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Estado de Minas

Como a população de rua se tornou um desafio interminável em BH

Embora estime haver cerca de 4,5 mil cidadãos vivendo sem teto nas vias da capital, prefeitura afirma já ter feito quase 17 mil abordagens a essas pessoas em apenas oito meses. Ações se multiplicam e toneladas de objetos são recolhidas, mas ocupações em situação degradante são retomada logo que fiscais vão embora. Resistência a abrigos é grande


postado em 13/09/2018 06:00 / atualizado em 13/09/2018 07:36

Barracos improvisados com lonas, papelão ou compensado se espalham sob pilares de estruturas urbanas(foto: Paulo Filgueiras/EM/DA Press)
Barracos improvisados com lonas, papelão ou compensado se espalham sob pilares de estruturas urbanas (foto: Paulo Filgueiras/EM/DA Press)


Um desafio interminável se expande por debaixo dos pilares de concreto que sustentam viadutos, passarelas e outras estruturas urbanas de Belo Horizonte, onde uma população que aparenta estar em constante crescimento vive em condições degradantes. Ações da prefeitura da capital têm sido permanentes no sentido de recolher materiais que se acumulam em ocupações feitas de tapumes, lonas e barracas, mas as providências são claramente insuficientes diante de um contingente que não apenas vem crescendo, como se descentralizando e se espalhando pelos bairros. Oficialmente, os cidadãos em situação de rua são cerca de 4,5 mil em BH, segundo os últimos dados disponíveis. Mas, entre janeiro e agosto, foram feitas 16.556 abordagens em toda a cidade, média de 68 por dia – o que indica que a mesma pessoa é abordada várias vezes por servidores da Subsecretaria de Assistência Social.

Se é difícil convencer integrantes dessa população a buscar abrigos municipais – até porque são cerca de mil vagas disponíveis –, controlar a ocupação dos espaços públicos por objetos e lixo acumulado tem se mostrado quase impossível. Em uma das últimas ações da prefeitura, foram recolhidos nada menos que 9 mil quilos de material, removido de uma das trincheiras mais movimentadas da capital – sob a Avenida Antônio Carlos, no encontro das avenidas Bernardo Vasconcelos e Américo Vespúcio. Lá, na terça-feira, foram encontradas 23 pessoas pelas equipes do município. Ao fim da abordagem, poucos permaneceram no local e ontem, aproximadamente 24 horas depois, cinco “moradias” estavam no endereço, reiniciando o ciclo de ocupação.

“Enquanto político tem mansão e carrão e ainda ganha auxílio-moradia, estou aqui na rua sem nenhum tipo de assistência”, reclama um dos moradores que resistem na trincheira. José Carlos Monteiro Lopes, de 52 anos, conhecido como “Pastor”, diz viver na rua há oito anos, e há três sob a Avenida Antônio Carlos. Quando o pessoal da prefeitura chegou para recolher os “excessos”, os barracões tomavam toda a calçada. Nove toneladas de lixo recolhidas depois, havia cinco barracos, que tendem a se multiplicar nos próximos dias pelo espaço aberto.

(foto: Paulo Filgueiras/EM/DA Press)
(foto: Paulo Filgueiras/EM/DA Press)


Pastor vive entre dois tapumes, onde se lê a inscrição “Deus é fiel”. Dentro do abrigo, sobre uma mesa improvisada se observa uma pimentinha. Tempero para a comida que recebe de colaboradores – quando recebe. Do lado “de fora”, um fogão prepara pele de frango na calçada. “A gente vive com o que a gente ganha”, resumiu. Ele conta que, se antes havia grande medo de apreensão desses itens que os sem-teto consideram básicos, agora, as ações de fiscalizações ocorrem de forma “tranquila”, como próprio morador definiu. “Ontem, teve o recolhimento de algumas coisas. Mas os agentes da prefeitura vieram aqui outras três vezes para avisar que isso ia acontecer”, contou Pastor. Tanto que ele já havia deixado separado o que poderia descartar. A maior preocupação era de que o tapume permanecesse: “É isso que me protege. Não podemos só colocar o colchão e deitar. Já levei pedrada e garrafada enquanto dormia”, disse.

