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Estado de Minas

Pico do Itacolomi esconde casos de dor e exploração em fazenda de chá

Formação rochosa conhecida como Farol dos Bandeirantes não traz boa recordação para moradores que chegaram a trabalhar no cultivo da plantação


postado em 11/03/2018 07:00 / atualizado em 12/03/2018 10:47

Mariana e Ouro Preto – Em morros distantes, a rocha em forma de dedo que emoldura o casario colonial da Praça Tiradentes, em Ouro Preto, servia de marco para que os bandeirantes e tropeiros conseguissem se orientar até chegar à região das minas. Por esse motivo, o Pico do Itacolomi ganhou o apelido de “Farol dos Bandeirantes”. Mas para os homens e mulheres, lavradores do distrito de Lavras Novas, a visão daquele maciço rochoso evoca um outro significado. Remete ao trabalho árduo, incessante, com longas jornadas, condições precárias e recompensa quase irrisória.

Ex-trabalhadoras de fazenda de chá relembram da dura rotina no Itacolomi(foto: Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press)
Ex-trabalhadoras de fazenda de chá relembram da dura rotina no Itacolomi (foto: Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press)


“Era um trabalho escravo”, considera Maria Aparecida Carvalho Marins, de 67 anos. Ela e outras dezenas de lavras-novenses lidavam diariamente numa fazenda de chá, que começou a funcionar na área no início do século 19, terreno onde hoje está o Parque Estadual do Itacolomi, entre Mariana e Ouro Preto. Uma página praticamente esquecida da história do povo daqueles montes conhecidos pelo ouro e o pelo barroco. Pessoas simples, que até hoje se reúnem para lembrar de uma época que lhes deixou marcas para toda a vida. “O trabalho era suado demais. A gente carregava dois cestos grandes, um na cabeça e o outro ia preso à cintura por uma cinta. A gente ganhava pelo peso do chá colhido, por isso ia socando as folhas nos cestos e tinha até de se inclinar para o peso não machucar demais a cacunda (as costas)”, lembra Rosali Ribeiro de Carvalho, de 70.

 

Trabalho extenuante

Uma das mais antigas trabalhadoras da fazenda de chá é Tereza Correia Guimarães, de 87. “Comecei a trabalhar nova, com 12 anos”, lembra Tereza. “Primeiro a gente capinava a fazenda, depois plantava. Em 1º de maio, tinha a poda das árvores de chá. Em 1º de junho, a colheita. Enchia o balaio com as folhas, depois levava para a fábrica, pesava, punha as folhas num barraco em cima de umas esteiras, onde ele secava.  Depois, moía as folhas para fazer o chá”, conta.


Museu do Tropeiro guarda antigas máquinas usadas em fazenda de chá(foto: Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press)
Museu do Tropeiro guarda antigas máquinas usadas em fazenda de chá (foto: Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press)


Os grupos de trabalhadores saíam de suas casas por volta das 4h30. “A gente ia a pé. Passava por um atalho que se chamava Pedra Ruim e outro que se chamava Areial. Chegávamos às 7h, cansadas, mas não tinha outro jeito, tínhamos de trabalhar”, conta Tereza. A trilha pelas montanhas trazia inúmeros perigos. “Quando o córrego enchia, era muito perigoso de se chegar à fazenda de chá. A gente precisava de voltar para trás e dar uma volta danada para retornar para a trilha. Se tentasse passar pelo córrego, a gente não voltava mais”, diz Tereza.

 

"Era uma situação muito difícil"

O retorno para suas casas não se traduzia em descanso para as mulheres.  “Quando chegava em casa, não tinha água. Ia para a fonte para pegar água para lavar aquela roupa nossa suada, que era feita de sacos velhos”, conta Maria Aparecida. Para conseguir ânimo para a caminhada, as mulheres cantavam canções próprias, muitas delas tristes, como a que retratava Maria, uma jovem que morreu de desgosto, porque engravidou e não poderia contar para os pais. “Isso acontecia com todas nós. Era uma situação muito difícil para as jovens. Se falassem que estavam esperando o filho, os pais espancavam, porque a mulher não ia poder trabalhar e trazer dinheiro para a casa e o pai ia ter de cuidar da criança. No caso da Maria, o pai do filho vai embora, ela tem de ter a criança sozinha e ainda dar o bebê para o pai. Assim foi, até um dia que ela adoeceu e foi embora”, relembra Maria Aparecida. A plantação de chá foi engolida pela vegetação nativa. As estruturas da fábrica ainda estão preservadas e funcionam como um museu do chá na sede do Parque Estadual do Itacolomi.

 

Ver galeria . 9 Fotos Edesio Ferreira/EM/D.A Press
(foto: Edesio Ferreira/EM/D.A Press )


Apesar de a grande pedra ser o destaque do cenário, o nome Itacolomi significa “pedra menina”, em tupi, se referindo a uma rocha menor, que fica ao lado da grande e quase não é visível. O cume tem 1.772 metros de altitude e permite avistar formações a quase 100 quilômetros, como o Pico do Itabirito (Itabirito), a Serra da Piedade (Caeté) e a Torre da Alta Vila (Nova Lima). Nos arredores do pico formaram-se muitas comunidades de escravos fugidos dos trabalhos forçados nas lavras de ouro, aproveitando-se do relevo acidentado e das dificuldades de circular pela região. “Muitos quilombos eram abrigados por essas serras. Por isso tiveram uma importância muito grande na resistência dos negros em Minas Gerais”, afirma o professor de História da Arte e Iconografia do Instituto Federal de Minas Gerais (IFMG), Alex Bohrer. (A LOJA ROTA PERDIDA/ROTA EXTREMA - www.rotaperdida.com.br - forneceu parte dos equipamentos usados nas expedições)

 

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