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Estado de Minas ENTREVISTA

Geógrafo e professor alerta para a necessidade de reabilitação dos cursos d'água em Belo Horizonte

"Lidar com a reabilitação dos rios, significa, também e principalmente, o tratamento de esgotos, o que permitirá que transbordem nas várzeas sem riscos à saúde pública", afirma o geógrafo Alessandro Borsagli


postado em 03/02/2020 06:00 / atualizado em 03/02/2020 13:56

(foto: Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press - 19/01/2020)
(foto: Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press - 19/01/2020)


A relação de Belo Horizonte com o seu patrimônio hídrico continua com os olhos voltados ao século 19. É o que acredita o geógrafo e professor Alessandro Borsagli. “No que diz respeito à questão hídrica, a cidade ficou presa nos modelos higienistas, em que a água tem de passar com maior velocidade, escoar pela cidade mais rapidamente, em avenidas sanitárias. A Europa já abandonou este modelo e trabalha hoje pela reabilitação, quando não renaturalização, dos rios, como é o caso da Alemanha”, afirma Borsagli, autor da tese de mestrado Do convívio à ruptura: a cartografia na análise histórico-fluvial de Belo Horizonte (1894-1977) e de obras como Rios invisíveis da metrópole mineira e Horizontes fluviais, este último em parceria com Rodrigo Guedes Braz Ferreira. Em entrevista ao Estado de Minas, o geógrafo alerta para a necessidade do tratamento total do esgoto e faz um alerta: “A cidade já está sufocada e os cursos d´água clamam por reabilitação.”

Temos sob os pés em BH uma imensa caixa d'água. Segundo a Sudecap, são cerca de 700 quilômetros de cursos d'água, dos quais 200 quilômetros foram canalizados. Mas, se quer ser moderna, é hora de reabilitar os rios: descanalizar o curso d'água, devolver as suas várzeas, nelas criando parques ciliares. Esse é um conceito já adotado pelas cidades mais desenvolvidas do mundo. Na década de 60 para 70, a Europa começou a trabalhar a reabilitação de seus rios. E Belo Horizonte, que nasce inspirada no modelo importado da Europa, mantém a sua visão do século 19. A cidade está em obras de canalização há quase 100 anos, ininterruptos. Tem uma pressão, lobby empresarial para a manutenção dessa política. Mudar o conceito e a forma de interagir com as águas é fundamental. Com a recuperação das várzeas e parques ciliares, a ideia é que durante o período de estiagem esses espaços sejam apropriados pela população. E durante as chuvas, as várzeas sejam ocupadas pelos rios. Mas para isso, é preciso o tratamento total do esgoto. Sem tratamento do esgoto, os transbordamentos levarão sujeira e doenças às várzeas.

Na prática, como proceder para esta reabilitação?
A realidade é essa: tem de ser reabilitação – não a renaturalização, pois esta é inviável economicamente, já que suporia voltar cursos para leitos naturais, derrubando vales inteiros sob a Prudente de Morais, em Lourdes, para ficar nesses. Primeiramente, proibir todo e qualquer tipo de canalização, proibir qualquer nova intervenção na rede hidrográfica. A cidade já está sufocada e os cursos d'água clamam por reabilitação. É preciso fazer planejamento que abranja as bacias hidrográficas, nas cabeceiras, que podem abrigar áreas com maior permeabilidade que vão contribuir para diminuição do escoamento superficial da água e também para a penetração da água no solo. Não adianta resolver o problema pontualmente, por exemplo do Córrego do Leitão, onde ele transborda. Isso tudo tem de ser conectado com a reabilitação do fundo de vale, onde passa o curso d'água e criar parques ciliares em áreas de várzea.



