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BH suspende programa pioneiro e premiado para prevenção de Aids

Populações vulneráveis são foco do BH de mãos dadas, projeto reconhecido em premiação apoiada pela ONU


postado em 29/03/2019 06:00 / atualizado em 29/03/2019 09:51



“Eu vivia com um companheiro, a gente dormia debaixo do viaduto. Um dia, o preservativo rasgou e ele me disse que tinha colocado ‘bicho’ em mim. Eu não acreditava que o ser humano podia ser tão injusto.” O desabafo é de Pâmela (*). A referência ao que foi transmitido pelo parceiro é ao vírus HIV, com o qual convive desde então. Ela integra população apontada por especialistas entre as mais vulneráveis: a das pessoas em situação de rua. Esse era precisamente um dos focos de um programa de prevenção da Prefeitura de Belo Horizonte, que, apesar de premiado, está suspenso desde o começo do ano. O número de abordagens do programa BH de mãos dadas contra a Aids havia saltado de 2.599 em 2017 para 4.226 em 2018. Nos primeiros meses de 2019, esse número caiu a zero.

Especialistas explicam que essa parcela da população depende de atendimento específico e direcionado, já que está muito mais exposta a riscos(foto: Marcos Vieira/EM/DA Press)
Especialistas explicam que essa parcela da população depende de atendimento específico e direcionado, já que está muito mais exposta a riscos (foto: Marcos Vieira/EM/DA Press)


O BH de mãos dadas, da Secretaria Municipal de Saúde, existia desde os anos 2000. Nasceu como um projeto destinado primeiramente a organizar a assistência a quem havia contraído o HIV. “Precisávamos de um processo de educação continuada porque, por exemplo, as pessoas sabiam que o preservativo era importante, mas não o usavam”, destaca a infectologista Carmen Teresinha Mazzilli Marques, criadora e primeira coordenadora do programa. Em 2007, o BH de mãos dadas venceu o Prêmio ODM Brasil, do governo federal, com destaque para projetos que contribuem para o cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, da Organização das Nações Unidas.

Carmen explica o que se tornou eixo fundamental da metodologia do grupo: “Chamamos várias organizações para um trabalho conjunto. Não adiantava palestra, tinha que ser oficina, vivências e para isso, tínhamos que conversar de igual para igual. Não adiantava eu, professora, conversar com a profissional do sexo ou com a pessoa em situação de rua. Começamos a formar multiplicadores de prevenção: pessoas da comunidade que iam trabalhar entre seus pares”.

Este trabalho, aliás, hoje é desempenhado por Pâmela, de 49 anos. Ela frisa que é “indetectável e intransmissível”, graças ao tratamento. Trabalha como educadora-par em outro programa de metodologia parecida, mas ligado à Secretaria Municipal de Assistência Social, Segurança Alimentar e Cidadania. “A gente fala a língua das pessoas, não adianta chegar lá com os conceitos bonitinhos e não entender daquela realidade ali. O mais importante é a pessoa fazer o exame e, se descobrir a infecção, tomar o remédio. Não pode é ficar sem o remédio”, ensina. De acordo com a Secretaria de Assistência Social, atualmente, entre as pessoas atendidas em abrigos municipais, 39 fazem tratamento para o HIV.

O termo “grupo de risco”, comum no passado, caiu em desuso e hoje os especialistas trabalham com a “vulnerabilidade” de determinados grupos, com base nas estatísticas sobre a infecção – que são voláteis –, de forma a evitar a formação de estigmas. Populações como as pessoas em situação de rua têm vulnerabilidade acrescida, como explica o professor Dirceu Grecco, da Universidade Federal de Minas Gerais, especialista em doenças infecciosas e integrante da Comissão Nacional de Aids.

(foto: Arte EM)
(foto: Arte EM)
“Do ponto de vista da saúde pública é uma população pequena, mas que é importantíssima, tem de ser resgatada. Está em um universo tão malvado, porque tem dificuldade de acesso a tudo, então o corpo vira moeda. O consumo de álcool e drogas também aumenta essa vulnerabilidade. O olhar preconceituoso para populações mais vulneráveis coloca em risco toda a população”, diz o especialista.

Convivendo com o HIV desde 1986, Sheila (*), de 63, que teve trajetória de rua e hoje mora em uma ocupação no Centro de Belo Horizonte, detalha: “Você não sabe o que é ser chamada de bicha velha aidética, aos gritos, na rua. É o fim. Existe preconceito até mesmo entre as pessoas transexuais”. Diagnosticada em 1986, ela viu muitos colegas perderem a vida por não fazer corretamente o tratamento, de maneira a evitar o avanço da infecção.

“Quando a travesti é mais jovem, sofre menos, porque sempre encontra um cliente que oferece uma diária em um hotel, uma comida. Isso acontecia comigo até uns dois anos atrás, mas já estou muito fragilizada e é muito difícil agora encontrar cliente na rua quando a gente está idosa”, conta Sheila. (*) Para preservar a identidade das pessoas em situação de rua, os nomes usados nesta reportagem são fictícios

 

PBH diz que prevenção segue na rede pública

 

Nos primeiros três meses de 2018, o BH de mãos dadas abordou 1.025 pessoas em situação de rua em Belo Horizonte. No ano anterior, em igual período, foram 693. Em 2019, com o projeto fora de funcionamento, nenhuma pessoa dessa população vulnerável recebeu orientação específica do poder público a partir do programa.

A Secretaria Municipal de Saúde informou que, durante esse período, as ações de prevenção continuam sendo realizadas pelas equipes dos Centro de Testagem e Aconselhamento e em todos os centros de saúde, por meio dos profissionais e agentes comunitários, com orientações à população e entrega de preservativos.

Mas falta a especificidade. A psicóloga Lindalva Guimarães Mendes, autora de dissertação na UFMG sobre proteção social e cuidado a travestis e mulheres trans em situação de rua em BH, frisa que, diante de trajetórias marcadas por extrema vulnerabilidade, o risco e a violência tornam pouco eficientes os formatos genéricos de atendimento.

O trabalho de Lindalva buscou entender, junto às entrevistadas, se as políticas públicas de forma geral as alcançavam. A pesquisadora defende que é importante envolver o público na construção do modelo das próprias políticas. Exemplos aparentemente banais, como falta de habilidade com o uso do nome social, podem prejudicar definitivamente a inserção no sistema de saúde. “São pessoas que não se encaixam com tanta facilidade nos modelos já estabelecidos. Se você pretende alcançá-las, tem que dialogar, aprender com esse público. Se não tratamos a pessoa em específico, a gente acaba repetindo violências que elas sofreram ao longo da história. Estamos tratando da questão dos direitos humanos no limite”, afirma.

Procurada pela reportagem em janeiro, a prefeitura, por meio da assessoria de imprensa da Secretaria de Saúde, informara que não havia prazo para restabelecimento do programa. Sob novo questionamento este mês, informou que a previsão é de que o programa seja retomado em abril. O Estado de Minas perguntou a causa do atraso. A pasta limitou-se a responder, em nota, que “o poder público trabalha para finalizar os trâmites legais para concluir o convênio com parceiro que irá contribuir no fortalecimento das ações do programa BH de mãos sadas”.
 


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