
Leonardo vendia salgados e suco na Praça Doutor Carlos, a principal de Montes Claros, no Norte do estado, na tarde de quarta-feira. Foi abordado por um fiscal da prefeitura, que queria apreender os produtos e seu carrinho, porque ele estava em situação irregular. Pessoas que estavam local se solidarizaram e compraram tudo o que estava à venda, para impedir o prejuízo do ambulante, que se emocionou e começou chorar. A cena foi filmada por um pedestre, que divulgou o vídeo na internet.
O caso teve repercussão até em sites estrangeiros e muitas pessoas manifestaram solidariedade ao vendedor. Houve também quem se dispusesse a ajudar Leonardo, como o humorista e “youtuber” alagoano Carlinhos Maia, apontado com um dos “fenômenos” da internet no Brasil. Ele vai realizar um show em Montes Claros neste domingo.
"VIA-CRÚCIS" Em entrevista exclusiva ao Estado de Minas, o ambulante disse que vem de uma uma família de oito irmãos e nasceu na zona rural do município Coração de Jesus, no Norte de Minas. Perdeu o pai na infância, aos 10 anos. A família dele mudou-se para Montes Claros e Leonardo – já adulto – resolveu tentar a vida em São Paulo, onde iniciou o trabalho de vendedor de lojas de sapatos na Saúde e no Jabaquara. Mas a experiência na “cidade grande” acabou não sendo nada positiva. Influenciado por “amigos”, começou a usar drogas e foi ao fundo do poço. “Passei a morar na rua. Eu dormia na rua ou no metrô”, conta.
Há quatro anos e meio, resolveu pegar o caminho de volta para Montes Claros. Mas não tinha dinheiro para comprar a passagem. “Vim pedindo carona na estrada”, relata. Leonardo disse que, além do retorno à região de origem, também decidiu lutar contra o vício. Para isso, entrou para uma igreja evangélica (Igreja Internacional da Graça de Deus), que lhe ajudou a vencer as drogas. “Procurei Deus e já faz uns quatro anos que estou limpo. A droga me causou muitos problemas de saúde. Minha mulher queria separar de mim, minha família se afastou. Perdi muitas coisas. Depois que me batizei (entrou para a igreja e se libertou do vício) comecei a ganhar as coisas”, declara.
Ele relatou que, com a ajuda da mulher, montou uma lanchonete. Além da comercialização no estabelecimento, passou a vender salgados e sucos como ambulante. Também comprou um carro para entregas e adquiriu um apartamento a prestação em um conjunto habitacional (Belvedere), em Montes Claros.
Ele se descontrolou e ficou endividado. Acabou sendo obrigado a vender a lanchonete, sem, no entanto, se libertar das dívidas. A situação se agravou e ele foi obrigado a se desfazer do carro e vender o apartamento, pois não conseguia pagar as prestações (R$ 580 mensais) e a taxa de condomínio (R$ 160). Passou a morar em um barracão alugado e agora não tem dinheiro para pagar o aluguel, no valor de R$ 350, que vence no próximo dia 5.
Leonardo disse que, além de juntar dinheiro para quitar o aluguel, trabalha como ambulante, vendendo salgados e sucos, com o objetivo de pagar o fornecedor de gás, para quem deve R$ 160. “Estou sem botijão de gás. Hoje, tive que cozinhar no fogão a lenha”, reclamou. Informou ainda que suas dívidas somam cerca de R$ 22 mil e que com o “nome sujo” (inadimplente) não tem crédito para comprar mais nada à prestação.
Quanto questionado sobre a sua condição de “viver sem telefone celular” – coisa difícil nos dias atuais, ele argumenta: “eu preciso (do aparelho). Mas, como vou comprar um celular – que custa entre R$ 600 e R$ 700 se eu estou precisando de R$ 350 para pagar o aluguel?”. Leonardo disse que ficou surpreso com a imensa repercussão do vídeo em que aparece emocionado. “Eu fui lá (na praça onde foi abordado pelo fiscal) para trabalhar. Não sabia que iria dar essa repercussão toda”, declarou, lembrando: “acabei de dar entrevista até para um site dos Estados Unidos”.
Para o ambulante, o episódio em que se envolveu e provocou a sua “fama” repentina foi “coisa de Deus”. “Acho que foi Deus que mandou aquele cara (o fiscal). Deus falou assim pra mim: chegou a hora de te ajudar.” Ele afirma que, após tanta luta e sofrimento, diante das muitas manifestações de solidariedade nas redes sociais, tem um sentimento de proteção. “A sensação é de que estou protegido. Que não estou sozinho no mundo. Sinto-me acolhido, não pelas pessoas que me criticam, mas pelas pessoas que querem me ajudar”, assegura.
O ambulante revela ainda que seu sonho é quitar as dívidas, voltar a trabalhar legalmente como microempreendedor formalizado e dar a volta por cima. “Quero ter o orgulho de as pessoas chegarem e dizerem: esse cara que vendia coisas na praça, hoje tem a lanchonete dele”, afirma Leonardo.