Por onde começar a reabilitação?
Por reabilitação entende-se retirar a cobertura do rio e devolvendo para ele as suas várzeas. Mas, para isso, precisa o tratamento total do esgoto. Lidar com a reabilitação dos rios, significa, também e principalmente o tratamento de esgotos, o que permitirá que transbordem nas várzeas sem riscos à saúde pública. O Arrudas e o Onça, que são as duas drenagens principais de Belo Horizonte, têm potencial de parques ciliares maravilhosos. O que tem de ser feito a partir de ambos é disseminar a trama verde e a trama azul (parques ciliares são ligados às águas). Defendo, portanto, que se comece por ambos, não só por serem as principais drenagens de Belo Horizonte, mas pela disponibilidade de áreas laterais. O Ribeirão do Onça é o mais fácil. Entre a barragem da Pampulha e a Cristiano Machado eles está no leito natural. O potencial de parque ciliar é imenso e se conectaria com o Baixo Onça, para o qual inclusive já há projeto para parque ciliar. Também o Arrudas tem área para a reabilitação. Nesse caso, seria preciso o estreitamento das vias naturais, descanalizar o curso d' água e devolver as suas várzeas.
 
(foto: Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press)
(foto: Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press)

"Tem de ser reabilitação - não a renaturalização, que é inviável economicamente: suporia voltar cursos para leitos naturais, derrubando vales inteiros sob a Prudente de Morais e em Lourdes"

Alessandro Borsagli, autor de livros como Horizontes fluviais, geógrafo defende a proibição de novas canalizações em Belo Horizonte e aconselha: "Se a cidade quer ser moderna, é hora de reabilitar os rios'

 
Pensando no problema de Belo Horizonte hoje, seria suficiente a reabilitação do Onça e do Arrudas?
O problema de transbordamento frequente não se resume às bacias do Arrudas e do Onça. O problema está presente em todas as bacias, em decorrência das canalizações e a excessiva impermeabilização do solo. A reabilitação deve começar pelos dois principais cursos d'água e depois se estender para os seus afluentes. São cerca de 250 córregos e ribeirões em Belo Horizonte, entre os quais os principais são o Arrudas e o Onça, ambos afluentes da margem oeste do Rio das Velhas, este por seu turno, afluente do São Francisco. A cidade é privilegiada em termos de cursos d'água. Tanto que uma das principais motivações para a escolha da localidade para a transferência da antiga capital (Ouro Preto) foi a abundância hídrica do Arraial do Curral del-Rei. Mas nós enquanto sociedade nos distanciamos desses elementos ao longo da evolução urbana e nos esquecemos da importância da questão hídrica para um equilíbrio ecossistêmico da capital.

Ao olhar para a construção e evolução de Belo Horizonte, qual concepção prevaleceu no tratamento dos rios?
Até mesmo pelas motivações históricas para a sua fundação, de ruptura com o passado colonial, Belo Horizonte já nasceu obcecada pela modernidade, obcecada em ser vanguarda. Por um lado a cidade, em sua história, foi marco e vanguarda em várias áreas do modernismo – e nesse sentido o reconhecimento da Pampulha como Patrimônio Cultural da Humanidade foi uma conquista para a sua identidade. Por outro lado, no que diz respeito à questão hídrica, a cidade ficou parada no século 19, aos modelos higienistas, em que a água tem de passar com maior velocidade, escoar pela cidade mais rapidamente. BH, em sua fundação, foi vendida como exemplo de modernidade para o país, e, em nome da modernidade, enterrou os rios, dentro de uma visão de época diferente daquela que temos hoje. Começaram com a ideia de canalizar os rios, pois alegavam que endemias que ocorriam nas cidades industriais eram causadas pelo esgoto nos cursos d’água e canalizando, as águas passariam com maior velocidade pela cidade. Só que não resolveu, pois descobriram que teriam também de tratar esgotos e retirá-los do meio urbano. E em Belo Horizonte, embora a questão da construção de emissários e do tratamento de esgotos tenham sido debatidos sempre, a primeira Estação de Tratamentos de Esgoto (ETE) do Arrudas só foi feita em 2002. Ou seja, foram mais de 100 anos sem ter uma estação de tratamento na capital. As canalizações se iniciaram em 1923 sem parar até hoje, uma técnica que é muito lucrativa para alguns setores, dentro de uma política que manteve as mesmas concepções em resposta a uma pressão, um lobby empresarial, interessado nela.
 
