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Estado de Minas

Pesquisa: dengue tende a avançar para áreas frias ainda livres da doença

Estudo sustenta que Aedes aegypti não se estabelece em locais de vegetação preservada e indica que elevação das temperaturas provocará expansão da virose


06/12/2020 06:00 - atualizado 06/12/2020 07:51

Professor Sérvio Pontes Ribeiro, da Ufop, diz que áreas arborizadas foram por muito tempo associadas equivocadamente com a incidência da doença(foto: Glayston Rodrigues/EM/D.A Press)
Professor Sérvio Pontes Ribeiro, da Ufop, diz que áreas arborizadas foram por muito tempo associadas equivocadamente com a incidência da doença (foto: Glayston Rodrigues/EM/D.A Press)


Elas foram vistas, durante muito tempo, como as grandes vilãs da dengue. Mas as áreas verdes são, na verdade, uma das principais armas contra o Aedes aegypti. A conclusão é de estudo da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop), segundo o qual não apenas o calor favorece a proliferação do mosquito. Invernos cada vez mais quentes têm sido o cenário perfeito para a invasão da espécie em cidades mineiras montanhosas, principalmente no Sul do estado. O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) também corrobora o aumento de temperaturas no estado e a tendência de o mosquito atacar regiões mais altas.  

É nessas alterações de clima que os vetores de arboviroses, principalmente a dengue, têm pegado carona. O estudo “Invasão de cidades tropicais montanhosas pelo Aedes aegypti e Aedes albopictus depende de invernos quentes contínuos e biótopos urbanos adequados” teve como base o comportamento do mosquito nas cidades de Ouro Preto e Mariana, na Região Central do estado.

Os pesquisadores da Ufop, em parceria com colegas da Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes), da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e da Fundação Ezequiel Dias (Funed), avaliaram uma série de dados de temperaturas do inverno e verão para Minas Gerais, de 1961 até 2014, a fim de entender o padrão de mudança de temperaturas médias na região. 

O estudo mostra que “o senso comum levou por muito tempo os pesquisadores a associarem áreas verdes com a incidência de doenças tropicais”. Segundo os pesquisadores, essa visão contribuiu para uma percepção equivocada e devastadora de que a proximidade com a natureza, árvores, sombras e folhas seria um problema sanitário urbano.

Hoje, diversos autores têm mostrado que as várias doenças tropicais urbanas, como a dengue, zika e chikungunya, estão associadas ao descaso com terrenos baldios, falta de saneamento básico e acúmulo de lixo. O estudo ressalta que a não diferenciação entre essas condições determinantes para as doenças e a mera existência de áreas verdes “acontecia muitas vezes pela negligência dos municípios com a limpeza e manutenção de parques, praças e jardins”.  

Dois invasores

 
Essa realidade é ainda mais evidente para a dengue, já que seu mosquito transmissor, o Aedes aegypti, é uma espécie exótica, com pouca afinidade com áreas verdes e extremamente bem adaptada ao interior das residências. A outra espécie de Aedes invasor do Brasil, o Aedes albopictus, é mais bem adaptada a viver em fragmentos de florestas e parques urbanos, mas nunca foi identificada no Brasil como vetor da dengue.  

Os estudiosos relatam que o período da invasão das espécies de Aedes na década de 1980 foi dominado por anos de invernos mais quentes, assim como ocorreu nos anos do início do século 21, porém com grandes oscilações entre anos mais e menos quentes. A partir de 2007, houve um período continuado de invernos com temperaturas mais altas.

“Há um entendimento internacional e uma forma de medição das cidades por satélite que mostram as áreas abertas e o que se tem de vegetação, o que tem vários significados. Um exemplo é Belo Horizonte, onde há muita área com capim-elefante, também uma espécie invasora africana, típica de terrenos abandonados. Onde há isso não existe estrutura de área verde e há vários problemas com dengue. É preciso separar parques, praças e áreas florestadas para se ter o entendimento correto”, explica o professor Sérvio Pontes Ribeiro, titular do Laboratório de Ecologia do Adoecimento e Florestas (Leaf) da Ufop, um dos responsáveis pela pesquisa. 
 