Um dos que não arredaram pé do endereço desde a ação do poder público explica que há perfis diferentes entre os sem-teto. “Tem quem está na rua por descaso público, por necessidade, por falta de opção. Mas tem também os que estão por falcatrua”, considerou. Ele se refere a usuários de crack e a pequenos traficantes que se misturam a essa população errante. “Eles saem, mas logo voltam. São pessoas dependentes de drogas. Mas é complicado, porque eles assaltam até outros moradores de rua, acredita?”, indagou. 

(foto: Paulo Filgueiras/EM/DA Press)
(foto: Paulo Filgueiras/EM/DA Press)


Migração preocupa equipes do município

Em julho, a Prefeitura de BH admitiu que o contingente de pessoas em situação de vulnerabilidade social está se afastando do Hipercentro da capital, embora ainda não dispusesse de números sobre o fenômeno. Diante da situação, a administração municipal anunciou ter mobilizado nove vezes mais equipes para atuar na abordagem e no convencimento dessa população, para que deixe as ruas e permita que objetos que ocupam o espaço público sejam removidos. Uma das promessas é investir R$ 5 milhões para aumentar quantidade de equipes. As ações são compartilhadas entre as secretarias de Políticas Urbanas, de Assistência Social, de Segurança Alimentar e Cidadania, de Segurança e de Saúde. 


Na manhã de ontem, era possível observar uma dessas equipes da prefeitura fazendo a retirada de objetos, lixo e entulho na Lagoinha, na Região Noroeste de BH, onde vive grande contingente de pessoas. Foi esse o local que Darcy Batista, de 46, “escolheu” para montar seu barraco de lona. Ele contou que toda semana uma equipe visita o lugar, mas também testemunha que a ação não ocorre de forma invasiva ou truculenta. “Eles chegam aqui, conversam... Recolhem coisas que são realmente desnecessárias, como pedaços de madeira que podem fazer o barracão pegar fogo”, contou. “Mas não mexem dentro do meu barraco, sou eu que escolho o que deve ser descartado”, completou. Darcy diz que tenta uma bolsa-moradia para deixar a vida nas ruas, ainda sem sucesso. Enquanto isso, quatro carrinhos de supermercado o acompanham em sua trajetória. 

Em trincheira onde houve ação de equipes do município, reocupação começou pouco depois (foto: Paulo Filgueiras/EM/DA Press)
Em trincheira onde houve ação de equipes do município, reocupação começou pouco depois (foto: Paulo Filgueiras/EM/DA Press)


NOVAS ÁREAS
No pacote de intervenções intersetoriais que a prefeitura promete lançar para lidar com o desafio da população de rua, uma das medidas prevê a abertura de duas unidades de acolhimento. Uma delas terá 40 vagas específicas para grávidas e mulheres que acabaram de ter seus bebês. Na segunda, estão previstas 50 vagas provisórias para famílias, até que consigam reunir condições de iniciar um novo projeto de vida. Entretanto, a ideia de ir para um abrigo ainda é vista com resistência por grande parte dos moradores de rua. “Não vou para abrigo. Não sou criminoso, não preciso de me sentir em uma prisão com horário de comer ou tomar banho. Prezo pela minha liberdade”, comentou José Carlos Monteiro Lopes, o Pastor. Darcy Batista também disse que nunca foi a uma dessas unidades. “Eu sou um pouco antissocial, não consigo me imaginar em um abrigo”, contou.

Além das unidades para grávidas e famílias, foi anunciada pela prefeitura a criação do Centro de Referência Especializado para Pessoas em Situação de Rua, que ficará na Lagoinha, área de grande concentração de usuários de crack e outras drogas. A previsão é de que o atendimento, com capacidade para 200 pessoas apenas durante o dia, comece até o fim do ano. Outra frente aberta pelo município prevê a ampliação do bolsa-moradia. Hoje, cerca de 250 pessoas são beneficiadas com o programa e a previsão é de que o número chegue a 500 até 2020.

(foto: Arte EM)
(foto: Arte EM)


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