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Estado de Minas LESTE DE MINAS

Governador Valadares comemora 83 anos na data errada, mas com afeto

A cidade foi emancipada em 31 de dezembro de 1937 com o nome Figueira. Em 17 dezembro de 1938, mudou o nome para Governador Valadares, mas faz festa em 30/1


29/01/2021 16:47 - atualizado 29/01/2021 18:22

Orgulho dos valadarenses, Governador Valadares vista do alto do Bairro Santo Agostinho, com uma imensidão de céu azul, no qual se recorta a majestosa Ibituruna(foto: Tim Filho/Especial para o EM)
Orgulho dos valadarenses, Governador Valadares vista do alto do Bairro Santo Agostinho, com uma imensidão de céu azul, no qual se recorta a majestosa Ibituruna (foto: Tim Filho/Especial para o EM)
 Governador Valadares, a maior cidade do Leste de Minas, comemora 83 anos neste sábado (30/1), mas há anos a celebração é feita na data errada – e quase ninguém contesta, pois poucos conhecem a história da cidade, cujo tecido histórico possui alguns nós que precisam ser desatados.

Esses nós estão em datas, na contagem dos anos que determinam a idade do município e no nome da cidade, que desde 1938 é pedra no sapato de muitos.
 
Qualquer pessoa comemora o seu aniversário considerando a data que consta na sua certidão de nascimento, documento que tem outras informações importantes sobre ela, sendo as principais, nome e sobrenome. É nesse detalhe que não faz sentido a comemoração do aniversário de Governador Valadares ser em 30 de janeiro.

A certidão de nascimento de Governador Valadares é o decreto-lei estadual número 32, publicado em 31 de dezembro de 1937. No documento está registrada a criação de um município com o nome Figueira. Quem assinou o decreto foi Benedicto Valladares Ribeiro, interventor do Estado Novo em Minas Gerais, nomeado pelo presidente da República da época, Getúlio Dornelles Vargas, que chamava Valladares de “governador”.

Como o decreto-lei que criou o município de Figueira foi publicado no último dia do ano de 1937, o governador Valladares quis que houvesse uma festa. E em 30 de janeiro de 1938, que caiu num domingo, ele esteve no mais novo município mineiro, localizado numa faixa territorial entre a margem esquerda do Rio Doce e a Estrada de Ferro Vitória-Minas, de frente para o Pico da Ibituruna.

Figueira se encheu de alegria, a festa foi grandiosa. O sentimento de pertencimento dos figueirenses atingiu o nível máximo de euforia. José Raymundo Fonseca, bancário e escritor, nascido em Figueira, publicou em seu livro “Figueira do Rio Doce-Ibituruna, a carta que escreveu, à época, ao governador. 

“Filho de Figueira, não me fujo ao dever de manifestar a Vossa Excelência, meus calorosos e justos aplausos pela criação deste município talhado a ser uma das células vivas de progresso a contribuir para o engrandecimento da nossa grandiosa pátria e doado ao nosso estado por ato de Vossa Excelência.”

A euforia de Fonseca era a mesma de todos os figueirenses, ansiosos para saber quem seria o seu primeiro prefeito. Então, Valladares, depois da festa, nomeou como prefeito de Figueira o engenheiro agrônomo Moacyr Palleta de Cerqueira Lage, homem de envergadura moral inquestionável, conforme descreveu Teresinha Solha Hilel, pioneira da cidade.

Ele era chamado por todos de Dr. Palleta e fazia questão que seu sobrenome fosse pronunciado corretamente: "Paléta!"

Com a autoridade de prefeito, à medida em que os dias se passaram, o Dr. Palleta saiu de casa e casa propondo algo absurdo para muitos: mudar o nome da cidade de Figueira para Governador Valadares. Seria uma forma de agradar o governador Benedcito Valladares, nascido em Pará de Minas, mas que poderia adotar o município criado por ele como sua terra e trazer inúmeros benefícios para o Vale do Rio Doce.

Muitos figueirenses torceram o nariz para a proposta, como as lideranças políticas e comunitárias da época, que aceitaram, mesmo achando o nome estranho e desconfortável.

Em um jornal comemorativo dos 20 anos de Governador Valadares, publicado em 30 de janeiro de 1958, Gil Pacheco de Magalhães e Lyrio Cabral, dois grandes personagens da história da cidade, disseram que o nome não agradava, mas aceitaram por ser um pedido do Dr. Palleta, um homem que ninguém podia negar nada, por ser ele "um homem limpo".
 
Multidão formada pelos figueirenses no dia da instalação do município de Figueira, com a presença do governador Benedicto Valladares Ribeiro. Foto de 30 de janeiro de 1938(foto: Reprodução Museu da Cidade)
Multidão formada pelos figueirenses no dia da instalação do município de Figueira, com a presença do governador Benedicto Valladares Ribeiro. Foto de 30 de janeiro de 1938 (foto: Reprodução Museu da Cidade)
 

O erro na escolha do nome


O professor de história Brunno Barbosa considera um erro a sugestão do nome de Benedicto Valladares para a Figueira: “Esse nome veio de um oportunismo bajulador, considerando que o Benedicto Valladares era o governador de Minas Gerais à época, ou seja, um homenageado ainda vivo”.