 

Além do lobby de empreiteiras pela manutenção da política das canalizações, o que explica a falta de apoio popular para a mudança desse relacionamento com a rede hídrica da cidade?
Desde a fundação da capital, tivemos um pacto político e social não explicitado para a canalização e fechamento dos rios, com apoio das mídias, das elites intelectuais, empresariais, da população mais participativa e dos governos. Quando pesquisei para a obra Rios Invisíveis, a maioria das pessoas pedia em cartas ao jornal Estado de Minas e Diário da Tarde para que fossem fechados. Culturalmente, o Brasil nunca valorizou a sua rede hídrica. Quando no século 17 Portugal retomou Olinda dos holandeses, destruiu a marretadas toda a rede de esgoto feita pelos holandeses. Nós sempre enxergamos as águas como elemento que carrega impurezas, detritos do meio urbano. Por isso nas cidades coloniais as casas são construídas no fundo de vale, para que as águas carreguem a sujeira. As costas de Ouro Preto dão para o fundo de vale. E Belo Horizonte, apesar de toda a busca da modernidade, trouxe como sociedade essa raiz cultural. Tanto que desde as primeiras décadas havia preocupação dos governos e da população de embelezar Belo Horizonte, com árvores e parques, as propagandas muito difundidas a apontavam como cidade verde. O verde se tornou patrimônio coletivo, ainda que a arborização fosse controlada pela geometria das vias. Mas com as águas a relação foi muito diferente. A cidade entrou em rota de colisão com os seus cursos d’água, porque passaram a ser vistos como entrave no desenvolvimento regular da cidade. Atrapalhavam a evolução do tecido urbano, a comunicação viária, e nos períodos chuvosos havia transbordamentos que levavam sujeira para as ruas, já que, com o despejo in natura dos esgotos, a população começou a sofrer com problemas decorrentes do contato com águas poluídas. Tudo isso foi fator para marginalização das águas. Tanto que a população sempre protestou contra o corte das árvores, mas ao mesmo tempo aplaudia a cobertura dos cursos d’água. Inclusive pediam.

Qual foi o momento na história de Belo Horizonte em que essa política de canalização de rios e construção de avenidas sanitárias se afirmou de modo definitivo?
A comissão de construção da capital, em 1894, optou pelo projeto que continha um traçado geométrico, recusando a proposta do engenheiro Saturnino de Brito, que baseava o traçado no sistema natural de escoamento das águas. Importava conceitualmente as ideias higienistas da França e da Europa, o racionalismo técnico, o positivismo. Tinha pleno conhecimento da rede hidrográfica do sítio delimitado para receber a nova capital, com perímetro delimitado entre a Serra do Curral e a Serra da Contagem, onde está o IAPI. Mas quando você pega a planta da malha geométrica da nova capital, você pode observar que só o Arrudas está inserido como elemento de referência da paisagem, o que já configura ruptura, porque significa que, na prática, não foram considerados como elementos de referência na paisagem os demais cursos d’água. E só dentro da Contorno havia três cursos d´água principais – o Córrego da Serra, do Leitão e do Acaba Mundo – que, com seus afluentes, somam ao todo 14 cursos d'água dentro do perímetro da nova capital. Havia pressa em concluir as obras da nova capital, recursos limitados, levando a não ser feita a estação de esgoto que estava prevista. A comissão construtora lavou as mãos em relação à estação de tratamento de esgoto e em relação ao que fazer com os outros cursos d'água, legando a questão para as administrações futuras. No início, houve pequena preocupação com o esgoto. Técnicos emitiram alertas preocupados com a situação sanitária do Arrudas. Mas foi sendo esquecido. O município concluiu no início da década de 30 o emissário de esgotos do Arrudas, esgotos eram conduzidos para ele, e este deveria levar até a estação de tratamento que nunca existiu. Os esgotos eram despejados diretamente no rio. A primeira estação de tratamento só chegou em 2002. Em relação às canalizações, as administrações posteriores decidiram como fazê-la. O Córrego da Serra foi o primeiro canalizado em canal fechado na década de 20. A Comissão Construtora não canalizou nenhum córrego. Fez pequenas retificações na Lagoinha e na Praça da Estação.


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