Evolução

 

O professor relata que Ouro Preto e Mariana tinham duas áreas de floresta onde se observou predominância do Aedes albopictus e diminuição do Aedes aegypti. “Área verde bem preservada é local onde o Aedes aegypti não consegue estar”, afirma. Há duas hipóteses prováveis: não ser espécie da fauna brasileira e a competição. “Há dois caminhos evolutivos para populações em continentes que não pertencem a eles. Toda espécie exótica ou invasora o faz porque encontra um distúrbio. A floresta bem-estruturada não recebe invasores, porque eles não conseguem sobreviver – não têm ajuste fino para espécies que são seu alimento, seus predadores, espécies que vão se confrontar com eles. O invasor se adapta aos distúrbios”, diz.  

É o caso, segundo Pontes, do Parque Estadual do Rio Doce, na Região Leste do estado, que não abriga quaisquer dos gêneros.  “Outros parques têm o Aedes albopictus. Em área bem preservada, nenhum dos dois entra. Mais ou menos preservada, só Aedes albopictus”, relata. No quesito competição, pelo fato de a América do Sul ter muitas espécies nativas do Aedes que não são vetores de dengue, a hipótese é que, talvez, o Aedes aegypti não consiga competir. “Em países tropicais, a culpa recai sobre as áreas verdes, mas quando separamos cada uma delas, floresta de terreno baldio, vemos que áreas com árvores mudam o perfil, não há dengue, pois o Aedes aegypti não se dá bem.” 

Outro alerta é sobre a água. “O Aedes não depende mais da chuva, por causa da grande quantidade de água colocada à disposição pelo homem”, ressalta o professor. “Quanto mais preservado o ambiente natural, mais difícil para qualquer praga entrar. Os distúrbios causam pragas. Se houver 10 árvores em um pátio e ele for mantido limpo, sem lixo, com o chão permitindo a respiração das raízes, só vai fazer bem – essa combinação traz passarinho, morcego e um monte de espécies que comem essa população ambulante. Quanto mais concreto, mais favorável a espécies que nos causam doenças – sejam baratas, mosquitos, ratos... As cidades têm que ser repensadas nesse contexto”, alerta o especialista. 

Mosquito “surfa” no aquecimento global


Segundo pesquisadores, proliferação do inseto transmissor se dá em áreas alteradas pelo homem, em desequilíbrio e com vegetação invasora(foto: Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press - 21/3/16 )
Segundo pesquisadores, proliferação do inseto transmissor se dá em áreas alteradas pelo homem, em desequilíbrio e com vegetação invasora (foto: Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press - 21/3/16 )
Florestas urbanas, praças e parques não são vilões. Mas o aquecimento global, esse sim, tem se tornado um aliado do Aedes aegypti e ameaça a tranquilidade de regiões até então menos vulneráveis a doenças causadas pelo mosquito. Futuras invasões do vetor a regiões montanhosas mais frias, principalmente no Sul de Minas, são prováveis nos próximos anos, dado o aumento consistente das temperaturas anuais, em especial as de inverno, afirmam os pesquisadores da Ufop. “O grande determinante é o clima”, afirma o professor titular Sérvio Pontes Ribeiro, do Laboratório de Ecologia do Adoecimento e Florestas (Leaf). 

Os estudiosos alertam ainda para a necessidade de se instalarem postos de observação, armadilhas e treinar pessoas para acompanhar o movimento do Aedes nessas regiões, como forma de disparar em tempo o alerta de vigilância sanitária. Ribeiro chama a atenção para o perigo nas regiões serranas na divisa com São Paulo, ao longo da Serra da Mantiqueira. O último boletim epidemiológico da Secretaria de Estado de Saúde mostra que das 558 cidades onde não foram registrados casos de dengue, 35,6% estão nas regiões Sul e Sudeste – percentual que chegou a 42% no mês de maio.  

