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Estado de Minas

Apenas um terço das ações para reparar danos em Mariana foi cumprido

A um mês de o rompimento da Barragem do Fundão completar dois anos, a denúncia é feita pelo procurador José Adércio Leite. O pior é o drama humano, diz


postado em 01/10/2017 06:00 / atualizado em 01/10/2017 07:25

No distrito de Paracatu de Baixo, as ruínas dão o testemunho de uma tragédia socioambiental que ainda está longe de terminar(foto: Jair Amaral/EM/D.A Press)
No distrito de Paracatu de Baixo, as ruínas dão o testemunho de uma tragédia socioambiental que ainda está longe de terminar (foto: Jair Amaral/EM/D.A Press)

Barra Longa e Mariana
– Gente relegada a casas com quintais soterrados, sem recursos e assistência. Vizinhança dividida, se hostilizando mutuamente por medo de perder o sustento familiar ou lutando por isso. Terras improdutivas, rios desprovidos de peixes e incerteza no rumo de vidas sem trabalho seguro nem moradia definitiva. A praticamente um mês de a maior tragédia socioambiental do Brasil completar dois anos, os atingidos, representantes de municípios e o Ministério Público denunciam a execução de apenas uma parte insuficiente da reparação devida após o rompimento da Barragem do Fundão, que fica no complexo minerário da Samarco, em Mariana, na Região Central de Minas Gerais.

 

“Somente um terço do que poderia ter andado, daquilo que foi acordado e do que se precisa nas questões dos atingidos e ambientais efetivamente ocorreu”, destaca o procurador da República José Adércio Leite Sampaio, coordenador da força-tarefa do Ministério Público Federal (MPF) em Minas Gerais, que apura responsabilidades e intermedeia a reparação dos danos causados.

 

Para o procurador, o aspecto pior e mais urgente é o drama das pessoas afetadas. “A tragédia humana é sem dúvida o que mais chama a atenção, por ser um cenário desalentador”, define.

Em 5 de novembro de 2015, a Barragem do Fundão se rompeu e despejou 34 metros cúbicos (m3) de rejeitos de minério de ferro na Bacia do Rio Doce, alcançando o mar no estado do Espírito Santo, depois de 16 dias.

 

A força dessa onda de água e lama de 20 metros de altura arrebatou caminhões e tratores, matando 14 pessoas que trabalhavam no complexo minerário e outras cinco que foram soterradas pelo tsunami no distrito de Bento Rodrigues, a apenas cinco quilômetros de distância do reservatório. Às famílias dessas vítimas foi adiantada, a título de indenização, a importância de R$ 100 mil.

 

Pode parecer uma quantidade emergencialmente satisfatória, mas dois anos depois o quadro se degrada para o cenário desalentador apontado pelo coordenador da força-tarefa. Sem incrementos posteriores, essa importância representa, desde quando foi paga (23 de dezembro de 2015), média de R$ 162 por dia.

A apenas 20 quilômetros de Bento Rodrigues, o vilarejo de Paracatu de Baixo teve quase metade de suas moradias inundadas pela lama. Debaixo dessa onda estava o sonho de ter uma casa própria do caseiro Roberto Carlos de Paula, de 60 anos.

 

Há quase um ano ele construía, com as próprias mãos e a ajuda de amigos e familiares, aquele que seria o seu primeiro teto. Estava saindo tudo do seu jeito. O lugar era perto do campo de futebol onde treinava um time, da igreja, dos amigos e dos familiares.

 

“Não ia precisar mais de viver na casa dos outros de favor. Aí veio a lama e levou minha casa embora e tudo que tinha dentro. Inclusive as ferramentas de trabalho”, lamenta. O drama dele, agora, é saber quando é que vai poder sair de Mariana para ter uma casa na nova vila, que será construída pela Fundação Renova – a previsão é o primeiro semestre de 2019.

