram o DNA de 260. Permanecem desaparecidas 10 vítimas, e há esperança de que elas também sejam localizadas. Segundo Thales Bittencourt, a Polícia Civil ainda processa 35 segmentos corporais, que podem ser dessas pessoas.

Desde o início dos trabalhos, a instituição recebeu 909 segmentos. Desses, 874 já foram totalmente mapeados, e grande parte resultou em reidentificações. Desde dezembro de 2019, as autoridades não mapeavam DNA de um desaparecido.

A operação do Corpo de Bombeiros segue desde a catástrofe, com duas interrupções desde então por causa da pandemia da COVID-19.


Bombeiros em cena

O Corpo de Bombeiros planeja uma aceleração nas buscas pelos 10 desaparecidos da tragédia de Brumadinho, nas próximas semanas. Em conversa com o EM, o tenente Pedro Aihara, porta-voz da corporação, deu detalhes da próxima etapa dos trabalhos.

“A gente começa a implementar nossa oitava estratégia de buscas no final de junho. Ela consiste em quatro estruturas de equipamentos que permitem uma separação mecânica dos rejeitos. Isso otimiza bastante o nosso trabalho. Esperamos ter um ganho considerável e, com isso, poder encontrar essas 10 vítimas que estão faltando", afirma.

Segundo Aihara, o fêmur que permitiu a identificação do soldador Renato Eustáquio de Sousa foi encontrado pelos militares nas proximidades de uma oficina na região conhecida como Terminal de Carga Ferroviária (TCF), na Mina do Córrego do Feijão.

Cálculos matemáticos mostraram que a área possivelmente guardava um ou mais desaparecidos, explica o militar. Uma das estruturas para separação mecânica dos rejeitos será montada pela corporação justamente no TCF, para tentar encontrar uma ou mais “joias” – como as vítimas são tratadas pelos oficiais.

De acordo com Aihara, cerca de 50 militares atuam na operação atualmente. A corporação retomou os trabalhos em 11 de maio, após interrupção por causa da onda roxa do Minas Consciente em meio à pandemia da COVID-19.

Minas Gerais conta com efetivo de 5,8 mil militares. Desses, 4 mil já passaram por Brumadinho. No momento, eles não usam mais cães, já que o estágio de decomposição dos desaparecidos está avançado.

A operação Brumadinho tem expediente de segunda a segunda.


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