Segundo o estudo, o aquecimento global é perceptível em Minas, com aumentos consistentes na temperatura tendo começado na década de 1980, chegando ao pico nos anos 90 e 2000, com média de 1,3°C mais quente que a década de 1960. Em especial, as temperaturas médias de inverno subiram mais, diminuindo a amplitude térmica sazonal, com diferença de mínimas a máximas ficando menor que 10% a partir de 1990, na maioria dos anos.  

“A literatura diz que há um limiar de 21,3°C (por certo número de dias consecutivos) para a invasão do Aedes, abaixo do qual ele não consegue estabelecer uma população viável. A partir de 2007, os invernos permaneceram constantemente mais quentes, estando acima desse valor por vários dias consecutivos, o que criou a condição ecológica favorável para que os mosquitos se estabeleçam”, afirma o estudo. “Mas, não adianta um ou outro dia frio para evitá-lo. É preciso sequência”, ressalta Pontes.  
 

Variação

 

O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) também não deixa dúvidas e mostra que o mosquito tende a subir para as regiões mais altas, como ressalta o meteorologista Ruibran dos Reis, do Instituto Climatempo. Até o início da década de 1980, as maiores temperaturas em BH ficavam abaixo de 36°C, com ocorrências esporádicas acima dessa marca e máximas chegando à casa dos 33°C. 

“Depois da década de 2000, tivemos já vários casos com temperaturas máximas diárias acima de 36oC. A curva da tendência mostra que as temperaturas estão subindo na capital”.

“O clima de BH no passado era frio e úmido. Hoje, é quente e seco. A umidade relativa do ar nos últimos anos fica entre 12% a 13%. É estado de alerta quase direto”, destaca Ruibran dos Reis. 

Outro exemplo é Maria da Fé, no Sul de Minas, localidade historicamente fria e que vem registrando no inverno mínimas próximas de 0°C: de uma média de 29°C de máxima em 1975, passou para 33°C em 2015. 

Ondas de frio na capital não chegam a ser animadoras, segundo o meteorologista. “Ocorre um ou outro dia de temperaturas baixas”, diz, lembrando que a capital chegou a registrar 3,1°C em 1º de junho de 1971.

 “O problema é a variação do clima. Uma hora pode estar muito frio, outra muito quente. Nesse cenário, as ondas de calor tendem a ser mais comuns, segundo o IPCC.” 

Pesquisa monitorou vetor em Ouro Preto 

Os mosquitos do gênero Aedes ocorrem naturalmente nas florestas brasileiras, mas apenas duas espécies invasoras africanas conseguiram se estabelecer nas cidades – Aedes aegypti e Aedes albopictus. Dessas, a primeira apenas é seguramente vetor de diversas arboviroses. Introduzidas no Brasil nas décadas de 1970-1980 e presentes até os dias atuais, essas espécies demonstraram ser adaptadas a ambientes modificados pelo homem, mas com sua distribuição limitada pelo clima frio. 
 
Depois do primeiro caso de dengue em Ouro Preto, em 2007, começaram coletas do mosquito também em Mariana, por ser uma cidade mais baixa, mas também sem casos autóctones até aquele momento. Dessa forma, Mariana serviria como um controle de ocorrência dessas espécies de mosquitos na cidade vizinha, mais elevada.  

As coletas se deram em 2009 e 2012. Foram feitas usando dois tipos de armadilhas: uma para coletar fase imatura (ovos, larvas e pupas) e outra para coletar a fase adulta (o mosquito propriamente dito).  

Sendo duas espécies africanas com populações em expansão no Brasil, o Aedes aegypti (vetor da dengue) e o Aedes albopictus (não vetor) têm preferências distintas. Ocorrem em áreas próximas a moradias (Aedes aegypti) ou predominantemente arborizadas (Aedes albopictus).

A despeito de as condições mais quentes terem permitido a entrada do vetor da dengue em 2007, apenas cinco anos depois essa se tornaria uma do- ença importante nos dois municípios. A demora para a dengue se estabelecer depois da invasão do inseto vetor é uma informação de grande importância, pois outras regiões ainda sem dengue podem tirar proveito de uma vigilância entomológica.  


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