 

“Quero meu canto. Estou recebendo aluguel da Renova, mas não aguento ficar em Mariana. Venho três vezes por semana aqui para este deserto – a comunidade devastada de Paracatu de Baixo, onde praticamente ninguém mais habita. Na cidade não posso plantar, não tenho sossego”, desabafa.

A situação de Roberto Carlos ilustra bem o drama da perda e da insegurança dos atingidos. “A questão humana tem sido a pior, basta ver como é pequeno o número de pessoas efetivamente contempladas pelos programas (sociais), a desigualdade com os moradores de Barra Longa, o preconceito com os moradores de Bento Rodrigues (são apontados como culpados pelo fechamento dos empregos da Samarco), os pescadores que estão abandonados, os índios crenaques, insatisfeitos”, exemplifica o procurador da República José Adércio Leite Sampaio.

Compensação pela metade


A cada dia, a tragédia do rompimento da Barragem do Fundão aumenta um pouco para o produtor rural de Barra Longa Eder Felipe da Silva, de 40. Em 6 de novembro de 2015, a onda de rejeitos que veio pelo Rio Gualaxo do Norte, de Mariana, tomou o Rio do Carmo e a cidade de Barra Longa, bem no encontro dos dois cursos d’água.

 

“Meu terreno ficava na beira do rio e sumiu debaixo da lama. Tinha 50 cabras que foram arrastadas rio abaixo”, lembra. Naquele momento, o desespero dele foi o de ter perdido a fonte de sustento. Mas tudo foi piorando. “O tempo foi passando e a Samarco trouxe as máquinas para tirar a lama. Mas aquele vaivém de caminhões e tratores abalou o barranco da rua e minha casa foi interditada pela Defesa Civil”, conta.

 

A situação o obrigou a depender de doações, depois de se cadastrar para receber aluguel e auxílio mensal. Mas esse estresse resultou em uma forte depressão e a necessidade de acompanhamento médico e psíquico.

Os profissionais com quem se tratava lhe recomendaram a voltar a criar animais para retomar a vida que tinha. Com isso, conseguiu da Fundação Renova 14 bezerras, o aluguel de um pequeno terreno na beira do rio e o fornecimento de silagem para alimentar os animais.

 

“É nessa hora que você pensa que tudo vai se acertar que leva outro tombo”, costuma dizer. Isso porque em pouco tempo as bezerras cresceram e passaram a comer mais e a ocupar um espaço maior do que o fornecido.

 

“Precisei conseguir que meu irmão me emprestasse um pedacinho de terra dele para trazer as vacas, que já estão até prenhes”, afirma, mostrando as rezes grávidas se espremendo num pequeno cercado.

 

“Por causa da falta de espaço, os bezerros que nasceram estão adoecendo e a comida também precisaria aumentar. Tenho cinco sacos de silagem diária, que dariam para 14 bezerros, alimentando 14 vacas prenhes que logo vão parir e produzir leite. Estou tendo de pedir favor para cortar pasto, ou cortando na beira das estradas para completar a comida da criação. Gasto também R$ 600 com sacos de ração por mês”, reclama.

Outro ponto que lhe traz insegurança é não saber quando terá sua casa reformada ou receberá outra. O mesmo ocorre com o seu terreno, que foi inteiramente coberto de pedras pela Samarco para impedir erosões e enxurradas de lama no Rio do Carmo. “Não nasce mais nada lá, e as criações também não conseguem andar ali nas pedras”, lamenta.

 Outro lado

 

A Fundação Renova afirma que tem compromisso com a reparação das necessidades humanas e naturais das comunidades impactadas. “Em alguns casos, inclusive, corrigindo situações que já estavam degradadas. O que podemos garantir é que estamos nos dedicando para realizar todas as ações necessárias para a reparação dos impactos”, afirma a fundação dando o exemplo de ações de educação, ambiental com a recuperação das 500 nascentes da Bacia do Rio Doce. “A nossa meta é recuperar 5 mil nos próximos 10 anos”.


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