Barbosa explica que o governador Benedicto Valladares foi um interventor nomeado por Getúlio Vargas, em 1934, devido à morte de Olegário Maciel, presidente (governador) de Minas Gerais. Em 1935, já no período constitucional de Getúlio Vargas, Valladares foi eleito governador pela Assembleia Legislativa de Minas Gerais. 

“Com o golpe de 1937, que inaugurou o Estado Novo, novamente Getúlio Vargas nomeou interventores para os estados brasileiros, mas Benedicto Valladares foi mantido e continuou usando o título de governador”, explicou Barbosa.

O espanto dos figueirenses com a proposta do Dr. Palleta, em 1938, é imaginado pela professora de dança Débora Salviano. “Então, se essa proposta fosse feita em 2021, o nome seria Governador Zema? Tá doido? Quero não, obrigada”, respondeu, gargalhando. E disse: “Eu prefero Figueira”.

Outra professora, Lo-Ruama Lóring Bastos, demonstrou indignação ao comentar a proposta do Dr. Palleta: “Para mim, homenagens são para heróis ou representantes humanitários”.

Insatisfações à parte, a história registra que o Dr. Palleta foi em frente. E em 17 de dezembro de 1938, ele conseguiu outra certidão de nascimento para a cidade, o Decreto-lei Estadual Número 148, que mudou o nome do munícipio criado em 31 de dezembro de 1937 para Governador Valadares. 


A polêmica sobre a data


Mas a discussões sobre datas e nomes, depois de iluminadas pela história, colocam a data de 30 de janeiro como pacificadora. Independente de tudo isso, Governador Valadares vai comemorar 83 anos neste sábado. Parece que, finalmente, está tudo certo. Mas não está.

O juiz Everton Villaron, natural de Itu, interior de São Paulo, que atua na Comarca de Governador Valadares há anos, apaixonado por história e literatura, diz que a cidade deveria contar a idade a partir de 1818, quando foi criado, nas terras do distrito de Baguari, o quartel Militar de D. Manoel, na margem esquerda do rio Doce. O quartel deu origem ao povoamento da cidade.

“Se em São Paulo, capital, considera-se a idade a partir data do primeiro registro histórico de povoamento, em Governador Valadares tinha de ser assim também. Fui a uma exposição de mapas antigos no Museu do Ipiranga, em São Paulo, vi somente o posto militar de Baguari nesses lados de Minas”, disse.

Para ele, Governador Valadares não tem 83 anos e, sim, 203 anos.
 
As casas coloridas do Bairro São Tarcísio, na margem esquerda do Rio Doce. Nesse lugar nasceu Figueira, que tinha um porto de canoas que transportavam comida vinda de Vitória-ES(foto: Tim Filho/Especial para o EM)
As casas coloridas do Bairro São Tarcísio, na margem esquerda do Rio Doce. Nesse lugar nasceu Figueira, que tinha um porto de canoas que transportavam comida vinda de Vitória-ES (foto: Tim Filho/Especial para o EM)
 

Em busca do afeto

Toda a polêmica é divertida e o 30 de janeiro de 2021 será um dia feliz. Os valadarenses, que já foram figueirenses, vão comemorar o aniversário da cidade, em Governador Valadarense e pelo mundo afora.

A Prefeitura de Governador Valadares lançou a campanha publicitária que fala do aniversário da cidade com o slogan “no distanciamento, o afeto nos aproxima”.

E a aproximação por meio do afeto rompeu fronteiras para unir os corações nômades dos imigrantes valadarenses pelo mundo.

“Parabéns, minha cidade. Saudade de você, Valadares, nossa eterna Figueira, que mora no meu coração”, disse Vanessa Soyer, valadarense que mora em Lisboa, Portugal. 

Se é pra falar de saudade, os imigrantes valadarenses nos Estados Unidos, também engrossam o coro. “Minha querida Governador Valadares, parabéns! Sinto muitas saudades de todos os amigos daí e tenho orgulho de ser valadarense”, disse o radialista Rogério Maria Braga, que comanda diariamente o programa “Tudo Azul”, na Webradio Insuperável, com grande audiência na colônia brasileira da Flórida, EUA.

“Feliz Aniversário, Princesinha do Vale! Você, pra mim, representa ‘família’! Governador Valadares é a cidade onde meus pais se encontraram, namoraram e se casaram. E mesmo após alguns anos vivendo em outras cidades, eles acabaram retornando a Valadares para criar as duas filhas. Família é isso”, disse Fabiane Bodini, valadarense que constituiu família nos Estados Unidos, em Lakeland, Flórida.

“Mesmo que eu me afaste por algum tempo, por algum motivo, é pra lá, pra minha cidade, que o meu coração sempre irá me levar”, disse Fabiane, com as lágrimas da saudade.


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